CENTRO UNIVERSITÁRIO

 UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR DOM BOSCO – UNDB

CURSO DE DIREITO

 

ALÉSSIO MILHOMEM VASCONCELOS

 

 

 

 

 

 

 

CLÁUSULA GERAL DE NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL E O PROIBITÓRIO DA 

IN Nº 39/2016  DO TST NO ÂMBITO DO PROCESSO DO TRABALHO: uma análise à luz dos princípios norteadores da Autonomia da Vontade. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

São Luís 

2022

 

ALÉSSIO MILHOMEM VASCONCELOS

 

 

 

 

 

 

CLÁUSULA GERAL DE NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL E O PROIBITÓRIO DA 

IN Nº 39/2016  DO TST NO ÂMBITO DO PROCESSO DO TRABALHO: uma análise à luz dos princípios norteadores da Autonomia da Vontade. 

 

 

 

 

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito do Centro Universitário Dom Bosco como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

 

Orientador: Prof. Me. Diego Menezes Soares 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

São Luís 

2022

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Centro Universitário – UNDB / Biblioteca

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CLÁUSULA GERAL DE NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL E O PROIBITÓRIO DA 

IN Nº 39/2016 DO TST NO ÂMBITO DO PROCESSO DO TRABALHO: uma análise à luz dos princípios norteadores da Autonomia da Vontade. 

 

 

ALÉSSIO MILHOMEM VASCONCELOS

 

 

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito do Centro Universitário Dom Bosco como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Aprovado em: 27/06/2022

 

 

BANCA EXAMINADORA 

 

_________________________________________________________

Prof. Me. Diego Menezes Soares (Orientador)

Centro Universitário Dom Bosco – CUNDB

 

____________Professora Mestre Márcia Cruz Feitosa_(CUNDB)____________

1º Examinador

 

 

______________Prof. Especialista Johelson Oliveira Gomes_(CUNDB)_______

2º Examinador

 

 

 

 

 

 

 

 

AGRADECIMENTOS

 

 

Que seja o primeiro a receber minha gratidão. Sempre e em todo lugar. Sua Graça e Misericórdia me trouxeram até aqui. Seu amparo, Amor e paciência me acompanham desde o ventre materno. Em cada fraqueza e desafio superado, o Senhor É meu maior amigo, Pai e incentivador. Obrigado Deus, meu Senhor Jesus.

Aos amigos e companheiros nesta jornada acadêmica por compartilhar de todos os momentos de aprendizado, experiência e descontração. Crescemos juntos.

Em especial, quero destacar os amigos André Abreu, João Prazeres, Rafael Costa e João Francisco, sem os quais minha vida acadêmica teria sido bem mais árdua. Seu companheirismo, apoio e prontidão foram determinantes para alcançar êxito em tantos trabalhos, pesquisas e provas.

Agradeço a minha família, e aqui desejo exaltar e reconhecer o papel ativo dos meus pais, José Tupinambá e Acy, no estímulo constante e apoio incondicional na minha formação como homem, cidadão e, não seria diferente, neste importante projeto que foi o Curso de Direito. Jamais poderei retribuí-los por tanto, então que possa ser motivo de orgulho a vocês. Meu amor e respeito eterno a vocês.

Aos meus filhos Alycia Tereza, Lucas José e Álvaro José (no ventre materno), razões da minha vida, motivo maior para que me torne constantemente uma pessoa melhor. E a minha esposa, Bianca Maria, minha companheira de vida, a maior incentivadora e encorajadora, com quem divido metas, sonhos, lutas e conquistas. Os amo sem medidas. 

A todos os professores por sua devoção, compromisso e conhecimento partilhado nestes anos. Sua missão é nobilíssima e os frutos do seu trabalho são deveras importantes para a construção de uma sociedade mais justa e um país melhor, na medida em que formam e transformam acadêmicos em cidadãos, introduzindo-lhes princípios e o saber jurídico. Deus os abençoe imensamente.

Por último, quero agradecer ao orientador deste trabalho. Seu espírito destemido, ávido por conhecimento e agregador servem de exemplo a todos que tem o prazer do seu convívio. Com destreza cirúrgica soube traçar os caminhos para o desenvolvimento desta monografia. Obrigado meu amigo e mestre Professor Diego Menezes Soares.

 

RESUMO

 

 

O Código de Processo Civil brasileiro de 2015 trouxe ambicionou um sistema processual inovador, cooperativo, visando a paridade de tratamento no que se refere ao exercício das faculdades e direitos processuais, bem como a acentuada garantia do contraditório e da ampla defesa. Juntamente às modificações estruturais, entre outras alterações, inaugurou no ordenamento jurídico pátrio a viabilidade de negócios processuais atípicos concedendo às partes, desde que capazes, maior liberdade de autorregramento em direitos que admitam autocomposição dentro do processo, promovendo alterações no procedimento, através da Cláusula Geral de Negociação expressa pelo art. 190. Além disso, seu parágrafo único atribui ao magistrado, de ofício ou a requerimento, controlar a validade de tais convenções e recusar a aplicação se envolver parte em manifesta vulnerabilidade. Embora o Direito do Trabalho e o Processo Trabalhista se apropriam de forma subsidiária do Processo Civil como fonte, nos casos de omissão legislativa e havendo compatibilidade com as normas e princípios laborais, o Tribunal Superior do Trabalho proferiu entendimento quanto inaplicabilidade dos negócios processuais atípicos pela seara trabalhista. Neste trabalho, será explorado o debate à cerca da possibilidade do uso da autocomposição processual no Direito do Trabalho buscando verificar se os argumentos favoráveis à aplicabilidade são erigidos em bases principiológicas capazes de superar a barreira dogmática protecionista do hipossuficiente estendida à relação processual laboral.

 

Palavras-chaves: Autonomia da vontade. Negócios processuais atípicos. Processo do Trabalho.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ABSTRACT

 

 

The Brazilian Civil Procedure Code od 2015 aimed at na innovative, cooperative procedural system, aiming at parity of treatment witn regard to the exercise of procedural faculties and rights, as well as the sharp guarantee of the adversary system and full defense. Along with structural changes, among other changes, it inaugurated in the national legal system the viability of atypical procedural transactions, granting the parties, as long as they are capable, greater freedom of self-regulation in rights that admit self-composition within the process, promoting changes in the procedure, through the General Clause of Trading expressed by art. 190. In addition, its sole paragraph assigns the magistrate, ex officio or upon request, to control the validity of such conventions and refuse application if it involves a party in manifest vulnerability. Although Labor Law and the Labor Procedure use Civil Procedure as a subsidiary basis, in cases of legislative omission and compatibility with labor standards and principles, the Superior Labor Court ruled on the inapplicability of atypical procedural business by the harvest labor. In this work, the debate about the possibility of using procedural self-composition in Labor Law will be explored, seeking to verify if the arguments favorable to applicability are erected on principled bases capable of overcoming the protectionist dogmatic barrier of the hyposufficient extended to the labor procedural relationship.

 

Keywords:  Autonomy of the will. Atypical procedural business. Work Process.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO

 

 

1 INTRODUÇÃO 8

2 A ATRIBUIÇÃO DA VONTADE NO SISTEMA JURÍDICO 11

2.1 A AUTONOMIA DA VONTADE 13

2.2 A AUTONOMIA PRIVADA 15

2.3 O AUTORREGRAMENTO DA VONTADE 16

2.4 O NEGÓCIO JURÍDICO 17

2.5 A TEORIA DO FATO JURÍDICO 18

2.6 CONTRATOS 23

2.7 A LIBERDADE CONTRATUAL 26

3 NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL 29

3.1 O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 E A CLÁUSULA GERAL DE NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL 32

3.2 VALIDADE DOS NEGÓCIOS PROCESSUAIS NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS 35

3.3 DOS LIMITES PARA A APLICAÇÃO DOS NEGÓCIOS PROCESSUAIS 38

3.4 DAS NULIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS 43

3.5 DO CONTROLE JURISDICIONAL NA AUTOCOMPOSIÇÃO PROCESSUAL 46

4 O INSTITUTO DA NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL E O DIREITO TRABALHISTA 52

4.1 RELAÇÃO ENTRE DIREITO CIVILISTA E TRABALHISTA 52

4.2 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO PROCESSO DO TRABALHO 53

4.2.1 Princípios Constitucionais aplicáveis ao Processo do Trabalho 54

4.2.1.1 Princípio da Igualdade ou Isonomia 54

4.2.1.2 Princípio da boa-fé ou da lealdade processual 55

4.2.2 Princípios comuns ao Direito Processual Civil e ao Direito Processual do Trabalho 56

4.2.2.1 Princípio da aplicação subsidiária da legislação processual comum ao Processo do Trabalho 57

4.2.2.2 Princípio da Cooperação 57

4.2.2.3 Princípio do respeito ao autorregramento da vontade das partes 58

4.2.2.4 Princípio da Imparcialidade do Juiz 59

4.2.2.5 Princípio da Instrumentalidade ou da Finalidade 60

4.2.3 Princípios Peculiares do Direito Processual do Trabalho 60

4.2.3.1 Princípio da Conciliação 60

4.2.3.2 Princípio da Proteção ou Tutelar 61

4.2.3.3 Princípio da Majoração dos Poderes do Juiz ou do Ativismo Judicial 62

4.2.3.4 Princípio do jus postulandi da parte 63

4.2.3.5 Princípio da Indisponibilidade 63

4.3 AS DISPOSIÇÕES DA IN Nº. 39/2016 DO TST SOBRE A NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL 64

4.4 EMBATES A RESPEITO DA CLAUSULA GERAL DE NEGOCIAÇAO DO ART. 190 DO CPC/2015 E SUA (IN)APLICABILIDADE NO PROCESSO DO TRABALH 68

5 CONCLUSÃO 72

REFERÊNCIAS 75

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 INTRODUÇÃO 

 

 

O Código de Processo Civil brasileiro de 2015 que ganhou vigência em 15 de março de 2016 trouxe como proposta ambiciosa um sistema processual inovador, cooperativo, visando a paridade de tratamento no que se refere ao exercício das faculdades e direitos processuais, bem como a acentuada garantia do contraditório e da ampla defesa. Juntamente às modificações estruturais, entre outras alterações, explicitamente inaugura no ordenamento jurídico pátrio a viabilidade de realização de negócios processuais típicos e, como novidade, os atípicos. 

As partes alcançaram, desta forma, maior liberdade de autorregramento dos seus interesses dentro do processo, com a aptidão de promover alterações no procedimento. Portanto, a Cláusula Geral de Negociação expressa pelo art. 190 do CPC/2015 autoriza a negociação processual para os processualmente capazes, sobre direitos que admitam autocomposição. Além disso, o parágrafo único do mencionado artigo atribui ao magistrado, de ofício ou a requerimento, a obrigação de controlar a validade de tais convenções, devendo recusar a aplicação se envolver parte que se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade, mesmo que obedecidas às limitações expressas no caput. 

Importa saber que o Direito do Trabalho e o Processo Trabalhista se apropriam de forma subsidiária do Processo Civil como fonte consultiva, informativa e normativa, nos casos de omissão legislativa da matéria e quando houver compatibilidade com as normas e princípios laborais. Todavia, uma vez que o Tribunal Superior do Trabalho proferiu entendimento quanto inaplicabilidade dos negócios processuais atípicos recém admitidos no ordenamento processual civil pela seara trabalhista, traça-se, como recorte de abordagem deste trabalho, a seguinte questão: o debate à cerca da possibilidade do uso da autocomposição processual no Direito do Trabalho é pautado por argumentos erigidos em bases principiológicas capazes de superar a barreira dogmática protecionista do hipossuficiente estendida à relação processual laboral? 

Inicialmente, para o desenvolvimento da pesquisa, será necessário analisar a atribuição da vontade dentro do sistema jurídico e a sua evolução que culmina com a ascensão do pensamento da autonomia privada dentro do Direito Civil. Imprescindível ainda verificar a aplicação do autorregramento de interesses particulares no processo civil, na condição de ramo de Direito público. Assim, buscar-se-á a compreensão das limitações da manifestação da vontade existentes no Direito privado, e que são inafastáveis ao Direito público. Será enfrentado brevemente a Teoria do Fato Jurídico como fundamento aos estudos deste capítulo, bem como os conceitos de Contratos e a própria liberdade contratual. Ao fim, será explorada a aplicação do autorregramento da vontade no processo resultando nos negócios jurídicos processuais, de modo a permitir a convivência do direito à liberdade com as atividades e atribuições jurisdicionais.

Em seguida, importará que se faça um estudo da própria introdução legislativa do novo Código de Processo Civil de 2015 abordando-se esta temática com ênfase ao aspecto inovador da cláusula de negociação processual positivada no artigo 190 do referido código, ao passo que serão explorados os requisitos para a validade do negócio jurídico, assim como os aspectos que lhe atribuem validade ou que resultarão em sua nulidade e, por fim, o papel ativo do magistrado de controle jurisdicional na contenção da autocomposição quando esta ultrapassar os limites legais e gerais pré-estabelecidos e descritos no parágrafo único do artigo 190.

Em sequência, e antes de enfrentar o tema correspondente às convenções processuais no processo trabalhista, será importante abordar a relação entre o Direito Civil e o Direito do Trabalho com fulcro na ordem normativa que atribui o caráter de subsidiariedade da fonte civilista ao direito laboral. Perpar-se-á pelos princípios do processo do trabalho explorando a sua essência característica dotada de função protecionista e garantista ao trabalhador, princípios estes que também vão privilegiar a celeridade e efetividade ao processo, sob a égide jurisdicional constante e inafastável do magistrado como guardião da legitimidade, da legalidade e do respeito aos direitos envolvidos na lide processual, resguardando a figura do hipossuficiente e a própria justiça como um todo. 

Por conseguinte, far-se-á uma breve análise da Instrução Normativa Nº 39/2016 do Tribunal Superior do Trabalho cuja finalidade foi trazer um posicionamento desta corte frente aos impactos do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 17.03.2015) e suas inovações no processo do trabalho, o qual havia gerado, à época, vários questionamentos e incertezas sobre a matéria. Esta importante e oportuna normatização teve como tônica central permitir e apontar apenas em casos específicos a invocação subsidiária ou supletiva do NCPC caso haja omissão e também compatibilidade com as normas e princípios do Direito Processual do Trabalho, rechaçando, porém, a transposição de todo e qualquer instituto do processo civil para o processo do trabalho, sob pena de desfigurar-se todo o especial arcabouço principiológico e axiológico que norteia e fundamenta o Direito Processual do Trabalho. Nesta perspectiva, a Instrução Normativa manifestou o entendimento, especificamente quanto a cláusula geral de negociação, pela inaplicabilidade do artigo 190 do Código de Processo Civil ao processo laboral, vetando, destarte, a negociação processual atípica aos litigantes.

Por fim, será suscitado e explorado o embate argumentativo que questiona a Instrução Normativa N. 39/2016 elencando justificativas para a eventual aplicabilidade da autocomposição pelos litigantes na esfera laboral como forma de expandir sua participação no processo, ao passo que concorrerá para um desfecho justo e que alcance maior grau de satisfação às partes envolvidas.

Para alcançar os objetivos deste trabalho, utilizou-se o método de abordagem hipotético-dedutivo inicia-se com um problema ou uma lacuna no conhecimento científico, passando pela formulação de hipóteses e por um processo de inferência dedutiva, o qual testa a predição da ocorrência de fenômenos abrangidos pela referida hipótese , e como metodologia, a pesquisa bibliográfica sobre o tema explorado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2 A ATRIBUIÇÃO DA VONTADE NO SISTEMA JURÍDICO

 

 

A vontade enquanto elemento subjetivo e distintivo do ser humano entre seus pares sempre permeou os debates acadêmicos em várias searas, em especial na esfera jurídica.

O vocábulo “vontade” tem origem no latim (voluntas), cujo significado corresponde ao ato de querer .

Por se tratar de um termo polissêmico pode ser compreendido em viés psicológico, ético, filosófico ou jurídico, interno ou externalizado pelo agente volitivo. Hans Kelsen destacou-se por buscar conceituar a vontade no viés jurídico, depurando-a do elemento psicológico, afirmando que: 

Caráter absolutamente presuntivo ou fictício da vontade jurídica, é, já de plano, uma indicação suficientemente eloquente de sua realidade e de como esta deve ser buscada à margem de toda psicologia .

 

Francesco Carnelutti   vai abranger essas diversas acepções definindo a vontade como “etapa do ciclo psicológico na qual o pensamento atinge a tensão necessária para romper a inércia e descarregar-se sobre o mundo exterior”.

O filósofo alemão Immanuel Kant, ao abordar essa temática, definiu a vontade como um conjunto maior a contemplar a escolha e a aspiração, distinguindo-a das demais acepções da palavra devido a sua correlação direta com a razão. Em sua lição, dispõe que:

A faculdade do desejo cujo fundamento determinante – e daí até mesmo o que lhe é agradável – se encontra na razão do sujeito é chamada de vontade. A vontade é, portanto, a faculdade do desejo considerada não tanto em relação à ação (como o é a escolha), porém mais em relação ao fundamento que determina a escolha para a ação. A vontade, ela mesma, estritamente falando, não possui fundamento determinante; na medida em que é capaz de determinar a escolha, ela é, ao contrário, a própria razão prática. Porquanto a razão pode determinar a faculdade do desejo como tal, não somente a escolha, como também a simples aspiração, podem ser incluídas sob a vontade. Dá-se o nome de livre arbítrio à escolha que pode ser determinada pela razão pura  .

 

É possível declarar que a vontade é a força motriz do progresso, na medida em que ela “viabiliza saltos prospectivos, alterações do status quo, seja em decorrência de urgência em superar necessidades, seja oriunda de ambições das mais diversas índoles.” Entretanto, não apenas o progresso, mas também o seu oposto são fomentados por este fenômeno, vez que o embate entre vontades de indivíduos distintos, ou até mesmo internamente a um mesmo indivíduo, corroboram, em última análise, como empecilho ao desenvolvimento, resultando na desestabilização das relações sociais. Por consectário, a manifestação do conflito gera a premissa para a normatividade, correspondendo aquele em um fenômeno estritamente sociológico que passa a integrar o âmbito jurídico ao passo que a normatividade busca reprimi-lo. E por meio do exercício de tal pretensão, visando regular adstritamente a interação social e elucidar os conflitos instaurados, surge a figura do “contrato social”, por meio do qual os indivíduos abandonam o estado pleno de natureza mediante a outorga de parcela de sua autonomia individual para a figura do Estado, o qual passa a concentrar o monopólio da normatividade, especialmente no que concerne à resolução dos conflitos, sendo proibida a autotutela aos particulares .

Sobre este aspecto, constata-se que a vontade encerra em si um ciclo, sendo causa à formação do Estado ao mesmo tempo que destina seu fim, visto que a concepção de sua existência dá-se pela busca de autonomia e, concomitantemente, pela imposição de normatividade aos conflitos oriundos da disparidade volitiva dos indivíduos . 

Ademais, a autora menciona que:

Tomada essa premissa, tem-se que o Direito está inexoravelmente atrelado à vontade, vindo a atuar enquanto uma ferramenta do Estado não apenas no controle do aspecto volitivo – o que se deu com primazia em um primeiro momento histórico –, mas, contemporaneamente, na instrumentalização da autonomia da vontade com vistas ao desenvolvimento que essa acarreta à sociedade, quando protegida e pautada em valores consagrados pelo Estado Democrático de Direito. 

Nesse sentido, é incontestável o papel da vontade no estado democrático de Direito em virtude da “irrefutável concepção pluralista da sociedade, na qual os ideais morais e jurídicos se cristalizam por força de um comando que se origina na natureza humana”  .

Isto posto, Tércio Sampaio Ferraz Júnior  vai afirmar que a liberdade da vontade consiste em pressuposto de existência da igualdade humana, encontrando na efetividade de seu exercício, paradoxalmente, um contraponto que fomenta as próprias diferenças.

Compreender as múltiplas inferências da vontade na seara normativa, bem como os diversos desdobramentos que ela origina, é tarefa árdua dada sua complexidade. Para o presente estudo, destacaremos a importância do autorregramento da vontade, porém, seu entendimento prescinde da compreensão da autonomia da vontade e da autonomia privada, as quais abordaremos a seguir.

 

2.1 A AUTONOMIA DA VONTADE

 

A doutrina jurídica aponta Immanuel Kant como o precursor da expressão “autonomia da vontade”, a qual assim define:

Autonomia da vontade é aquela sua propriedade graças à qual ela é para si mesma a sua lei (independentemente da natureza dos objetos do querer). O princípio da autonomia é portanto: não escolher senão de modo a que as máximas da escolha estejam incluídas simultaneamente, no querer mesmo, como lei universal. Que esta regra prática seja um imperativo, quer dizer, que a vontade de todo o ser racional esteja necessariamente ligada a ela como condição, é coisa que não pode demonstrar-se pela simples análise dos conceitos nela contidos, pois se trata de uma proposição sintética; teria que passar-se além do conhecimento dos objetos e entrar numa crítica do sujeito, isto é da razão prática pura; pois esta proposição sintética, que ordena apodicticamente, tem que poder reconhecer-se inteiramente a priori .

Mais tarde, o termo “autonomia” recebeu de Norberto Bobbio  o conceito de um “complexo de normas nas quais o legislador e o executor se identificam”. Em sua lição, o autor aprofunda a análise sobre o tema e disserta que:

Rousseau, o teórico do Estado democrático moderno, define de maneira bastante clara o princípio inspirador da democracia em termos de autonomia, quando diz (com uma fórmula que inspirou o próprio Kant): “A liberdade consiste na obediência à lei que cada um se prescreveu (Do contrato social, capítulo VIII)”. 

Neste ponto, é válido a ressalva que Immanuel Kant não vai conceber a presença de juridicidade apenas nas normas emanadas do poder soberano, pois o doutrinador vincula irrevogavelmente a experiência jurídica à autonomia da vontade, levando a uma definição do Direito como “a soma das condições sob as quais a escolha de alguém pode ser unida à escolha de outrem de acordo com uma lei universal de liberdade”. 

Este, pois, consistia no fundamento jurídico filosófico que vigorava nos séculos XVIII e XIX onde a vontade imperava como condição basilar do direito, tratando o indivíduo como: 

O centro e a razão de ser de todo o edifício social e jurídico, desempenhando o Estado o dever de refletir com a máxima fidelidade as vontades individuais conjugadas, cuja expressão mais autêntica se encontra no direito subjetivo.  

 

No século XIX, a ascensão do modelo Liberal do laissez faire laissez passer – modelo político e econômico de não-intervenção estatal cujos defensores apregoavam ser o mercado capaz de se autorregular, sem a necessidade de subsídios ou regulamentações criadas pelo Estado – dar-se-á tomando como inspiração a valorização da vontade individual como fator a garantir o equilíbrio econômico.

A ideia de justiça, neste período histórico, estava umbilicalmente ligada ao exercício da autonomia da vontade, pois cria-se ser impossível advir injustiça de leis criadas pelo próprio homem cuja aplicação destinava-se para si mesmo. Essa convicção encontrava paridade com a premissa fundamental de liberdade da filosofia de Kant, que inferia ser apenas por meio da própria vontade que a pessoa poderia assumir obrigações. 

Na verdade Natalia Berti afirma que: 

 A soberania da vontade serviu, com eficiência, ao desenvolvimento do liberalismo econômico e político, bem como propiciou a livre concorrência no mercado, consagrando-se a liberdade contratual e a força obrigatória dos contratos. 

Entretanto, a adoção inadvertida pela liberdade e autonomia ilimitadas resultaram no recrudescimento de desigualdades entre agentes de condições economicamente distintas, gerando a percepção que, entre fortes e fracos, a liberdade oprime e a lei liberta .

 

2.2 A AUTONOMIA PRIVADA

 

Após a consolidação do Estado intervencionista, tem início uma nova concepção de autonomia, caracterizada por ser apartada da “vontade” como condição essencial, adotando assim o termo “privada”. Observa-se neste período que o interesse público passa a preponderar frente aos interesses privados e, como consequência, o negócio jurídico assume o status de espécie subalterna à lei, a despeito de permanecer caracterizado por seu caráter normativo. 

Isto posto, ainda que a autonomia privada revele um poder normativo, tal poder é outorgado pela lei aos indivíduos, demandando que esta autonomia privada venha ser exercitada em congruência com os ditames pela mesma lei exigidos. 

É possível inferir de forma simplória que a diferença entre os institutos aduz que a autonomia da vontade relaciona-se com a liberdade de auto-determinação (manifestação da vontade livre) enquanto a autonomia privada ao poder de auto-regulamentação (normas estabelecidas no interesse próprio)”. 

A partir desse contexto o dirigismo contratual entra em cena, por meio do qual o Estado intervém na relação contratual, reconhecendo a desigualdade econômica, política e jurídica entre as partes e garantido que os resultados do pacto estejam de acordo com a concepção social de bem comum .

Logo, esvazia-se a premissa de igualdade formal que antes predominava, atingindo diretamente a concepção clássica e liberal de autonomia da vontade. Em consectário, a essência do negócio jurídico, da mesma forma, passa a não residir mais na vontade, mas na autonomia privada, abandonando-se a árdua tarefa de tentar desmitificar a vontade interna e psicológica do indivíduo, ao passo que adota-se primordialmente a teoria da declaração com enfoque nos interesses socialmente relevantes. 

 

2.3 O AUTORREGRAMENTO DA VONTADE 

 

Modernamente, o instituto do autorregramento da vontade compõe o conceito de negócio jurídico – correspondendo elemento nuclear em sua definição – ratificado com o advento do Código de Processo Civil de 2015, no qual o ordenamento jurídico passou a expressamente reconhecer o autorregramento da vontade das partes na seara processual. 

Para efeito de comparação o autorregramento da vontade vem a superar a autonomia privada, a qual é definida corriqueiramente “em uma esfera de atuação do sujeito no âmbito do direito privado, mais propriamente um espaço que lhe é concedido para exercer atividade jurídica”. 

Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda  faz oposição à doutrina majoritária no que diz respeito a configuração da autonomia sob a denominação “privada”, como se alcançasse apenas à essa esfera:

Mais ilegítimo ainda é alargar-se o conceito de autorregramento da vontade, que é conceito de quem vê, de cima, as regras jurídicas cogentes e o que elas deixam sem o repelirem do mundo jurídico, para se adaptar tal conceito a algum sistema político que tenha deslocado para entidades outras que o Estado a edição de normas jurídicas, ou que interprete tê-lo feito. Evite-se, outrossim, chama-la autonomia privada, no sentido de autorregramento de direito privado, porque, com isso, se elidiria, desde a base, qualquer autorregramento da vontade, em direito público, o que seria falsíssimo. O que caracteriza o autorregramento da vontade é poder-se, com ele, compor o suporte fático dos atos jurídicos com o elemento nuclear da vontade. Não importa em que ramo do direito.

Em outras palavras, entende-se que o autorregramento da vontade precede o ambiente jurídico, deixando aberta a escolha de acioná-lo de acordo com a relevância que determinada atividade humana represente para o mundo jurídico.  

Orlando Gomes  aborda o instituto negocial definindo-o como práticas exercidas por particulares, mas que em sua essência são públicas, notadamente pelo interesse social atribuído pelo Estado ao impor linhas limítrofes para a negociação, especificamente por reconhecer esse caráter público. Afirma o doutrinador: “O poder que têm esses particulares só é privado do ponto de vista dos sujeitos que o exercem. No fundo, são poderes de direito público”.

Fica evidente o interesse do Estado quanto a sua intervenção nas relações contratuais entre particulares, não obstante tal interesse seja de natureza eminentemente de um caráter social. A vista disto, Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda vai substituir o termo “autonomia privada” cunhando a expressão mais apropriada de “autorregramento da vontade”, como substituto mais apropriado a “autonomia privada”, cujo conteúdo consiste no espaço deixado pelo ordenamento jurídico para que os sujeitos possam regular seus próprios interesses, dentro dos limites previstos pelo ordenamento. Nesse contexto, o autor assevera que:

O direito cogente, que é o que limita o autorregramento da vontade, opera impositiva e proibitivamente; de maneira que as pessoas têm de fazer ou de não fazer (no sentido mais largo); o que ilide qualquer escolha.  

 

2.4 O NEGÓCIO JURÍDICO

 

O princípio do autorregramento da vontade apresenta como principal desdobramento o negócio jurídico. Este, classicamente, é compreendido como uma declaração privada de vontade que visa atingir determinada finalidade concebida pelo ordenamento jurídico, produzindo, por consectário, um efeito jurídico tal como criar, modificar ou extinguir relações jurídicas . 

Logo, o conceito de negócio jurídico rapidamente ganhou força, atribuindo um enfoque progressivamente mais autônomo ao autorregramento da vontade, e foi assim construído sob a égide ideológica do Estado liberal, o qual primava pela preservação da liberdade individual, o mais ampla possível, frente o próprio Estado. Assim, o negócio jurídico tem sua gênese como instrumento de realização da vontade individual capaz de conferir uma liberdade contratual que se propunha praticamente ilimitada. Por conseguinte, “esse voluntarismo (que revela intenso individualismo) – tão exagerado se tornou o dogma –, a doutrina passou a ver no negócio jurídico um ato de autonomia da vontade – também dita autonomia privada”. 

Ademais, para além do exercício de sua função típica por excelência de criar, modificar ou extinguir relações jurídicas, a vontade vai atuar “como força criativa e legitimadora de direitos subjetivos”, agindo ainda como critério a distinguir entre fatos e atos jurídicos .

Isto posto, para uma concepção mais clara do instituto do negócio jurídico em questão, demandar-se-á uma prévia e breve abordagem sobre alguns conceitos jurídicos correlatos e basilares, que envolvem o fato jurídico e o ato jurídico.

 

2.5 A TEORIA DO FATO JURÍDICO

 

Como dito, a análise dos negócios jurídicos processuais deve ser precedida de alguns conceitos fundamentais. Como partida, a ideia de que os negócios jurídicos correspondem a espécies de fatos jurídicos remete a necessidade, antes de tudo, de definir o que deva ser “fato jurídico”, dada as diferentes concepções construídas sobre o tema.

A linguagem jurídica não trata o termo “fato jurídico” de forma unívoca, de modo que na construção de sua definição, muitas discussões foram travadas resultando em vários posicionamentos de doutrinadores no decorrer da história.

Contemporaneamente, Pontes de Miranda concebeu uma teoria própria a respeito do fato jurídico, a qual foi propagada por Marcos Bernardes de Mello, amealhando diversos autores como seguidores, nos mais diversos ramos do direito, até os dias atuais .

Pontes de Miranda  descreve que a regra jurídica, na qualidade de proposição, prevê abstratamente fatos de possível ocorrência no mundo aos quais vai denominar de “suporte fático”. Eventualmente, quando ocorre no plano da experiência o que se está previsto na norma, cristaliza-se a “incidência”, passando o fato a ser considerado “jurídico”. E, uma vez estabelecido, o fato jurídico implicará, no mundo jurídico, os efeitos previstos em abstrato na norma. O autor sintetiza seu pensamento da seguinte forma: 

Os elementos do suporte fáctico são pressupostos do fato jurídico; o fato jurídico é o que entra, do suporte fáctico, no mundo jurídico, mediante a incidência da regra jurídica sobre o suporte. Só de fatos jurídicos proveem eficácia jurídica.

 

O fato jurídico pode ser conceituado como o conjunto definido pelos fatos que adquiriram relevância para o direito, através de sua incidência. A partir da formação do fato jurídico, passam a se materializar no mundo jurídico, os efeitos previstos em abstrato na norma, como bem define Cabral : 

Os fatos jurídicos, assumem esta condição através da incidência normativa que assim o distingue. É o acontecimento ao qual gera uma consequência jurídica. Ocorrendo o fato concreto, ou seja, o “suporte fático” que se inclui a incidência da norma, forma-se, assim, o fato jurídico. Os fatos naturais são aqueles que não sucedem de normas jurídicas, sendo assim, irrelevante juridicamente.

 

Os atos jurídicos, por sua vez, são compreendidos como atos de manifestações de vontade humana os quais são suscetíveis a incidência de uma norma prevista. Já os negócios jurídicos, serão reconhecidos ou identificados quando atos de autonomia privada estiverem diretamente vinculados por meio de autodeterminação ou autorregulação .

De antemão, Marcos Bernardes de Mello  faz significante ponderação aos termos aludidos ao considerar que, 

[...] em ambos os casos, a eficácia jurídica não deriva nem da lei e nem da vontade, mas, sim, do fenômeno de imputação da lei aos fatos, ou seja, da incidência da norma sobre o fato que se enquadre em seu suporte fático. Em outras palavras: do fato jurídico.

 

Dito isto, importante saber que a distinção ocorre em virtude de, nos atos jurídicos stricto sensu, os efeitos decorrentes serem os necessários – especificamente previstos na legislação, enquanto nos negócios jurídicos a legislação limita-se a permiti-los, uma vez que às partes dispõem de certa autonomia para estipular os efeitos que pretendem, dentro de determinada margem consentida pelo ordenamento jurídico. Nas lições de Julio Guilherme Müller , no que concerne aos negócios jurídicos: há liberdade, ainda que dentro de uma moldura jurídica definida pelo ordenamento jurídico, para que a vontade dos sujeitos possa construir e definir relações, produzindo os efeitos jurídicos voluntariamente perseguidos por eles”.

Vale frisar que uma parcela doutrinária apregoa que os negócios processuais, em verdade, não existem, em virtude dos seus efeitos serem previstos em lei. Rebatendo essa alegativa, vários autores sustentam que o mesmo fenômeno se observa no plano privado, pois: “todo efeito é, obviamente, consequência da incidência normativa de um enunciado normativo sobre um fato jurídico”. Logo, a distinção dá-se pelo fato do ordenamento legislado, ao permitir o autorregramento das partes, lhes atribui poder para que possam administrar, dentro do espectro da norma, quais os efeitos pretendidos além dos necessários .

Premissa estabelecida, decorre a divisão destes fenômenos jurídicos em três planos distintos que podem ocorrer de forma concomitante ou não, quais sejam: existência, validade e eficácia. Dessa perspectiva, Pedro Henrique Nogueira  explana:

No plano da existência, entram todos os fatos jurídicos, sem exceção; composto o suporte fático, com a incidência da norma, o fato jurídico já existe. No plano da validade (restrito aos fatos jurídicos caracterizados pela relevância da vontade no suporte fático, isto é, atos jurídicos lato sensu), entram somente os fatos jurídicos com ausência de vícios invalidantes. Já no plano da eficácia, entram os fatos jurídicos aptos a produzirem os seus efeitos típicos. Todos, reafirme-se, precisam, antes de tudo, existir no mundo jurídico. 

 

Com efeito, o plano da existência é o único em que todas as figuras elencadas dentro da Teoria do Fato Jurídico se encontram, como resultado imediato da incidência da norma sobre o fato. Conforme leciona Marcos Bernardes de Mello: “o elemento da existência é a base de que dependem os outros elementos” , deixando claro que sua análise antecede até mesmo ao exame das nulidades.

O autor descreve ainda que, superado o plano da existência, proceder-se-á a investigação quanto a validade do fato jurídico, sendo imprescindível destacar que apenas os fatos jurídicos lícitos, isto é, dotados da vontade como elemento nuclear do suporte fático, atingem o plano da validade. 

Diz-se válido o ato jurídico cujo suporte fático é perfeito, isto é, os seus elementos nucleares não têm qualquer deficiência invalidante, não há falta de qualquer elemento complementar. Validade, no que concerne a ato jurídico, é sinônimo de perfeição, pois significa a sua plena consonância com o ordenamento jurídico.

 

Fica evidente, portanto, ser especificamente o fator volitivo a condição para que os atos jurídicos lato sensu alcancem o plano de validade, ao passo que exclui, por consectário, os fatos jurídicos stricto sensu e os atos-fatos de tal plano. “O sistema de invalidades assim se processa porque as nulidades e anulabilidades são verificadas justamente a partir da detecção de vícios de vontade”. 

Finalmente, o fato poderá alçar ao plano da eficácia onde desencadeará situações jurídicas, destacando, entre outras, as relações jurídicas que promoverão direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações e situações.

Consoante o delineado, nasce a clássica definição proferida pelo célebre doutrinador Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda :

[...] o negócio jurídico consiste em ato jurídico cujo suporte fático possui, enquanto elemento essencial, a manifestação de vontade, tendo por pressuposto o autorregramento da vontade e titularizando o poder de criar, modificar ou extinguir direitos, pretensões, ações ou exceções.

 

Logo, é possível extrair porque parte majoritária da doutrina considera que a principal característica dos negócios é a vontade declarada, conferindo a ela um poder inovador de efeitos jurídicos, formando-se o dogma da vontade. A distinção entre ato jurídico e negócios jurídicos evidencia-se em seus efeitos jurídicos, pois nos negócios jurídicos, ocasionariam da vontade, enquanto que, no ato jurídico os efeitos já se encontrariam definidos em lei. Corrobora este entendimento Bernardes de Mello ao discorrer que:

[...] negócio jurídico é o fato jurídico cujo elemento nuclear do suporte fático consiste em manifestação ou declaração consciente de vontade, em relação à qual o sistema jurídico faculta às pessoas, dentro de limites predeterminados e de amplitude variada, o poder de escolha de categoria jurídica e de estruturação do conteúdo eficacial das relações jurídicas respectivas, quanto ao seu surgimento, permanência e intensidade no mundo jurídico.  

 

Chama atenção a tese de Emilio Betti  ao caracterizar o negócio jurídico essencialmente como um fato social, salientando que sua eficácia “primeiro, se manifesta, logicamente, no plano social, e depois, graças à sanção do direito, se destina a produzir-se também no plano jurídico”. Entretanto, o autor ressalva que o Direito chancelará apenas as “funções que considera socialmente relevantes e úteis para a sociedade que disciplina e em que se desenvolve”. Ocorre, pois, que o direito mostra-se indiferente a certas condutas, não sendo seu objeto, regulá-las, vedá-las ou estimulá-las. Dessa forma, o ato de autorregramento da vontade necessita que o ordenamento o entenda como socialmente relevante e digno de tutela para que possa ser alçado à condição de negócio jurídico. Além disso, precisa favorecer à sociedade como um todo, dado o patamar exigido de relevância social, sendo não configurado quando alcança ao homem individualmente.

Nesta linha, o autor Antônio Junqueira de Azevedo sustenta que o negócio jurídico é indispensável à existência da própria sociedade, tecendo como afirmação que “a função do negócio jurídico é a de ser o instrumento jurídico, por excelência, de colaboração entre os homens. Não há sociedade sem negócio jurídico”. 

Como meio de garantir o benefício à sociedade através do equilíbrio de forças e da relação entre as partes, o ordenamento jurídico impõe determinadas normas que, caso não cumpridas, retiram do negócio sua validade e sua eficácia, do contrário, acarretaria no favorecimento de algum dos contratantes resultando no privilegio do sujeito em detrimento da coletividade. Fica evidente que a via legislativa desempenha papel essencial na contenção do poder do negócio jurídico. Nada obstante a utilização da ferramenta legislativa enquanto instrumento limitador, necessário atentar que a própria criação legislativa pode ser concebida como uma convenção, ficando exposto que o poder emanado do autorregramento da vontade pode gerar extremos alarmantes, conjecturando neste caso, situações com viés de fins degenerados. O autor segue justificando que: “Na criação legislativa não há um ato de soberania estatal mas o acordo prévio dos grandes grupos organizados; se trata de uma espécie de contrato, de acordo, quem impõe a lei que convém a seus interesses”. 

A Teoria do Fato Jurídico comporta ainda o ato ilícito, cujo conceito guarda um caráter axiológico, ou seja, tem em sua definição o valor predominante em uma determinada sociedade, “tanto que fato hoje tido por lícito amanhã pode não ser mais”.  Entretanto, não se questiona a juridicidade dos fatos ilícitos, uma vez que os mesmos são capazes de originar efeitos consequentemente derivados de sua prática.

Compreendido o fenômeno do negócio jurídico dentro da teoria do fato jurídico, é mister a análise das nuances do instrumento contratual que proporcionará melhor entendimento da liberdade contratual.

 

2.6 CONTRATOS

 

A teoria dos negócios jurídicos apresenta em seu teor uma distinção entre os atos unilaterais e os bilaterais, onde aqueles se aperfeiçoam pela manifestação da vontade de uma das partes, enquanto estes dependem da coincidência de dois ou mais consentimentos. Aos negócios bilaterais, ou seja, os que provém de acordo de mais de uma vontade, são conhecidos como contratos. Portanto, o contrato representa uma espécie do gênero negócio jurídico, sendo sua principal manifestação. 

A atual concepção deste instituto é fruto de uma constante evolução que provém desde a época romana, sempre pautada na realidade social. Devido as recentes inovações legislativas e com e a sensível evolução da sociedade brasileira, a figura do contrato é indissociável da atual realidade nacional, daí a necessidade de dirigir os pactos para a consecução de finalidades que atendam aos interesses da coletividade. Essa a primeira face da real função dos contratos. 

Irineu Strenger, fundamentado nas ideias de Hegel, elaborou que o conceito de pessoa alicerça o contrato, consubstanciado esse como a forma típica das relações de direito individual, não obstante ainda que inserido em uma vasta sociedade, cada ser se projeta de forma autônoma no momento da pactuação, razão pelo qual se considera que o arbítrio das partes dará ensejo ao contrato. 

Somente através das contribuições de Puffendorf e Pothier que é possível traçar um esboço do real significado de acordo de vontades, estabelecendo-se o princípio de que o contrato faz lei entre as partes e atribuindo-lhe o poder de criar vínculo jurídico .

Observa-se que na teoria contratual clássica predominava o princípio da intangibilidade do contrato, cujo o qual estatuia que o Estado não possuía a prerrogativa de intervir para modificar ou orientar o conteúdo do contrato, sendo-lhe resguardada apenas o condão de garantidor do resultado contratual almejado pelas partes . 

De maneira especial no período histórico relacionado ao liberalismo considerava-se que “a vontade era a fonte dos direitos e o contrato, sua forma excelsa de exteriorização”, atingindo o patamar de intocabilidade. Posteriormente, sucessivas transformações vieram a modificar essa concepção.   

Juridicamente, o contrato pode ser conceituado, em uma visão clássica ou moderna, como um negócio jurídico dependente de pelo menos duas declarações de vontade, ou seja, bilateral ou plurilateral, que visa à criação, modificação ou extinção de direitos e deveres com conteúdo patrimonial, abrangendo todos os tipos de convenções ou estipulações que possam ser criadas pelo acordo de vontades e por outros fatores acessórios. Em sentido amplo, o contrato é um ato jurídico em que há o elemento norteador da vontade humana que pretende um objetivo de cunho patrimonial (ato jurígeno), o qual exige que seu objeto ou conteúdo deva ser lícito e em consonância com o ordenamento jurídico, a boa-fé, a função social e econômica e os bons costumes. 

Causa estranheza conferir que o Código Civil de 2002 conceitua as figuras contratuais em espécie, mas não diz o que é contrato, o que demonstra ser um contrassenso.

Superada essa constatação, é imperioso concluir ser o contrato a fonte principal do direito das obrigações, revestindo-se como instituto primordial ao Direito Privado. Para preencher essa lacuna deixada pela lei, a doutrina pátria procura trazer à tona o conceito de contrato, fazendo-o com grande precisão. Vejamos, então, a excelência dos conceitos apresentados pelos nossos maiores civilistas de ontem, hoje e sempre:

Entre os clássicos, Clóvis Beviláqua afirma ser o contrato “o acordo de vontades para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos”. Para Orlando Gomes, o contrato é “o negócio jurídico bilateral, ou plurilateral, que sujeita as partes à observância de conduta idônea à satisfação dos interesses que a regularam”. Já entre os contemporâneos, Álvaro Villaça Azevedo, seguindo o conceito italiano, conceitua o contrato como “manifestação de duas ou mais vontades, objetivando criar, regulamentar, alterar e extinguir uma relação jurídica de caráter patrimonial. Na mesma linha, de acordo com os ensinamentos de Maria Helena Diniz “o contrato é o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial”. 

 

Destarte, enquanto na acepção clássica da autonomia da vontade a igualdade formal entre as partes legitimava o exercício da liberdade contratual de forma presumida pela lei, a concepção contemporânea baseia-se no pressuposto que pode haver desigualdade entre os pactuantes, permitindo a intervenção do Estado nos contratos avençados e impondo a observância de condutas ético-jurídicas nas relações contratuais com o intuito de equilibrar as forças .

Entretanto, esse instituto tem sido objeto de profundas modificações, as quais inspiraram alguns autores, como Paulo Nalin , a propor um conceito pós-moderno ou contemporâneo de contrato. Para o doutrinador, o contrato constitui:

A relação jurídica subjetiva, nucleada na solidariedade constitucional, destinada à produção de efeitos jurídicos existenciais e patrimoniais, não só entre os titulares subjetivos da relação, como também perante terceiros.

 

A doutrina atual endossa majoritariamente este conceito, visto que, além do contrato está amparado em valores constitucionais, também envolve situações existenciais das partes contratantes que exorbitam o conteúdo patrimonial. Enseja ainda que o contrato pode gerar efeitos perante terceiros, sendo essa, justamente, a feição da eficácia externa da função social dos contratos .

Aqui importa como ressalva que, todas essas transmutações pelas quais o instituto contratual foi subjugado no decorrer do tempo não o contrariam em nenhuma medida, “mas antes confirmam o princípio da autonomia da vontade, não mais em termos absolutos e ilimitados, mas sujeitas a limites impostos pela lei (...) que procurem assegurar o interesse preferencial da sociedade”. 

Acrescente-se ainda que tais evoluções conceituais não culminam no declínio do princípio do autorregramento da vontade, mas apenas na sua interpretação simultânea e aliada com os princípios da boa-fé objetiva, da igualdade substancial entre as partes, da função social do contrato e do equilíbrio material . 

Conclui-se que o contrato, como expressão de negócio jurídico, é fonte de um regramento alicerçado nos princípios da igualdade e da liberdade, “ao passo que o direito que se apoia nas instituições tem apenas como suporte a autoridade”. 

Da referida liberdade derivará importante modalidade como um dos pilares de destaque da figura negocial, a liberdade contratual, a qual passa-se a escrutinar em seguida, sendo imprescindível para este estudo.

 

2.7 A LIBERDADE CONTRATUAL

 

Em sentido amplo, a liberdade contratual é concebida como a liberdade de contratar, ou de não contratar. Para além disso, a liberdade de fixar o conteúdo do contrato, determinar suas cláusulas, escolher com quem contratar e sob que forma contratar. 

O célebre doutrinador Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda  vai definir a liberdade contratual como o poder de assumir livremente deveres e obrigações. Chama atenção ainda a vinculação por ele estabelecida entre esse princípio e o do autorregramento da vontade: “No fundo, os dois princípios prendem-se à liberdade de declarar ou manifestar a vontade com eficácia vinculante e de se tirar proveito das declarações ou manifestações de vontade alheias, receptícias ou não”.

O direito à liberdade contratual pode ser delineado, portanto, como uma reunião de faculdades das quais o homem dispõe em virtude da sua razão, do seu intelecto e da sua individualidade, os quais devem estar operantes no momento da tomada de decisão. Ou seja, o indivíduo contratante necessita possuir plena ciência do objeto contratado para que se consubstancie o exercício da liberdade contratual .

Insta pontuar que os negócios jurídicos são notoriamente discorridos no âmbito do plano da existência como resultado da manifestação volitiva e, para tanto, essa declaração de vontade exige atuar sobre a informação transparente como elemento primordial .

 

 

 

Cláudia Lima Marques assevera que:

E se, na sociedade atual, é na informação que está o poder, a falta desta representa intrinsecamente (...) uma vulnerabilidade tanto maior quanto mais importante for esta informação detida pelo outro.   

 

Por sua vez, a transparência como condição sine qua non à manifestação da vontade balizará a informação dentro de um rigoroso viés de clareza e precisão, além de torna-la imune a distorções ou estratagemas de ocultação.  

Portanto, é possível asseverar o entendimento que somente através dos deveres de informação e transparência que se garante a real e efetiva liberdade de contratar. Logo, o direito à informação é um pressuposto da liberdade contratual  .

Por conseguinte, a liberdade contratual encontra limites dentro do ordenamento jurídico, não apenas do plano da existência, mas que também se impõem no plano da validade, consistindo, dentre outros, na função social do contrato. Em sua fase atual, o direito contratual, como um todo, assume sua função social ao primar pela proteção do indivíduo visando inibir abusos através da imposição de limites ao autorregramento da vontade “em detrimento da supremacia do voluntarismo” que imperou em outro período histórico anterior.  Assim, através desta função social que se reclamará que os atos e atividades envolvidos na contratação não se contraponham com a segurança, liberdade ou dignidade humanas.

Neste ponto, deveras importante ressalvar que muito embora a liberdade contratual esteja limitada pela função social do contrato, este último não pode ser entendido como a sua razão de ser.  Seu cerne continua a residir na vontade enquanto elemento formador de seu exercício, mesmo que essa vontade, em alguns casos, esteja condicionada à imposições do Estado estatais visando garantir determinados valores, tais como: a igualdade substancial entre as partes, a boa-fé objetiva e, também, a função social do contrato.

Nas lições de Érico de Pina Cabral, se extrai o entendimento que:

... o autorregramento permanece a exercer um papel essencial, necessitando, contudo, se atentar ao cumprimento de finalidades coletivas elegidas pelo ordenamento, às quais deve servir e, em hipótese alguma, prejudicar. 

Ademais, em decorrência do dirigismo contratual que passa a ganhar força com o qual o Estado deixa de apenas se limitar a normatizar de maneira supletiva os preceitos contratuais, passando a estabelecer normas imperativas cuja a não observância pelas partes contratantes lhes submeterá a sanções. Destarte, “conforme aumenta o conjunto normativo de um ordenamento jurídico estatal, diminui a autonomia da vontade” , chegando-se à máxima constitucionalmente consagrada segundo a qual “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” , refletindo, verdadeiramente, a liberdade em sua acepção negativa.

Entretanto, as limitações à liberdade de contratar correspondem a um campo que Orlando Gomes aduz que jamais foi delimitado com rigorosa precisão. Em suas palavras: 

Mas essas limitações gerais à liberdade de contratar, insertas nos códigos como exceções ao princípio da autonomia da vontade, jamais puderam ser definidas com rigorosa precisão. A dificuldade, senão a impossibilidade, de conceitua-las permite sua ampliação ou restrição conforme o pensamento dominante em cada época e em cada país, formado por ideias morais, políticas, filosóficas e religiosas. Condicionam-se, em síntese, à organização política e à infra-estrutura ideológica. 

 

Em outras palavras, fica claro que serão os valores preponderantes em cada época que irão designar essa linha limítrofe que aparta o conteúdo possível de normatização por meio da manifestação da liberdade contratual, daquele prontamente protegido pelo ordenamento jurídico na condição de indisponível.  Esses valores são considerados fundamentais e costumeiramente são inscritos na constituição de cada nação, a exemplo do nosso ordenamento pátrio. 

O esquadrinhamento do importante papel da vontade na seara jurídica consubstanciou base para análise de sua incidência sobre os negócios jurídicos processuais, os quais serão objeto de estudo no capítulo a seguir.

 

 

3 NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL

 

O direito processual assimilou a concepção dos atos jurídicos provinda do âmbito da teoria do direito privado, na medida em que os atos do processo são, de forma irrefutável, uma espécie de ato jurídico. Nesta senda, Chiovenda  dispõe que:

Atos jurídicos processuais são os que têm importância jurídica em respeito à relação processual, isto é, os atos que tem por consequência imediata a constituição, a conservação, o desenvolvimento, a modificação ou a definição de uma relação processual.

 

Ademais, Pedro Henrique Pedrosa Nogueira  conceituará o negócio jurídico processual como:

O fato jurídico voluntário em cujo suporte fático, descrito em norma processual, esteja conferido ao respectivo sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou estabelecer, dentre dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais.

 

Ainda nessa esteira de raciocínio, negócio jurídico processual é o ato que produz ou pode produzir efeitos no processo escolhidos em função da vontade do sujeito que o pratica. São, em geral, declarações de vontades unilaterais ou plurilaterais admitidas pelo ordenamento jurídico como capazes de construir; modificar e extinguir situações processuais, ou alterar o procedimento. 

Importante destacar que apesar da matéria não ser uma completa novidade, a abordagem e a ampliação da aplicabilidade são inéditas. Os negócios processuais eram admitidos em nosso ordenamento desde o antigo CPC de 1973 pois já contemplavam de forma expressa, a possibilidade de serem realizados negócios jurídicos processuais, ao admitir, por exemplo, a suspensão do processo por convenção entre as partes – nos termos do artigo 265, inciso II   – porém, sempre na condição de negócios jurídicos típicos, ou seja, constituíam-se em hipóteses taxativas, sempre a depender de uma específica previsão legal. Esta forma típica encontrou guarida no CPC de 2015 sendo ratificada em seu art. 63:

Art. 63. As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações.§ 1º A eleição de foro só produz efeito quando constar de instrumento escrito e aludir expressamente a determinado negócio jurídico.§ 2º O foro contratual obriga os herdeiros e sucessores das partes.§ 3º Antes da citação, a cláusula de eleição de foro, se abusiva, pode ser reputada ineficaz de ofício pelo juiz, que determinará a remessa dos autos ao juízo do foro de domicílio do réu.§ 4º Citado, incumbe ao réu alegar a abusividade da cláusula de eleição de foro na contestação, sob pena de preclusão. 

 

Um outro aspecto no campo do processo jurídico, é a existência de dois tipos de negócios jurídicos, que são os unilaterais, que por meio dos quais, o tipo processual, por autonomia da vontade, oportuniza implicações no processo. Sendo assim, relevante nessa espécie de negócio jurídico, é apenas a vontade de uma das partes; como na renúncia do direito recursal (art. 999, Código de Processo Civil de 2015). Já o outro tipo de negócio jurídico processual é o bilateral, que nesse caso depende da convenção da vontade de ambas as partes, como expressa o art. 190, CPC/2015. Uma vez que a eficácia do negócio jurídico processual depende de um acordo de vontade do órgão jurisdicional, que no caso é o juiz, e de ambas as partes, temos o negócio jurídico plurilateral. A calendarização do procedimento, previsto no art. 191 do CPC, e o saneamento compartilhado, consagrado no art. 357, § 3º, CPC/2015  são excelentes exemplos de negócio jurídico processual plurilateral.  

Dessa forma, antecipando o objeto do próximo tópico, chama atenção as possibilidades das partes aperfeiçoarem, consoante as necessidades de caso concreto, as diversas e amplas possibilidades típicas de negócios processuais, reconhecidas pelo próprio CPC de 2015.  Para além da clássica eleição de foro (art. 63), menciona as seguintes hipóteses a ser exploradas: escolha do conciliador, do mediador ou da câmara privada de conciliação ou de meditação (art. 168); suspensão do processo (art.313, II); escolha do perito (art. 471); ou escolha do administrador-depositário no caso de penhora de frutos e rendimentos de coisa móvel ou imóvel (art. 869).  

Assim, o Código de Processo Civil de 2015 trouxe, como um de seus destaques, uma regulamentação ainda mais detalhada quanto as convenções processuais. Não obstante a legalidade das convenções na vigência do antigo CPC, a ausência de normatização mais específica, desestimulava a adoção de espécies não previstas expressamente em lei, dessa forma, faltava aos contratantes a convicção de que a cláusula seria respeitada se o litígio chegasse ao judiciário. No novo código, que melhor delimita este campo de atuação dos negócios processuais, prevê-se expressamente uma cláusula geral de negociação, conferindo a possibilidade de se pactuar negócios jurídicos atípicos – aqueles que não se encaixam em tipos legais pré-existentes – para que o procedimento possa se adequar às particularidades do direito material e ao caso concreto , sendo esta modalidade negocial a temática a ser explorada a seguir.

 

3.1 O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 E A CLÁUSULA GERAL DE NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL

 

As alterações observadas no novo código refletem a intenção de atender às necessidades sociais atuais e, consequentemente, modernizar o procedimento. Para tanto, o Código de Processo Civil sancionado pela Lei n. 13.105/2015, trouxe uma ferramenta inovadora de modalidade processual, que são os negócios jurídicos processuais e, especificamente, a Cláusula Geral de negociação processual prevista no art. 190, do CPC/15, cujo teor delineia que:

Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade. (BRASIL. CPC, art. 190). 

Como consequência imediata o referido dispositivo vai promover uma exposição ao sistema jurídico de situações até então não normatizadas. Diante disto, Fredie Didier Jr.  aduz que:

 

[...] a cláusula geral é uma técnica legislativa que vem sendo cada vez mais utilizada, exatamente porque permite uma abertura do sistema jurídico a valores ainda não expressamente protegidos legislativamente, a standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares de comportamento, de deveres de conduta não previstos legislativamente (e, por vezes, nos casos concretos, também não advindos da autonomia privada), de direitos e deveres configurados segundo os usos do tráfego jurídico, de diretivas econômicas, sociais e políticas, de normas, enfim, constantes de universos metajurídicos, viabilizando a sua sistematização e permanente ressistematização no ordenamento positivo.

 

Nessa esteira de raciocínio, Fredie Didier Jr.   evoca do art. 190 o subprincípio da atipicidade da negociação processual como condição sine qua non para a efetivação do princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo, o qual corresponde a um “complexo de poderes que podem ser exercidos pelos sujeitos de direito, em níveis de amplitude variada, de acordo com o ordenamento jurídico”.

Discorre ainda sobre o princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo visando a obtenção de um ambiente processual em que o direito fundamental de autorregular-se possa ser exercido pelas partes sem restrições irrazoáveis ou injustificadas, tal como segue:

De modo mais simples, esse princípio visa tornar o processo jurisdicional um espaço propicio para o exercício da liberdade. O direito de a parte, ora sozinha, ora com a outra, ora com a outra e com o órgão jurisdicional, disciplinar juridicamente as suas condutas processuais e garantido por um conjunto de normas, subprincípios ou regras, espalhadas ao longo de todo o Código de Processo Civil. A vontade das partes e relevante e merece respeito. Ha um verdadeiro microssistema de proteção do exercício livre da vontade no processo. [...] O novo CPC consagra, no particular, um sistema coerente e que reforça a existência de um princípio comum a diversas outras normas: o princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo civil. 

 

Portanto, o objeto dos negócios processuais atípicos são situações jurídicas processuais, e isto posto, cita:

São exemplos de negócios processuais atípicos permitidos pelo art. 190: acordo de impenhorabilidade, acordo de instância única, acordo de ampliação ou redução de prazos, acordo para superação de preclusão, acordo de substituição de bem penhorado, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo da apelação, acordo para não promover execução provisória, acordo para dispensa de caução em execução provisória, acordo para limitar o número de testemunhas, acordo para autorizar intervenção de terceiros fora das hipóteses legais, etc. [...]  

Como já descrito, o caput do artigo 190 admite que os acordos sejam feitos antes do processo (em cláusula de contrato, por exemplo, como sempre ocorreu com o chamado foro de eleição) ou durante sua tramitação (razão pela qual é importante entender que o incentivo à autocomposição feito desde os parágrafos 2º e 3º do art. 3º   deve se voltar também ao próprio processo, e não só ao direito material controvertido).   

A possibilidade da negociação a respeito do procedimento encontra amparo nos princípios da cooperação processual e da boa-fé, que impõem a colaboração dos sujeitos processuais entre si, visando a harmonização de seus interesses com o fim de solucionar a controvérsia. O art. 6, CPC, afirma que todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva, tendo esse princípio um tratamento pacificado na doutrina. Ademais, os sujeitos processuais devem comportar-se de acordo com a boa-fé, que deve ser compreendida como uma norma de conduta. As possibilidades de convenções processuais vão desde a fixação de obrigações e sansões até a ampliação de prazos de qualquer natureza, assim como a dispensa de efeito suspensivo da apelação, de assistentes técnicos e de execução provisória, como outras possibilidades. É possível ainda que os procuradores acordem sobre a não realização de sustentação oral no âmbito dos recursos (art. 937). Tal medida não almeja violar qualquer prerrogativa profissional, mas sim, valorizar a disponibilidade consciente e, necessariamente casuística, de um direito para o atingimento de uma maior eficiência processual.   

Marinoni  corrobora com este entendimento de que o poder das partes não se trata de uma predisposição a privatização processual, mas que como destinatárias da prestação jurisdicional, detêm o interesse em deliberar a respeito da atividade meio e, e em determinadas situações, possuem uma maior habilidade para escolher os rumos do procedimento e estipular providencias em concórdia com os propósitos públicos do processo civil, imanente à tutela da paz social e à preservação da ordem pública.

Não obstante ao exposto, Theodoro Junior  faz a seguinte ressalva:

Importante inovação do Código de 2015 consistiu na permissão a que as partes, em negócio jurídico processual, delimitem, consensualmente, as questões de fato e de direito relativas à lide, e as submetam ao juiz para homologação. Naturalmente, esse ajuste só será lícito se a causa referir-se a direitos disponíveis e travar-se entre pessoas capazes. Verificada a regularidade e a não ofensa à ordem pública, o juiz o homologará, e após isso a delimitação vinculará as partes e o juiz (art. 357, § 2º). 

 

Trata-se da própria delimitação legal do alcance da autocomposição como uma forma de proteção aos princípios basilares que visam o melhor direito, sendo este enfoque, assunto a ser tratado em tópico adiante.

Logo, é possível conjecturar com margem de segurança que a partir da cláusula geral, podem surgir ainda outras espécies de negócios processuais atípicos, vez que, embora o legislador tenha utilizado o verbo “convencionar” no caput e no parágrafo único, a cláusula geral permite negócios processuais, dos quais as convenções são consideradas espécies, conforme a norma em voga.

 

3.2 VALIDADE DOS NEGÓCIOS PROCESSUAIS NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS

 

Conforme já descrito, a existência de negócios jurídicos processuais, prevista no art. 190, caput, do CPC, prevê a possibilidade às partes, desde plenamente capazes e diante de causas que versem sobre direitos que admitam a autocomposição, a celebração de acordo de forma geral, envolvendo tanto o procedimento como as suas situações processuais.

Em qualquer caso, contudo, é crucial que o eventual processo esteja alicerçado em direitos que admitam autocomposição, ou seja, o processo deve tratar de direitos patrimoniais disponíveis. Sim, porque há aspectos de direitos indisponíveis que admitem alguma forma de autocomposição. 

Fredie Didier Jr.  afirma que a participação das partes através do livre consentimento é elemento essencial para que se tenha um efetivo processo legal, na medida em que o devido processo legal é correlacionado à liberdade, sendo esta característica intrínseca ao autorregramento. Visão essa que pode ser observada no trecho transcrito:

O princípio do devido processo legal deve garantir, ao menos no ordenamento jurídico brasileiro, o exercício do poder de autorregramento ao longo do processo. Um processo que limite injustificadamente o exercício da liberdade não pode ser considerado um processo devido. Um processo jurisdicional hostil ao exercício da liberdade não é um processo devido, nos termos da constituição brasileira.

 

Nesta senda, a jurisprudência tem acompanhado tal entendimento e inovação processual, vide o seguinte julgado:

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.337.393 - GO (2018/0191225-1) RELATOR: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO AGRAVANTE : JANIVALDO ALVES RIBEIRO AGRAVANTE : RUTHE HELENA DE OLIVEIRA ADVOGADOS : ANTENÓGENES RESENDE DE OLIVEIRA JÚNIOR - GO023886 DANILO PRADO ALEXANDRE - GO024420 AGRAVADO : SPE RESIDENCIAL BOA ESPERANCA LTDA OUTRO NOME : ITG EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA ADVOGADOS : LEANDRO JACOB NETO - GO020271 EDUARDO NUNES DA SILVA - GO032319 DECISÃO (...) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPARAÇÃO DE DANOS. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL. PRESCINDIBILIDADE DA ASSINATURA DE ADVOGADO. PRECEDENTES DO STJ. SENTENÇA MANTIDA. 1. Ao teor do entendimento consolidado do colendo Superior Tribunal de Justiça, a transação extrajudicial, por se tratar de negócio jurídico de direito material, prescinde da presença de advogado para que seja considerada válida e eficaz. 2. Se na avença consta cláusula expressa e em negrito informando a parte sobre as consequências processuais da assinatura do acordo, não há que se falar em desconhecimento ou ignorância a respeito do tema. (...) 4. O art. 190 do CPC/15 traz a possibilidade do juiz controlar a validade das convenções nele previstas (negócios processuais), não estendendo o dever de fiscalização para acordos extrajudiciais que versem sobre o direito material em litígio. Apelação cível desprovida. (...) É o relatório. DECIDO. 2. Ao analisar a demanda, a Corte de origem consignou (fls. 463-464): De plano consigno que, segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a transação, por se tratar de negócio jurídico de direito material, prescinde da presença de advogado para que seja considerada válida e eficaz (STJ, AgRg no REsp 1263715/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, DJe 15/12/2015). (...) Esclareça-se: é prescindível a presença de advogado para que o acordo extrajudicial seja válido. No entanto, para que o Juiz homologue esse acordo, autor e réu devem estar representados, no processo, por advogado. E, no caso, ambos estão! [...] 7 da Súmula desta Corte. (...) (REsp 666.328/PR, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/03/2005, DJ 21/03/2005, p. 277) Portanto, o acórdão combatido encontra-se em harmonia com o entendimento desta Corte, o que atrai a aplicação da Súmula 83 do STJ. 4. Ante o exposto, nego provimento ao agravo em recurso especial. Publique-se. Intimem-se. Brasília (DF), 03 de setembro de 2018. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO Relator. (STJ - AREsp: 1337393 GO 2018/0191225-1, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Publicação: DJ 11/09/2018). 

 

Fica evidente a validade do negócio jurídico extrajudicial como mais um instrumento que visa harmonizar o entendimento entre as partes, ainda que, neste caso em tela, desprovidos de seus procuradores, o que denota tamanha importância e alcance das convenções processuais.

Nos dizeres de Macedo e Peixoto :

Com efeito, quando a celebração do negócio jurídico estiver nos limites do propósito do Estado, que é resolver conflitos e afirmar o ordenamento jurídico, e for desejado e pactuado de forma livre pelos sujeitos parciais, a sua realização, ao contrário de confrontar o devido processo legal, é medida que o afirma e, mais do que isso, leva a um regime de colaboração entre os sujeitos processuais que reforça verdadeira corresponsabilidade no processo.

 

No entanto, ao analisar a validade dos negócios jurídicos processuais, constata-se que como em qualquer negócio jurídico, a convenção processual deve ser observada segundo o mesmo plano de validade dos atos jurídicos. Com efeito, assinala Didier : 

A convenção processual é autônoma em relação ao negócio principal em que estiver inserida. A invalidade do negócio principal não implicará, necessariamente, a invalidade da convenção processual. Em regra, existente para a convenção de arbitragem (art. 8º, Lei n. 9.307/1996), estende-se a todas as demais convenções processuais, por analogia.

 

Por conseguinte, a validade dos negócios processuais advém da capacidade das partes, da licitude do objeto negocial e da forma, sendo essa prevista ou não proibida por lei, como consta nos artigos 104 do Código Civil brasileiro :

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.

 

Dessa forma, influirá em nulidade do negócio processual, o desrespeito a qualquer desses requisitos, entendidos assim, ex officio nas condições do parágrafo único do artigo 190. Deste modo, para qualquer negócio jurídico, e não apenas aos contratos, é de suma importância a observância das regras sobre capacidade do agente, forma e objeto, assim como em relação aos preceitos sobre os vícios de vontade. Logo, no que diz respeito aos negócios jurídicos processuais, previstos no art. 190, CPC, é indubitável de que sua juridicidade advém do preenchimento dos pressupostos previstos no art. 104, CC. 

Alude Leonardo Greco  que o curso procedimental necessita tanto de embasamento legal para alcançar a segurança jurídica, quanto da flexibilização da própria automação do rito com fins de atender garantias fundamentais constitucionais como Devido Processo Legal, do Contraditório e Ampla Defesa, dentre outros. 

O procedimento deve ser legal porque as partes necessitam de segurança quanto ao rito que adotará a sua causa, para que possam agir com previsibilidade, mas esse procedimento não pode ser rígido ao extremo, porque há garantias constitucionais mais valiosas, que podem exigir em certas situações prazos maiores ou certos desvios na sequência dos atos, o que, obviamente, deve ser posto em prática através de uma decisão bem-fundamentada. [...]. Vê-se, pois, que essa flexibilidade pode ser mais ampla ou mais restrita, variando em função de múltiplos fatores, entre os quais a qualidade e a confiabilidade dos juízes. Os países em que a justiça goza de uma alta credibilidade costumam dar aos juízes mais liberdade.

 

Por fim, entende-se que o negócio jurídico processual esteja confederado à ideia de flexibilização procedimental, e, mais ainda, ao entendimento de tutela jurisdicional diferenciada, por meio da qual o procedimento deve se adaptar às premissas impostas pelo direito material no caso concreto para que a tutela seja real e efetiva .

Uma vez adentrado no campo da validade do ato negocial, torna-se imprescindível entender os limites impostos às partes para a autocomposição, o que trataremos em sequência.

 

3.3 DOS LIMITES PARA A APLICAÇÃO DOS NEGÓCIOS PROCESSUAIS

 

Em face da ampliação de possibilidades a ser exploradas pela autocomposição, visto que o negócio processual concedeu maior liberdade às partes, torna-se imperativo ter ciência das limitações tanto quanto dos requisitos para a prática do negócio processual, uma vez que essa limitação decorre do próprio exercício da liberdade, visto que, é taxativo que nenhum direito é absoluto ou ilimitado em si mesmo.

Todavia, essa delimitação não é tarefa fácil e de pacífica conclusão seja na doutrina, seja na jurisprudência. Não se questiona sobre a necessidade de serem traçados limites, mas sim até que ponto podem determinadas matérias ser cedidas ao arbítrio da vontade sem que haja um eventual comprometimento de direitos e garantias protegidos por nosso ordenamento jurídico. 

Nesta seara, é imprescindível salientar que os limites estabelecidos entre os poderes do juiz e a convenção feita pelas partes encontram-se estritamente vinculadas a três condições a saber: à disponibilidade do direito material posto em juízo; ao respeito ao equilíbrio entre as partes e à paridade de armas, para que uma delas não venha se beneficiar de sua peculiar posição vantajosa em relação à outra parte no que tange direito de acesso aos meios de defesa; e, por fim, à preservação da observância dos princípios e garantias fundamentais do processo no Estado Democrático de Direito .

Isto posto, serão explorados alguns conceitos imprescindíveis à atividade negocial no processo: 

a) Da disponibilidade do direito material 

É oportuno frisar que o direito material permanece inatingível em meio ao acordo processual, e, sobre este aspecto, Greco  discorre:   

A celebração de um acordo processual em nada afeta o direito material envolvido no litígio, os titulares de direitos disponíveis podem dispor no processo do seu próprio direito material, assim como de todas as faculdades processuais cuja não utilização possa resultar, direta ou indiretamente, em julgamento contrário ao seu direito material. Nessa mesma senda, os titulares de direitos indisponíveis não estão impossibilitados de praticar atos de disposição, tanto no sentido de atos prejudiciais quanto de atos decisórios, mas apenas que não podem praticar os que, direta ou indiretamente, possam prejudicar ou dificultar a tutela desses direitos.

 

Aponta ainda a necessidade de preservar os princípios e as garantias fundamentais do processo, diante dos negócios processuais.

Neste ponto, ganha relevância a própria convenção quanto à gestão compartilhada do procedimento, pois esta não impossibilita a parte que possua direito material envolvida no pleito, entendendo-se que a indisponibilidade que versa a cláusula geral de negociação processual, trata do objeto do acordo processual, e não o direito básico que se objetiva tutelar. Nesse sentido, o consentimento torna-se indispensável ao ato de disposição, necessitando da capacidade processual, voluntariedade, ou seja, a ausência de pressões, e pôr fim a informação, no que tange a cooperação processual. 

b) Do equilíbrio das partes e da paridade de armas  

Na mesma esteira de pensamento, Leonardo Greco assegura que o equilíbrio do contrato assim como a paridade das armas são limites intransponíveis à negociação processual das partes, ressaltando que tal igualdade não deve ser meramente formal, mas de fato concreta, pois a posição de dependência de uma parte é uma situação que gera uma determinada desigualdade entre as partes necessitando de uma intervenção do juiz para que aja um equilíbrio e uma limitação do poder de disposição . 

c) Da observância dos princípios e garantias fundamentais do processo 

Quanto à preservação da observância dos princípios e garantias fundamentais do processo no Estado Democrático de Direito, o que se constata no caso concreto, é que na maioria das vezes tem-se mais de uma garantia fundamental potencialmente afetada pela convenção. Conforme menciona Cabral : 

A dificuldade de precisar qual ou quais direitos fundamentais envolvidos decorre, de um lado, do amplo suporte fático dos direitos fundamentais, que se estruturam para que possam abranger o maior número de situações jurídicas dignas de proteção, por outro lado é também fruto de um déficit analítico na literatura do direito processual, que constantemente mistura o conteúdo de diversas garantias fundamentais, sem atentar para precisão conceitual.

 

Neste sentido, Queiroz  expõe o entendimento que as partes podem celebrar convenções destinadas a disciplinar o procedimento de seu processo judicial, mesmo fora dos casos em que a lei expressamente as autoriza a fazê-lo, já que o legislador não poderia prever todos os casos em que uma convenção deste tipo seria útil aos interesses juridicamente protegidos das partes. Entretanto, a convenção sobre procedimento não pode suprimir os direitos e as garantias fundamentais do processo, sob pena de nulidade.

No campo prático, as convenções processuais não poderão afetar a garantia da duração razoável do processo, visto que conforme previsão legal (art. 5º, LXXVIII, CF) , o juiz tem competência para zelar pela razoável duração do processo, devendo este, portanto, diante de uma prolação demasiada de prazos processuais, interferir com a negação da eficácia do referido acordo celebrado .

d) Da posição processual do juiz 

Outra limitação imposta pelo art. 190, caput do CPC à vontade das partes, diz respeito a posição processual do juiz. Segundo o dispositivo legal, as partes podem negociar as suas posições jurídicas, de forma que o acordo não pode ter como objeto as posições processuais do juiz. Os poderes-deveres do juiz, portanto não podem ser objeto do acordo entre as partes, porque na realidade elas não podem dispor de uma posição processual da qual não sejam titulares, a exemplo: como ocorre no dever do juiz de observar e exigir a boa-fé processual (art. 5º do CPC); o dever de decidir com fundamento na legalidade (art. 8º do CPC); o dever de decidir conforme as súmulas e precedentes com eficácia vinculante (art. 927 do CPC)  e etc.  

Nesse mesmo diapasão, Bueno  constata que a dificuldade encontra-se menos em listar exemplos de negociação processual e mais em saber os limites destes negócios processuais, máxime quando, de acordo com o “modelo constitucional do direito processual civil, as regras relativas ao procedimento são de competência dos Estados, consoante o absolutamente ignorado, inclusive pelo próprio CPC de 2015 como um todo e pelo dispositivo agora em foco, inciso XI do art. 24 da CF.   

O doutrinador segue afirmando que: 

[...] as escolhas feitas pelo legislador nos mais diversos campos do direito processual civil não podem ser alteradas pelas partes. A liberdade delas com relação ao procedimento, aos seus próprios ônus, poderes, faculdades, deveres processuais fica restrita àqueles casos em que o ato processual não é regido por norma cogente. Não se trata de exigir ou deixar de exigir forma específica. Disto se ocupa suficientemente o art. 188, CPC/15 . Trata-se, isto sim, de negar validade e aplicação a negócios processuais que queiram alterar o que não é passível de alteração nos precisos termos da primeira parte do parágrafo único do art. 190. 

Nesta senda, por mais intenso que seja e/ou deva ser o diálogo entre os planos material e o processual, inclusive para criar condições ótimas de resolução de conflito, a liberdade dada às partes para “ajustá-lo às especificidades da causa” encontra limites no modelo de atuação estatal. Assim, Bueno  vem afirmar que:

[...] não se trata de hipertrofiar o processo em detrimento do direito, mas de ter consciência dos limites que existem para a função jurisdicional – sempre e invariavelmente desde o modelo constitucional –, e que o processo, o procedimento e, de forma ampla, a atuação das partes não estão sujeitos a negociações que atritem com o seu núcleo duro, muito bem representado pelas normas de ordem pública ou cogentes. Não pode a lei federal, passando por cima do inciso XI do art. 24 da CF, em verdade desconsiderando-o, delegar liberdade de forma irrestrita a determinados sujeitos do processo para estabelecer o seu próprio procedimento ou os seus próprios ônus, poderes, faculdades e deveres processuais.

 

Em virtude disso, Bueno , não vê como possível aceitar convenções processuais sobre: deveres-poderes do magistrado ou sobre deveres regentes na atuação das partes e de seus procuradores; sobre a força probante dos meios de prova; sobre os pressupostos de constituição e desenvolvimento válido do processo e/ou do exercício do direito de ação; sobre as hipóteses da tutela provisória; sobre as formas e técnicas de cumprimento da sentença, inclusive o provisório, e as de execução; sobre a coisa julgada; sobre o número de recursos cabíveis ou interponíveis e seu respectivo regime jurídico; ou sobre as hipóteses de rescindibilidade. 

Por sua vez, no tocante aos negócios processuais típicos, quando as partes convencionarem acerca destes, ou seja, daquele em que há previsão legal, o juiz deverá comparar o negócio atípico ao típico. Fato é que, se o legislador definiu regras para um pacto legalmente tipificado, os seus critérios podem, por vezes, criar obstáculos à liberdade negocial. Nesse sentido Humberto Theodoro Júnior leciona: “sempre que um negócio atípico puder ser enquadrado em um grupo de convenções que inclua um negócio tipicamente legislado, atrairá a sistemática do acordo típico”. 

Logo, as partes não estão impossibilitadas de negociar sobre matéria processual em torno da qual exista matéria legislada, desde que o façam de maneira a não infringir aquilo que já está normatizado no direito positivado.

Diante do exposto é possível deduzir que: 

A autonomia das partes deve ser analisada dentro de uma perspectiva constitucional e de uma teoria dos direitos fundamentais que autoriza e ao mesmo tempo impõe limites às manifestações de vontade. 

 

 

3.4 DAS NULIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

 

A doutrina e ordenamento jurídico tem consagrado a posição que diante do reconhecimento de uma “nulidade sanável”, o magistrado tomará as providências necessárias para eliminá-la do processo. Na hipótese oposta, todavia, caso não seja, por qualquer razão, possível repetir o ato que, praticado por algum defeito, gerou prejuízos, ou desconsiderar ou mitigar os prejuízos dos atos processuais defeituosos, o caso é de nulidade. “Nulidade esta que merece ser compreendida em sentido amplo, qual seja, como sinônimo de desconformidade ao direito, quer tal desconformidade se localize no plano da existência ou no plano da validade”.  

Desta feita, consubstanciará nulo o negócio jurídico processual que não atenda aos pressupostos formais gerais de negócio jurídico previstos pelo art. 104 do CC, ou seus requisitos formais específicos previstos no art.190 do NCPC. Aplica-se, portanto, ao negócio jurídico processual o que consta nos art. 166 e 167, CC,  tornando-o nulo em consequência de vícios sociais e do consentimento, bem como se o negócio jurídico ocorrer de forma simulada:

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV - não revestir a forma prescrita em lei; V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção. Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. § 1o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados. § 2o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.

No campo prático, Neves  cita como exemplo de potencial nulidade, a possível dilação do tempo legal para sustentação oral que encontra resistência da magistratura por entender que a sustentação compõe a estrutura do julgamento e, por isso, seu prazo não pode ser ampliado. Porém, é de conhecimento que alguns processos são extremamente complexos, e o prazo legal é sabidamente insuficiente para uma explanação satisfatória. Nesses casos, o órgão jurisdicional deve se valer da proporcionalidade e da razoabilidade, previstas no art. 8º do CPC, para aceitar a dilação acordada pelas partes. Por outro lado, deve entender nula a convenção no caso de processo simples, no qual o prazo legal é suficiente para a exposição oral das razões das partes. Na realidade, esse dever de o juiz evitar o abuso no exercício do direito de autorregramento da vontade das partes se aplica também para a dilação dos prazos para a prática do ato escrito. 

Este entendimento encontra ressonância jurisprudencial podendo ser observado no seguinte julgado:

PET no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.081.229 - ES (2017/0077009-2) RELATORA : MINISTRA PRESIDENTE DO STJ REQUERENTE : EXIMBIZ COMÉRCIO INTERNACIONAL S/A ADVOGADO : RAFAEL VALENTIM NOGUEIRA - ES009918 INTERES. : OTTO NETTO ANDRADE ADVOGADO : JOÃO VITOR SIAS FRANCO - ES019144 INTERES. : VOL - VITORIA OFFSHORE LOGISTICS S/A ADVOGADOS : TAREK MOYSES MOUSSALLEM E OUTRO (S) - ES008132 MARCO ANTÔNIO GAMA BARRETO - ES009440 RICARDO ALVARES DA SILVA CAMPOS JUNIOR - ES009374 DECISÃO Vistos, etc. As partes, conjuntamente, apresentaram petição às fls. 1.760/1.761, informando que "alcançaram solução consensual para encerrar a presente demanda e todas as demais periféricas ou principais - que envolve o conflito acionário instaurado no terminal portuário PEIÚ, dependendo, todavia, do implemento de condição suspensiva (venda de ativo de propriedade comum às partes) para sua concretização definitiva". Requereram, "valendo-se da prerrogativa conferida pelo artigo 190 c/c artigo 313, inciso II, ambos do CPC", a SUSPENSÃO do processo pelo prazo de 6 (seis) meses. Transcorrido o prazo de suspensão, conforme certificado à fl. 1.774, determinei a intimação das partes para se manifestarem, nos termos do despacho de fl. 1.776. Às fls. 1.779 e 1.783 as partes se manifestaram informando que: [...] Necessitam, contudo, para viabilizar tal encerramento, de um prazo adicional, pelo que requerem a este Col. STJ a prorrogação da SUSPENSÃO do feito por mais 06 (seis) meses a contar da presente data (artigo 190 do CPC). Conforme decisão de fl. 1.785/1.786, o pedido foi indeferido, nos termos do art. 313, inciso II, § 4.º do Código de Processo Civil, dando-se um prazo de 20 (vinte) dias úteis para apresentação do acordo entabulado entre as partes. (...) É o relatório. Decido. O Código de Processo Civil estabelece no art. 190 a possibilidade de as partes realizarem negócio jurídico processual (...). Também dispõe que incumbe ao Juízo promover a autocomposição das partes (art. 139, inciso V, do Código de Processo Civil). Assim, é importante o atendimento do pedido das partes no sentido de concessão de mais prazo para entabularem uma solução consensual, que alcança cerca de 30 (trinta) ações judiciais no Estado do Espírito Santo. Por outro lado, é princípio constitucional replicado, no art. 139, inciso II, do Código de Processo Civil, como dever e responsabilidade do Juízo, velar pela duração razoável do processo. (...) Desta forma, já deferido lapso considerável de tempo e passados um ano e dois meses desde a primeira comunicação, não se justifica a concessão de mais seis meses a fim de as partes continuarem em tratativas que até a presente data não alcançaram uma solução definitiva, até porque o art. 313, inciso II, § 4.º, do Código de Processo Civil, estabelece que o período de suspensão por convenção das partes não pode exceder a 6 (seis) meses. Assim, ponderando os princípios da promoção da autocomposição e da duração razoável do processo, DEFIRO, pela última vez, a extensão do prazo de suspensão por mais 2 (dois) meses, a partir da publicação da presente decisão, devendo, após o transcurso do prazo, retornarem os autos para regular processamento. Publique-se. Intimem-se. Brasília (DF), 05 de junho de 2018. MINISTRA LAURITA VAZ Presidente. (STJ - AREsp: 1081229 ES 2017/0077009-2, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Publicação: DJ 22/08/2018) 

No que diz respeito aos contratos, especificamente o contrato de adesão, caberá ao juiz invalidar o negócio que foi estabelecido de forma abusiva. A literalidade do art. 190, § único, CPC/15, exemplifica que não existe uma vedação absoluta para que as partes insiram o negócio jurídico processual nos contratos de adesão, assim, nesse caso, sua nulidade dependerá da existência de abusividade no caso concreto cabendo ao juiz sua análise e identificação. Porém, diante de uma eventual, e não obrigatória, nulidade do negócio jurídico processual ora inserido em contrato de adesão, deve o juiz presar pela isonomia das regras que regem os litigantes tanto na elaboração quanto na relação contratual, devendo o magistrado velar pela observância do contraditório, como previsto no art. 9º, CPC/15  , não podendo, de forma arbitraria, decretar a nulidade dos atos estabelecidos na negociação processual. 

Conclui-se que, o negócio processual para atingir sua regularidade deve observar alguns requisitos, assim como acontece em qualquer negócio jurídico. Logo, os requisitos de existências são vontade do agente, objeto, e a forma; os de validade são vontade livre e de boa-fé, agente capaz e legitimado, objeto lícito, possível e determinado ou determinável; e de eficácia, que se trata da inexistência de elementos acidentais como condição, termo ou encargo, uma vez previstos na teoria geral das obrigações. A ausência de algum desses requisitos, poderá implicar em um negócio processual inexistente, nulo, anulável ou ineficaz. 

Diante do exposto, resta concluir que o art. 190, CPC/2015, apresenta um campo muito vasto que deve ser explorado, e que além de nulo, o negócio jurídico pode ser anulável, e, uma vez que o mesmo possua vício não sanável, será papel do juiz, no exercício de controle jurisdicional, que será tratado em tópico específico adiante, recusar a aplicação do negócio jurídico processual. 

 

3.5 DO CONTROLE JURISDICIONAL NA AUTOCOMPOSIÇÃO PROCESSUAL

 

Um dos aspectos de relevância do negócio jurídico processual diz respeito a sua relativa independência quanto a necessidade de homologação do juiz. Entretanto, é papel do juiz ratificar a validade do negócio jurídico processual celebrado e levado a seu conhecimento com base na análise dos requisitos formais indispensáveis à sua validade. Aqui importa a ressalva que a atuação do poder jurisdicional, diante das negociações processuais, encontra-se sobre influência direta do momento, assim estabelecido pelo caput do art. 190, CPC/15, para a admissão da convenção processual. Vez que a mesma seja celebrada antes do processo, o negócio processual poderá ser revestido de uma autonomia contratual que se aproxima da arbitragem, de modo que a convenção possa ser celebrada por meio de cláusula contratual ou por meio de instrumento em separado, celebrado concomitantemente ou posteriormente ao contrato principal. 

Constata-se, portanto, que a autocomposição negócio processual será celebrada somente entre as partes, “salientando que o juiz não é codeclarante, uma vez que não se obriga nem imputa qualquer ônus a si próprio, limitando-se a produzir um elemento integrativo de eficácia ao homologar o acordo”, cabendo-lhes examinar a regularidade dos negócios acordados, assim como recusar a aplicação nas situações de nulidade, vulnerabilidade de uma das partes e inserção abusiva em contrato de adesão.  

A autora cita ainda os enunciados do fórum permanente de processualistas civis (grupo formado por professores de processo civil de todo o Brasil), cujas lições apontam que:

20. (art. 190) Não são admissíveis os seguintes negócios bilaterais, dentre outros: acordo para modificação da competência absoluta, acordo para supressão da primeira instância. (Grupo: Negócio Processual); 132. (art. 190) Além dos defeitos processuais, os vícios da vontade e os vícios sociais podem dar ensejo à invalidação dos negócios jurídicos atípicos do art. 190. (Grupo: Negócios Processuais); 133. (art. 190; art. 200, parágrafo único) Salvo nos casos expressamente previstos em lei, os negócios processuais do art. 190 não dependem de homologação judicial. (Grupo: Negócios Processuais); 254. (art. 190) É inválida a convenção para excluir a intervenção do Ministério Público como fiscal da ordem jurídica. (Grupo: Negócios Processuais); 259. (arts. 190 e 10). A decisão referida no parágrafo único do art. 190 depende de contraditório prévio. (Grupo: Negócios Processuais). 

Outra corrente enaltece os poderes inerentes do magistrado ao apontar que, de ofício ou a requerimento, controla a validade destas convenções, recusando-lhes aplicação nos casos previstos no parágrafo único do art.190, CPC. É o que basta para afastar o entendimento de que as partes têm a primeira e/ou a última palavra do que pode ser objeto de negociação para os fins do caput do dispositivo. A primeira situação que refere-se a invalidade, diz respeito a questão de ordem pública processual ou de normas cogentes. Logo, aquilo que estiver fora do alcance negocial das partes com relação ao plano do processo não pode ser objeto de negócio processual. Neste sentido, Bueno  aduz que: 

Uma coisa, enfatizo, é atestar a plena capacidade negocial das partes diante de um direito material que aceita autocomposição. Outra, bem diferente, é querer comunicar esta liberdade para o modo de atuação do Estado-juiz, isto é, para o plano do processo, inclusive na perspectiva da organização de seus próprios atos, isto é, do procedimento. As tais normas de ordem pública ou cogentes o são a ponto de não se poder querer desprezá-las, desconsiderá-las, esquecê-las, ainda que se queira.

 

Logo, entende-se por normas cogentes como aquelas impostas pela lei aos sujeitos processuais, sendo irrelevante sua vontade no caso concreto. 

Como o negócio jurídico processual, ora analisado, tem como base a vontade das partes, parece lógica a conclusão de que o acordo não pode ter como objeto uma norma cogente. Diante disto, Neves  elencará que: 

Com o fundamento de que as partes não podem afastar normas cogentes, não se admite acordo que verse sobre a admissão de prova ilícita, para excluir a participação do Ministério Público quando a lei exige a sua presença, para fixar prioridade de julgamento quando não previsto em lei, para criar novos recursos ou ampliar suas hipóteses de cabimento, para modificar regra de competência absoluta, para criar hipóteses de ação rescisória e de outras medidas tendentes a desconstituir a coisa julgada, para dispensar da presença de litisconsorte necessário etc.

Afirma ainda que, mesmo que não exista uma simbiose perfeita entre a cogência das normas e sua natureza de ordem pública, parece que tais matérias não podem ser objeto do negócio jurídico processual ora analisado, em especial no que diz respeito às condições da ação e aos pressupostos processuais. 

Para Cassio Scarpinella Bueno , existem duas outras hipóteses em que o magistrado, controlando a validade dos negócios processuais, não parecem despertar maiores questionamento, quais sejam, os inseridos em contratos de adesão ou em potencial situação de desequilíbrio entre as partes envolvidas. O autor discorre que:

Para aqueles casos, mesmo supondo que o objeto do negócio processual esteja dentro dos limites, a circunstância de estarem inseridos em contratos de adesão (inesgotáveis fontes de conflito dada a sua própria natureza, máxime em economias massificadas como a atual) ou terem aptidão de gerar situação de desequilíbrio marcante entre as partes envolvidas é fator que, por si só, pode conduzir o magistrado a negar a sua aplicação. Aqui e lá é o próprio princípio da isonomia que, depositado nas mãos do magistrado, viabilizará não só a invalidade da cláusula (pronunciada de ofício, após o prévio e regular contraditório), mas também a sua ineficácia.

Para demonstrar como a posição jurisprudencial corrobora com este entendimento acima exposto, o presente julgado traz como decisão:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.698.696 - SP (2017/0133311-4) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : MERCOSUL ESPUMAS INDUSTRIAIS LTDA ADVOGADOS : NELSON WILIANS FRATONI RODRIGUES E OUTRO (S) - SP128341 BRUNO FORLI FREIRIA - SP297086 ROGÉRIO HIDEAKI NOMURA - SP211961 RECORRIDO : BANCO CÉDULA S/A ADVOGADOS : FERNANDO KOIN KROUNSE DENTES E OUTRO (S) - SP274307 MARCIO DE ANDRADE LOPES - SP306636 DECISÃO A recorrente e o recorrido pleiteiam conjuntamente, por intermédio da petição de fl. 1162 (e-STJ), que: (i) seja dispensada a publicação do acórdão no Diário de Justiça, pois estão cientes da decisão proferida na sessão de julgamento de 02/08/2018; (ii) que seja decretado segredo de justiça, em virtude de existirem documentos sigilosos no processo e diante do inegável impacto negativo que o acórdão trará à recorrente, sobretudo em virtude de tratativas de acordo mantidas pelas partes. De início, a manifestação conjunta das partes deve ser interpretada como uma espécie de negócio jurídico processual atípico, cujo requisito essencial, na forma do art. 190, caput, 2ª parte, do CPC/15, é de que a convenção verse "sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais". Na hipótese, contudo, verifica-se que a convenção processual celebrada entre as partes poderes e deveres alheios, mais especificamente do próprio Poder Judiciário. A esse respeito, descabe as partes negociar sobre a dispensa de publicação de acórdão no Diário de Justiça, seja por se tratar de dever legal do órgão judiciário (art. 943, § 2º, do CPC/15), seja porque a publicização do acórdão permite o controle social do conteúdo das decisões judiciais e a extração da ratio decidendi para a formação de precedentes, seja ainda porque as funções nomofilática, uniformizadora e paradigmática dos julgamentos proferidos nesta Corte superam quaisquer eventuais interesses subjetivos. De outro lado, também descabe convencionar sobre hipotética decretação de segredo de justiça, acrescentando-se aos fundamentos já expostos, ainda, a necessidade de se respeitar a garantia constitucional da publicidade dos atos processuais (art. 93, IX, da CF/88) e a ausência de quaisquer das situações previstas no art. 189 do CPC/15, sobretudo quando se verifica que a recorrente ajuizou os embargos à execução no ano de 2013 e, desde então, o processo sempre tramitou sem qualquer restrição de publicidade, inexistindo fato novo que a justifique. Forte nessas razões, INDEFIRO os requerimentos formulados na petição de fl. 1162 (e-STJ), reconhecendo a nulidade das convenções processuais celebradas pelas partes com fundamento no art. 190, parágrafo único, do CPC/15 e determinando que seja imediatamente publicado o acórdão recorrido. Publique-se. Intimem-se. Brasília (DF), 08 de agosto de 2018. MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora. (STJ - REsp: 1698696 SP 2017/0133311-4, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Publicação: DJ 14/08/2018) 

De outra forma, cabe ao juízo invalidar a tentativa de convencionar sobre garantias constitucionais como a publicidade dos atos processuais, reconhecendo-a como nula com base no próprio artigo 190, parág, único, do CPC/15, em decorrência da indisponibilidade do direito material posto em juízo da inobservância dos princípios e garantias fundamentais do processo no Estado Democrático de Direito.

A norma jurídica aponta que a atuação do juiz, nos casos em que exista o ajuste prévio, será uma análise jurídico do acordo, considerando-se a própria lei, assim como os aspectos constitucionais, fáticos e principiológicos, como afirma o parágrafo único do art. 190, CPC/15. Ademais, o devido controle por parte do magistrado poderá ocorrer previamente, caso o negócio jurídico processual seja firmado após o ajuizamento da ação, vindo a evitar a existência de hipossuficiência de uma das partes, assim como evitar a legitimação de possíveis ajustes impositivos de procedimento ao litigante que se encontra em situação de vulnerabilidade, que “segundo a melhor doutrina decorre de limitação pessoal involuntária de caráter permanente ou provisório, ensejada por fatores de saúde, de ordem econômica, informacional, técnica ou organizacional”.  

Evitando dessa forma a ocorrência de desequilíbrios no âmbito das convenções acordadas que possam ser ratificadas e perpetuadas sem o crivo jurisdicional, visto que assim aduz o art. 200, caput, CPC/15, que o acordo produz, constitui, modifica ou extingue direitos processuais de forma imediata sem a necessidade de homologação.

Quanto a eficácia imediata das convenções processuais, Greco  vai destacar que:

A eficácia imediata das convenções processuais, tornando-as independentes de homologação judicial, exige limites firmes à sua revogação, que, segundo podem ser encontrados em três circunstâncias, quais sejam: 1) a necessidade de permanente continuidade do processo em direção ao seu fim, que não deve ser condescendente com retrocessos, a não ser por um motivo justificável, alegado de boa-fé; 2) o direito adquirido, decorrente da prática ou omissão do ato por uma parte em benefício da outra, que gere direito subjetivo em favor da outra; ou 3) como consequência de uma dessas duas circunstâncias, a preclusão temporal ou consumativa.

 

Destarte, “o ordenamento jurídico confere às partes um espaço de liberdade dentro do qual é permitido convencionar acerca do processo judicial. O juiz, por sua vez, deve respeitar as convenções celebradas dentro desse espaço”. A despeito de não ser parte no negócio jurídico processual, pode o magistrado incentivar os litigantes a celebrar ajustes nesse sentido, notadamente quando o direito material envolvido no litígio exigir um rito processual diferenciado, seja por sua complexidade ou por sua simplicidade. 

Neste ponto, vale ressalvar que, em tese, o juiz é um sujeito dotado de imparcialidade, com diversos poderes a ele ora conferidos pela Constituição, dentre os quais, a coerção, e a produção de provas de oficio. Daí o órgão jurisdicional ser submetido ao princípio da legalidade, revelando-se os atributos conferidos ao mesmo como deveres e não faculdades. 

Entretanto, Neves  vem aduzir que o juiz não pode ser obrigado pelas partes a pronunciar decisão sem qualidade, como consequência natural de impedimento fortuito imposto ao juiz ao produzir prova que entenda fundamental à constituição do seu convencimento. Assim:

Não se pode desconsiderar que o processo é instituto de direito público e que a qualidade da prestação jurisdicional é de ordem pública, interessando a toda a coletividade e não exclusivamente as partes do processo.

O autor observa ainda que como todo direito, também o de autorregramento da vontade no processo não pode ser exercido de forma abusiva. 

Nesta esteira de pensamento, Souza  afirma que o acordo incide na atividade jurisdicional no que tange a direção e julgamento da causa, não bastando tão somente que seja permitida a participação do magistrado no acordo, pois como já evidenciado o processo não pertence a um juiz determinado, mas também não é possível que um acordo feito por um magistrado seja oponível a outros que dele não participaram. Diante disto, autora segue:

Assim aos demais magistrados, inseridos através da fase recursal e interposição do mesmo, no que tange ao negócio jurídico processual celebrado face ao juiz de primeiro grau, restará apenas verificar se os requisitos foram cumpridos durante a celebração do acordo, pois devido à convalidação do Estado juiz o acordo deverá gerar efeitos, não cabendo assim a sua anulação (salvo se encontrado vício, bem como se não preenchido os requisitos) em respeito à segurança jurídica.

Uma vez superada mais uma etapa deste estudo em que se buscou descortinar o saber quanto a construção normativa que envolve o negócio jurídico processual, será ambicionado, no próximo capítulo, correlacionar o direito processual civil e o direito trabalhista em sua seara processual, no que tange a determinação legal e o debate paralelo que permeiam a aplicabilidade do autorregramento na justiça laboral.    

 

 

 

 

 

4 O INSTITUTO DA NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL E O DIREITO TRABALHISTA

 

4.1 RELAÇÃO ENTRE DIREITO CIVILISTA E TRABALHISTA

 

O contrato de trabalho vem a ser uma espécie do gênero “contrato” – cuja origem remonta no Direito Civil – e começou a ser desenvolvido com base na locação de serviços (location operarum) que era encontrada nos arts. 1.216 e s. do Código Civil de 1916. Mesmo no conceito de empreitada (locatio operis), é possível notar certas relações com o contrato de trabalho, que podem, inclusive dar vazão à discussões na Justiça do Trabalho, vez que posto está no art. 652, a, III, da CLT, que dá competência à justiça do Trabalho para julgar questões de operários ou artífices ou pequenos empreiteiros, mas não para reivindicar direitos previstos na CLT, salvo o preço contratado da obra e eventualmente na existência de multa contratual.    

O Direito do Trabalho utiliza-se, subsidiariamente, do Direito Civil, principalmente da parte de Obrigações e contratos previstos no Código Civil, pois o parágrafo 1º do artigo 8º da CLT  determina que o Direito comum será fonte subsidiária do Direito do Trabalho. Assim, as normas do Direito Civil são fontes integrativas das lacunas do Direito do Trabalho, bastando, para a sua aplicação, que não haja incompatibilidade com o Direito do Trabalho e/ou omissão da norma trabalhista. 

O CPC de 2015 trouxe, na redação de seu art. 15, a ratificação deste entendimento, ao expor que: “Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.”

Por consectário, na eventualidade do ajuizamento de uma ação trabalhista, esta pode sucumbir à aplicação subsidiária dos procedimentos contidos no Código de Processo Civil, em decorrência destas mesmas condições/requisitos supracitadas para a sua atuação, aqui expressas na Instrução Normativa nº 39/2016: 

Art. 1º Aplica-se o Código de Processo Civil, subsidiária e supletivamente, ao Processo do Trabalho, em caso de omissão e desde que haja compatibilidade com as normas e princípios do Direito Processual do Trabalho, na forma dos arts. 769 e 889 da CLT e do art. 15 da Lei nº 13.105, de 17.03.2015.  

Por fim, cabe ressaltar uma divergência entre estas searas jurídicas, pois enquanto no Direito Civil as partes ocupam lugares equiparados, no Direito do Trabalho o empregado será sempre tratado com superioridade jurídica como forma de compensação de sua hipossuficiência na relação com o empregador, aspecto este que exigirá maior atenção no próximo tópico. 

 

4.2 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO PROCESSO DO TRABALHO

 

Os princípios jurídicos atuam como fonte integradora da norma, suprindo as omissões e lacunas do ordenamento jurídico. Exercem importante função, atuando como instrumento orientador na interpretação de determinada norma pelo operador do direito, tendo em vista que concedem coerência lógica e teleológica ao ordenamento jurídico, desempenhando desta forma uma tríplice função: informativa, normativa e interpretativa.  

Destacaremos a seguir os princípios que norteiam o processo do trabalho:

 

4.2.1 Princípios Constitucionais aplicáveis ao Processo do Trabalho

 

O direito processual do trabalho é regido por princípios constitucionais consagrados e inafastáveis tais como os princípios: do devido processo legal; da dignidade da pessoa humana; do contraditório; da ampla defesa; da fundamentação das decisões; da duração razoável do processo; do juiz natural; do duplo grau de jurisdição; da inafastabilidade de jurisdição.  Além destes, examinaremos conceitualmente alguns outros princípios fundamentais especificamente importantes para este estudo:  

 

4.2.1.1 Princípio da Igualdade ou Isonomia

 

O princípio da igualdade está consagrado no art. 5o, caput, da CF, segundo a qual todos são iguais perante a lei. É importante notar que a igualdade aqui mencionada é apenas formal. Todavia, essa norma constitucional deve se amoldar ao figurino das normas-princípios constitucionais fundamentais da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da livre-iniciativa, bem como aos objetivos fundamentais da República, consubstanciados, dentre outros, na erradicação da pobreza e da marginalização e na redução das desigualdades sociais e regionais (CF, arts. 1º e 3º). É tratado no CPC como princípio da paridade de armas, sendo abordado no art. 7º, o qual assegura: 

Às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório. 

 

Vale dizer, o princípio da igualdade ou da paridade de armas há de ser entendido no seu sentido amplo, isto é, tanto no aspecto da igualdade formal quanto no da igualdade substancial. Disso resulta a necessidade de adaptação da aplicabilidade deste princípio nos domínios do direito processual do trabalho, no qual se observa, não raro, manifesta desigualdade econômica entre as partes que figuram no processo.  

Por outro lado, o próprio sistema jurídico cuida de estabelecer exceções ao princípio da igualdade das partes, como por exemplo, as normas que outorgam prerrogativas materiais e processuais a certas instituições, como a Fazenda Pública, o Ministério Público e a Defensoria Pública, as quais foram instituídas em nome do interesse público e em razão da natureza e organização do Estado. É o que ocorre, também, com a ampliação dos prazos estabelecida nos arts. 180 e 183 do CPC e no art. 1º do Decreto-Lei n. 779/69. Tais prerrogativas não se confundem com privilégios, pois encontram justificativa no interesse público na proteção dos bens públicos e em função das características de tais entes: a Fazenda, diante da complexidade dos serviços estatais e da necessidade de formalidades burocráticas; o MP, por causa do número geralmente deficiente de membros, da sobrecarga de trabalho, do desaparelhamento funcional e da distância das fontes de informação e das provas, bem como das novas funções de órgão agente que lhe foram cometidas pela Constituição e pelas lei; a Defensoria Pública, por semelhantes razões.  

 

4.2.1.2 Princípio da boa-fé ou da lealdade processual

 

Trata-se de princípio intimamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana e corresponde a um dos objetivos fundamentais da República, consubstanciado no art. 3º, I, da CF, qual seja, o de “construir uma sociedade livre, justa e solidária”. Também chamado de princípio da probidade ou da lealdade, o princípio da boa-fé processual, que era tratado como dever das partes não procederem com má-fé, está agora consignado expressamente no art. 5º do CPC, o qual expressa que “aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé” – devendo agir com probidade – sendo reproduzido ainda nos arts. 79, 80 e 81 do mesmo diploma legal. 

O princípio da boa-fé processual, portanto, que também constitui um desdobramento do princípio da boa-fé objetiva do Código Civil, tem por escopo impor aos litigantes uma conduta ética e de respeito mútuo, que possa ensejar o curso natural do processo e levá-lo a consecução de seus objetivos: a prestação jurisdicional de modo célere, adequado, tempestivo e justo. Noutro falar, a boa-fé objetiva impõe a todos os que participam do processo um padrão de comportamento ético e objetivo de honestidade, diligência e confiança, exigindo, ainda, um estado de cortesia, urbanidade e respeitabilidade recíprocas .  

Ademais, constitui uma cláusula geral processual, ou seja, as hipóteses que a caracterizam são indeterminadas, cabendo aos tribunais definir os comportamentos com base no princípio da boa-fé. Nota-se que o legislador acertou ao não limitar o rol de condutas que contrariam a boa-fé, já que inúmeras situações podem surgir com a prática, no dia-a-dia. Neste contexto, o próprio Código de Processo Civil traz em seu bojo dispositivos que objetivam inibir ou punir a parte que aja com má-fé ou falta de lealdade processual, conforme se verifica, exemplificativamente, no art. 793-B da CLT (litigância de má-fé), art. 142 (prática de ato simulado pelas partes), art. 1.026, parág. 2º, do CPC (embargos declaratórios meramente protelatórios), art. 792 (fraude à execução) e art. 774 (ato atentatório à dignidade da justiça). 

 

4.2.2 Princípios comuns ao Direito Processual Civil e ao Direito Processual do Trabalho

 

Neste campo, é possível elencar, com fulcro a teoria geral do processo, alguns princípios, previstos ou não em lei, que tradicionalmente transitam de forma interativa nos domínios do direito processual civil e do direito processual do trabalho, dentre os quais: da eventualidade; da imediação; preclusão e da perempção; do ônus da prova; da impugnação especificada; da estabilidade da lide; da economia processual; da identidade física do juiz; da non reformatio in pejus; da extrapetição; da primazia da decisão de mérito.   

Analisemos alguns outros destes princípios que serão basilares ao nosso estudo:

 

4.2.2.1 Princípio da aplicação subsidiária da legislação processual comum ao Processo do Trabalho

 

A CLT tem dois artigos que versam sobre a aplicação subsidiária da legislação processual comum ao Processo do Trabalho: arts. 769 e 889. 

Na fase de conhecimento aplica-se o art. 769 da CLT, segundo o qual para a aplicação da legislação processual comum ao Processo do Trabalho devem ser preenchidos dois pré-requisitos: a omissão da CLT e a compatibilidade entre a norma a ser aplicada e os princípios gerais do Direito Processual do Trabalho. Saliente-se que não se trata apenas da aplicação do CPC de forma subsidiária, mas da legislação processual comum como um todo, isto é, CPC, CDC, Lei de Ação Civil Pública, Lei do Mandato de Segurança, etc. E, consoante o art. 889 da CLT, também na fase de execução devem ser preenchidos os mesmos requisitos (omissão e compatibilidade) para a aplicação primeiro da Lei dos Executivos Fiscais e depois, se persistir a omissão, da legislação processual comum ao Processo do Trabalho. 

Ocorre que o Código de Processo Civil, em seu art. 15, também versa sobre a aplicação supletiva e subsidiária do CPC no Processo do Trabalho, suscitando discussões acerca da amplitude de sua aplicação, pois, o referido artigo determina apenas que, havendo omissão da CLT quanto às normas processuais trabalhistas, aplique-se o CPC de forma subsidiária e supletiva. Muitos questionam se o requisito da compatibilidade não precisa mais ser preenchido. Em nossa opinião, permanece exigível, uma vez que a CLT é norma especial, e o CPC, norma geral, e esta não revoga lei especial. Além disso, a CLT determina não apenas o CPC, mas a legislação processual comum será aplicável ao Processo do Trabalho sempre que houver omissão de norma especial. 

 

4.2.2.2  Princípio da Cooperação

 

O princípio da cooperação ou da colaboração, vincula-se ao princípio da boa-fé supracitado e está expressamente previsto no art. 6º do CPC: “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.”  

Segundo Fredie Didier Jr., o princípio da cooperação tem por função:

[...] orienta o magistrado a tomar uma posição de agente-colaborador do processo, de participante ativo do contraditório e não mais a de um mero fiscal de regras. Essa participação não se resumirá a ampliação dos seus poderes instrutórios ou de efetivação de decisões judiciais (arts. 131 e 461, parág. 5º, do CPC). O magistrado deveria adotar uma postura de diálogo com as partes e com os demais sujeitos do processo: esclarecendo suas dúvidas, pedindo esclarecimento quando estiver com dúvidas e, ainda, dando orientações necessárias quando for o caso. Encara-se o processo como produto de atividade cooperativa: cada qual com as suas funções, mas todos com o objetivo comum, que é a prolação do ato final (...). O princípio da cooperação gera os seguintes deveres para o magistrado: A) dever de esclarecimento; b) dever de consultar; c) dever de prevenir. 

 

4.2.2.3 Princípio do respeito ao autorregramento da vontade das partes

 

O autorregramento decorre do próprio princípio da liberdade e este indicará que o melhor desfecho para um feito certamente é aquele em que as partes participam da solução e não aquele em que a uma delas se impõe a sucumbência ou a ambas a sucumbência recíproca. Porém, como ocorre em qualquer ramo do direito, a faculdade do autorregramento apresenta limites.  

Muito embora não estejam referidos nos 12 primeiros artigos do CPC que tratam das normas fundamentais, o Código de Processo Civil prestigia o princípio do respeito ao autorregramento da vontade em diversos artigos e, muito deles, podem ser aplicáveis ao Processo do Trabalho, como, por exemplo: a) o calendário processual, previsto no art.191 do CPC, ou seja, de comum acordo, as partes e o juiz poderão fixar a data para a prática dos atos processuais, como audiências, prazo para manifestações, prazo para a entrega de laudo pericial. Em relação a tais atos não haverá intimação; b) escolha consensual do perito (art. 471 do CPC) etc. 

Outro exemplo de aplicação do princípio do respeito ao autorregramento da vontade é a cláusula geral de negociação processual, prevista no art. 190 CPC. Isso significa que as partes poderão estabelecer mudanças de rito, como por exemplo, ampliar o número de testemunhas do procedimento sumaríssimo de 2 para 3 e, também, determinar que as custas processuais sejam pagas pelo reclamado ou que sejam sempre rateadas; ampliar ou reduzir os prazos; convencionar que os depoimentos das testemunhas poderão ser por escrito, realizados perante um tabelião; instituir que não haverá recurso, ou seja, que as partes aceitarão a decisão do juiz; firmar que o recurso ordinário terá efeito suspensivo ou que a execução será apenas a definitiva. Não há consenso na doutrina quanto à possibilidade de aplicação da cláusula geral de negociação processual no Processo do Trabalho, muito embora, em nossa opinião, seja cabível.  

 

4.2.2.4 Princípio da Imparcialidade do Juiz

 

O princípio da imparcialidade do juiz está intimamente ligado ao princípio do contraditório e da ampla defesa, pois a imparcialidade do magistrado na direção e condução do processo certamente assegurará a igualdade de tratamento das partes e, principalmente, a garantia de justiça. É o próprio art. 10 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, que estabelece que: 

Toda pessoa tem direito, em condições de plena igualdade, de ser ouvida publicamente e com justiça por um tribunal independente e imparcial, para a determinação de seus direitos e obrigações ou para o exame de qualquer acusação contra ela em matéria penal". 

 

O princípio em tela, significa que na justa composição da lide, a solução do conflito de interesse entre as partes só pode ser obtida por meio de processo regular, em que as partes tenham igualdade de tratamento, sob o regime do contraditório e da ampla defesa e perante um juiz imparcial. Além disso, a legislação processual civil (CPC, arts. 144 e 148) e a trabalhista (CLT, art. 801) estabelecem meios de preservação do princípio da imparcialidade do juiz, disciplinando as hipóteses de impedimento e suspeição dos órgãos julgadores que não poderão atuar em determinados processos. 

 

4.2.2.5 Princípio da Instrumentalidade ou da Finalidade 

 

O princípio da instrumentalidade ou da finalidade está consubstanciado nos arts. 188 e 277, ambos do CPC.  O princípio em comento, de aplicação subsidiária ao Processo do Trabalho (art. 769 da CLT), determina que são válidos os atos que, embora realizados de outra forma, alcançarem a sua finalidade, desde que a lei não preveja a sua nulidade, pois o processo não é um fim em si mesmo, mas tão somente um instrumento para que o Estado preste a jurisdição. Neste sentido é que se diz que o processo deve estar a serviço do direito material, e não o contrário. 

 

4.2.3 Princípios Peculiares do Direito Processual do Trabalho

 

São considerados princípios peculiares ao processo do trabalho: oralidade; da celeridade; informalidade; da finalidade social; concentração dos atos processuais; irrecorribilidade das decisões interlocutórias; da normatização coletiva; da desconsideração da personalidade jurídica; da extrapetição.   

Além destes, destacaremos alguns princípios próprios a este estudo:

 

4.2.3.1 Princípio da Conciliação

 

O princípio da conciliação é o basilar do direito processual do trabalho, a busca incessante da conciliação é a mais adequada para a solução célere de conflitos, a própria CLT versa que se exige a proposta de conciliação antes do recebimento da defesa (art. 846) e após as razões finais (art. 850). 

O art. 764 da CLT contempla, de forma explícita, o principio da conciliação, ao dispor que os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação. Neste contexto, os juízes e tribunais do trabalho empregarão sempre os seus bons ofícios e persuasão no sentido de uma solução conciliatória dos conflitos (art. 764, parág. 1º, da CLT). Frise-se que, mesmo após encerrado o juízo conciliatório, é lícito às partes celebrar acordo que ponha termo ao processo (art. 764, parág. 3º, da CLT). 

Por outro lado, necessário ressaltar que cabe ao juiz do trabalho, ao celebrar acordo, verificar a observância das normas de proteção ao trabalhador (normas imperativas, de ordem pública), bem como atestar se as bases acordadas não são prejudiciais ao obreiro, podendo o magistrado recusar a homologação do acordo  quando o mesmo representar, em verdade, renúncia de direitos pelo empregado (Súmula 418 do TST). 

 

4.2.3.2 Princípio da Proteção ou Tutelar

 

Pelo princípio da proteção, o caráter cautelar, protecionista, tão evidenciado no direito material do trabalho, também é aplicável no âmbito do Processo do Trabalho, o qual é permeado de normas, que, em verdade, objetivam proteger o trabalhador, parte hipossuficiente da relação jurídica laboral. Frise-se que não se trata de o juiz do trabalho instituir privilégios processuais ao trabalhador, conferindo tratamento não isonômico entre as partes, mas sim de o magistrado respeitar o ordenamento jurídico vigente, uma vez que a própria lei processual trabalhista é permeada de dispositivos que visam proteger o obreiro hipossuficiente, conforme acima exemplificado. 

Logo, o princípio da igualdade ou isonomia, previsto no art. 5o da CF/1988, determinando que todos são iguais perante a lei, é perfeitamente respeitado pelo Processo do Trabalho, pois é a própria lei instrumental trabalhista que cria alguns privilégios ao obreiro, para lhe garantir a isonomia em relação ao empregador. O princípio da igualdade, pois, consiste em tratar de maneira igual os que se encontram em situação equivalente e de maneira desigual os desiguais, na medida de suas desigualdades. 

Para melhor vislumbrar a aplicação de tal princípio tutelar, pode-se enumerar algumas regras processuais típicas constantes na CLT, tais como: A gratuidade de justiça, via de regra, é concedida apenas ao empregado (art.790,CLT) ; Nos casos de recursos, o depósito recursal é exigido apenas do empregador, quando este for o recorrente (art. 899, parág. 4º, CLT); O comparecimento à audiência é tratado de forma diferenciada. Se a ausência for do demandante (autor) a ação trabalhista será arquivada, o que proporciona ao autor, normalmente o empregado, a oportunidade de ajuizar uma nova ação perante a justiça especializada. Já a ausência do demandado, normalmente o empregador, importará em revelia, além de confissão quanto a matéria de fato (art. 844, CLT). 

 

4.2.3.3 Princípio da Majoração dos Poderes do Juiz ou do Ativismo Judicial

 

No princípio da majoração dos poderes do juiz do trabalho na condução do processo, este goza de amplos poderes, o que possibilita determinar qualquer diligência processual para formar seu convencimento em busca da verdade, observando o caráter social da Justiça do Trabalho e o direito processual trabalhista. 

Eis a nova postura do magistrado que os processualistas denominam de ativismo-cooperativo, em que se busca não a verdade absoluta, mas a verdade possível em sintonia com os elementos extraídos do diálogo com as partes e da análise das suas condições políticas, sociais, culturais e econômicas, o que possibilitará a máxima aproximação entre a realidade e o “devido processo justo e de resultados”. Se o princípio do ativismo judicial encontra-se em franca expansão nos sítios dos processo civil, salta aos olhos a necessidade de sua urgente aplicação no terreno do processo do trabalho. Afinal, neste há, em regra, situações de desigualdades de armas entre os litigantes, sendo o espaço natural para as demandas metaindividuais e uma atuação mais ativa do magistrado, estando positivado no enunciado do art. 765 da CLT: “Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.” 

 

4.2.3.4 Princípio do jus postulandi da parte

 

O princípio do jus postulandi está previsto no art. 791 da CLT, e diz respeito a possibilidade de empregado e empregador atuarem no processo, reclamando pessoalmente perante a Justiça do Trabalho sem a companhia de advogado, ou seja, perante os juízos de 1º grau e Tribunais Regionais.  A parte pode acompanhar o processo até o final nas instâncias ordinárias. Caso tenha a necessidade de atuar em instância extraordinária perante o TST deverá constituir advogado. 

 

4.2.3.5 Princípio da Indisponibilidade

 

Esse princípio constitui adaptação do princípio da indisponibilidade ou irrenunciabilidade do direito material do trabalho no campo do processo do trabalho. Justifica-se a peculiaridade do princípio da indisponibilidade nos sítios do processo do trabalho, pela considerável gama de normas de ordem pública do direito material do trabalho, o que implica a existência de um interesse social que transcende a vontade dos sujeitos do processo na efetivação dos direitos sociais trabalhistas e influencia a própria gênese da prestação jurisdicional especializada. Numa palavra, o processo do trabalho tem uma função precípua: a efetiva realização dos direitos sociais indisponíveis dos trabalhadores. 

Impende destacar, ainda, a aplicação do princípio ora focalizado na hipótese de substituição processual, pois ao sindicato (substituto processual) é vedado renunciar direitos metaindividuais veiculados em ação civil pública. Há de se destacar, contudo, que a ampliação de competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações oriundas de outras relações de trabalho (EC n. 45/2004), incluindo o trabalho autônomo, bem como as lides entre os sindicatos e entre os empregadores e os órgãos de fiscalização do trabalho, acabará mitigando aplicação do princípio da indisponibilidade nos domínios do processo do trabalho. 

Ao fim, impende a ressalva que o art. 2o, II, da IN/TST 39/2016 dispõe que não se aplica ao Processo do Trabalho, em razão de inexistência de omissão ou por incompatibilidade, o art. 190 e parágrafo único do CPC, que tratam da negociação processual, o que reforça a existência do princípio da indisponibilidade nos sítios do processo laboral. 

 

 

4.3 AS DISPOSIÇÕES DA IN Nº. 39/2016 DO TST SOBRE A NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL

 

Da vedação da aplicação no Processo do Trabalho e o Princípio Protetório

Com o advento da Cláusula Geral de negociação processual e a consequente permissão para diversas possibilidades de autorregramento das partes, algumas premissas que envolvem esta relação receberam singular destaque. No primeiro momento, “o dever de cooperação entre os litigantes como parte do primado da boa-fé processual” , vez que impõe a colaboração dos sujeitos processuais entre si, conjugando seus interesses em busca da solução da controvérsia. Da mesma forma, essa inovação confere especial importância à interação entre as partes em processo de negociação assegurando a elas uma participação efetiva na compreensão e garantia dos seus direitos. Teoricamente, os negócios jurídicos processuais seriam exequíveis nas relações trabalhistas, sob condição que ambas as partes dispusessem de assessoria técnico-jurídica, garantindo a concretude ao princípio da paridade de armas. Do contrário, acarretaria em um indício de vulnerabilidade, culminando na nulidade do negócio quando constatado este vício formal pelo juiz . O enunciado n. 18 do Fórum Permanente de Processualistas Civis  bem alude o descrito: "Há indício de vulnerabilidade quando a parte celebra acordo de procedimento sem assistência técnico-jurídica".

A preocupação com os profundos impactos do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 17.03.2015) no processo do trabalho gerando questionamentos e incertezas, impôs a necessidade um posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho sobre a matéria, mediante Instrução Normativa. Esta importante e oportuna normatização teve como tônica central e fio condutor permitir a invocação subsidiária ou supletiva do NCPC  somente caso haja omissão e também compatibilidade com as normas e princípios do Direito Processual do Trabalho.  Não obstante, o TST proferiu o seguinte entendimento:

A norma do art. 15 do NCPC não constitui sinal verde para a transposição de qualquer instituto do processo civil para o processo do trabalho, ante a mera constatação de omissão, sob pena de desfigurar-se todo o especial arcabouço principiológico e axiológico que norteia e fundamenta o Direito Processual do Trabalho. Nesta perspectiva, a Instrução Normativa identificou e apontou três categorias de normas do NCPC, com vistas à invocação, ou não, no processo do trabalho: a) as não aplicáveis (art. 2º); b) as aplicáveis (art. 3º); c) as aplicáveis em termos, isto é, com as necessárias adaptações (as demais referidas na IN a partir do art. 4º). 

Dito em outras palavras, a instrução Normativa nº 39/ 2016, positiva com clareza o entendimento do TST quanto à inaplicabilidade, pelo Direito Processual do Trabalho, do instrumento contido no art. 190 do NCPC, de acordo com a análise do disposto em seu art. 2º, II:

Art. 2º Sem prejuízo de outros, não se aplicam ao Processo do Trabalho, em razão de inexistência de omissão ou por incompatibilidade, os seguintes preceitos do Código de Processo Civil: II – art. 190 e parágrafo único (negociação processual). 

Em que pese a busca pela conciliação configure como meta do processo laboral, é inadmissível às partes a faculdade de transacionarem um negócio jurídico visando ditar regras processuais. A saber, tem-se como obstáculo à aplicação da negociação processual, a percepção de que tal instituto, corromperia o Princípio da Proteção ou Tutelar do Direito do Trabalho – a própria matriz ideológica do direito laboral – trazendo prejuízos ao agente processual hipossuficiente, o próprio trabalhador . Sobre está tônica, Carlos Henrique Bezerra Leite  vai lecionar que:

O princípio da proteção ou tutelar é peculiar tanto ao direito do trabalho quanto ao direito processual do trabalho. Por meio dele, busca-se compensar a desigualdade existente na realidade socioeconômica com uma desigualdade jurídica em sentido oposto. O princípio da proteção deriva da própria razão de ser do processo do trabalho, o qual foi concebido para realizar o Direito do Trabalho, sendo este ramo da árvore jurídica criado exatamente para compensar a desigualdade real existente entre empregado e empregador, naturais litigantes do processo laboral.

Fato é que o legislador trabalhista teve como objetivo estabelecer maior amparo e salvaguarda do obreiro, critério bem diferente do que ocorre no Direito Comum, onde o intuito é promover de todas as maneiras a igualdade das partes. Todavia, fica evidente que essa aparente desigualdade no trato dos litigantes laborais por meio da concessão de certos privilégios processuais ao empregado tem por fundamento igualar as partes na seara do Direito do Trabalho, de modo que a relativização dessa premissa terminaria por ferir o preceito basilar da tutela ao hipossuficiente. 

Isto posto, é possível influir que o princípio da proteção tem como fundamento assegurar a efetiva igualdade das partes, não obstando que para isso seja necessária a criação de normas protetivas a uma delas. Portanto, a aplicação prática deste princípio não promove a ruptura da isonomia dos contratantes, pelo contrário, incorrerá na perfeita aplicação da igualdade substancial, vez que não basta a igualdade jurídica para assegurar a paridade das partes, seja nas relações de direito material seja nas relações de direito processual14. Neste sentido, Cintra, Grinover e Dinamarco  afirmam que:

A absoluta igualdade jurídica não pode, contudo, eliminar a desigualdade econômica; por isso, do primitivo conceito de igualdade, formal e negativa (a lei não deve estabelecer qualquer diferença entre os indivíduos), clamou-se pela passagem à igualdade substancial. E hoje, na conceituação positiva da isonomia (iguais oportunidades para todos, a serem propiciadas pelo Estado), realça-se o conceito realista, que pugna pela igualdade proporcional, a qual significa, em síntese, tratamento igual aos substancialmente iguais. A aparente quebra do princípio da isonomia, dentro e fora do processo, obedece exatamente ao princípio da igualdade real e proporcional, que impõe tratamento desigual aos desiguais, justamente para que, supridas as diferenças, se atinja a igualdade substancial.

Em outras palavras, o princípio tutelar figura de forma complementar ao princípio da igualdade cujo qual tem por fundamento assegurar aos litigantes um mesmo patamar de igualdade, dado que o processo do trabalho tem normalmente como demandante a pessoa hipossuficiente do empregado, frente ao patrão demandado – lado forte da relação de emprego – geralmente, o detentor do poder econômico.

Clarificada a posição do TST sobre o tema, elencaremos alguns argumentos que defendem a expansão dos negócios processuais na seara trabalhista.

 

4.4 EMBATES A RESPEITO DA CLAUSULA GERAL DE NEGOCIAÇAO DO ART. 190 DO CPC/2015 E SUA (IN)APLICABILIDADE NO PROCESSO DO TRABALHO

 

Embora o TST tenha deixado clara a sua posição na IN n. 39/2016, existe o argumento que se contrapõe aos que estritamente se baseiam no Princípio Protetório no Direito Processual do Trabalho , e esse busca razão na redação do parágrafo único do art. 190, o qual dispõe:

De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.

Por extensão, ao arrasto dessa ideia que bem configura uma limitação à autocomposição das partes, importante ressaltar o trecho que segue:

(…) não reputamos ser possível a pactuação de negócio jurídico-processual que tenha por objeto deveres processuais imperativamente impostos às partes, sob pena de ser-lhe ilícito o objeto. Não vigora, ipso facto, o ‘vale tudo’ processual. O negócio jurídico-processual não tem, e nem deve ter, esta extensão. 

É neste ponto, pois, que cabe uma reflexão, e nas palavras de Carolinsk de Marco é possível vislumbrar que: 

(...) se, o juiz poderá anular ou mesmo recusar a aplicação de determinada convenção que de alguma forma fosse detectada a vulnerabilidade, subentender-se-ia que, aplicada, especificamente, ao direito laboral, a proteção do Estado ainda seria fornecida ao trabalhador, ou seja, o obreiro, na qualidade de hipossuficiente estará abraçado nas prerrogativas que sua condição lhe fornece, qual seja, o extenso e diferenciado cuidado. Poder-se-ia pensar, inclusive, que nem todo acordo processual seria feito para prejudicar o trabalhador: uma convenção para ampliar os prazos processuais em seu favor ou uma convenção sobre competência que possa atribuir um foro que seja mais benéfico. 

Dito de outra forma, o obreiro já dispõe de vasto arcabouço normativo e principiológico que o salvaguarda, bem como a destacada posição ativa do juiz no sentido de balizar a relação processual, logo, a liberdade de transacionar não deve ser óbice ao bom direito das partes, pois sua legitimidade estaria prévia e positivamente assegurada.

A despeito de não ser parte no negócio jurídico-processual, pode o magistrado incentivar os litigantes a celebrar ajustes nesse sentido, notadamente quando o direito material envolvido no litígio exigir um rito processual diferenciado, seja por sua complexidade ou por sua simplicidade. Com o advento do princípio da cooperação e do dever anexo de consulta e prevenção, deve o órgão julgador, antes de proferir decisão interlocutória rejeitando o acordo processual proposto pelas partes, assinalar prazo e facultá-las a possibilidade de corrigir, orientando-as acerca das antijuridicidades existentes no pacto com o desiderato de sanar os vícios porventura existentes, sob pena de rejeição. Isso evidencia a ideia de que o magistrado não é parte da convenção processual mas é indispensável e atuante fiscal. Consoante Caponi:

O ordenamento jurídico confere às partes um espaço de liberdade dentro do qual é permitido convencionar acerca do processo judicial. O juiz, por sua vez, deve respeitar as convenções celebradas dentro desse espaço, mas atuar constantemente como agente fiscalizador. 

O dever de prevenção consiste no imperativo de o órgão jurisdicional alertar as partes sobre possíveis deficiências ou insuficiências dos seus argumentos ou requerimentos. É um convite para o aperfeiçoamento das alegações deduzidas pelos litigantes.  E essa atuação judicial encontra respaldo no art. 10, do CPC/2015, que, ao materializar o contraditório substancial, preceitua:

O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.  

Por conseguinte, impende lembrar que o art. 4º da IN n. 39/2016 do TST  manda aplicar ao Processo do Trabalho as normas do CPC que regulam o ‘princípio do contraditório’, em especial os arts. 9º e 10, no que vedam a decisão surpresa. 

Observe-se, pois, que todos os princípios norteadores da relação trabalhista evidenciam a proteção ao trabalhador e, por conseguinte, a sua vulnerabilidade, afinal é da necessidade de se alcançar a igualdade material que se observa a vulnerabilidade do obreiro.

Como é sabido, a ausência da manifesta situação de vulnerabilidade é requisito de validade do negócio jurídico processual, uma vez que sua existência causaria uma situação de desigualdade, de desequilíbrio, na relação processual. Essa situação de desigualdade é rechaçada pelo sistema e a legislação impõe como mecanismo hábil para este controle a atuação do magistrado que deve exercer seu papel, inclusive, de ofício.  

No Direito Consumerista já é clara a diferença entre os termos Hipossuficiência e Vulnerabilidade, onde este último estaria ligado ao Direito Material, e aquele ao Direito Processual , vide o Art. 6º, inciso VIII, do CDC .

A vulnerabilidade, entretanto, pode ser processual ou material, sendo ambas entendidas como características que devem ser tratadas casuisticamente para que se possa celebrar negócios jurídicos processuais.   

Neste sentido, Barbosa Moreira  traçará em seus estudos a diferenciação entre os indícios e as presunções de vulnerabilidade, entendendo que as presunções são formadas a partir dos indícios. O autor explica que, “há na verdade dois fatos: o fato- indício e o fato a cujo respeito preciso formar convicção para decidir a causa”. Assim, o indício gera uma diretriz para nortear a análise de determinada situação, enquanto a presunção gera a solução. O primeiro é uma dúvida, uma desconfiança; a segunda, uma convicção. Com efeito, a presunção repercute em um novo fato, trazendo, assim, uma consequência objetiva. Já o indício, aponta uma possibilidade. Logo, no que concerne ao negócio jurídico processual, “a presunção da vulnerabilidade levaria à negativa de aplicação do ato jurídico pelo magistrado. Por outro lado, o indício da vulnerabilidade deve alertar o magistrado sobre a possibilidade de sua configuração no caso concreto”. 

Isto posto, alcança-se o entendimento que não é possível presumir que o vulnerável materialmente considerado será necessariamente vulnerável para celebrar negócio jurídico processual, uma vez que “o sujeito será ou não considerado em situação de vulnerabilidade a partir da relação estabelecida entre o próprio sujeito ou o direito litigioso e a outra parte”.  

A vulnerabilidade material, portanto, embora possa figurar um indício de vulnerabilidade no processo, não o promove na mesma medida na celebração de negócios jurídicos processuais. Pois, ainda que a vulnerabilidade material repercuta no processo, como no caso da inversão do ônus da prova, prevista pelo CDC, ela não impede a realização do negócio. E, se a vulnerabilidade material não obsta a realização de convenção processual, em hipótese alguma ela poderá ser taxada como uma presunção de vulnerabilidade negocial, visto que não se configura como impedimento de celebração do negócio jurídico processual, tampouco gera a sua consequente negativa de aplicação. Diante deste argumento é admissível que não apenas os trabalhadores, mas como também os consumidores, as pessoas com deficiência, o idoso, o índio, a criança ou o adolescente, as mulheres que sofrem agressões, os alimentandos, as pessoas submetidas a tratamentos biomédicos, dentre outros, embora sejam considerados vulneráveis materiais e gozem de maior proteção legislativa, estariam sim autorizados a negociar processualmente. 

Ademais, o princípio do ‘ativismo judicial’, inspirador da conduta habitual, auxilia na formação de material jurídico positivo, na medida em que se reconhece que a aplicação do direito é produção de direito como norma agendi.   Nas lições de Evandro Gueiros Leite, ex-ministro do STJ:

O ativismo condiz, pois, com a contextualidade do Direito Processual Civil, no pertinente à atividade jurídica e à ação judiciária: atuação de um Poder (política); função do jus dicere (finalidade); processo e organização (instrumentalidade). Dentro desse quadro, o estudioso pode aderir a um novo princípio de legitimidade ou a uma nova ideia de direito, com o juiz como figura principal (...) O ativismo do juiz atua sobre o comportamento deste no processo, em busca de um direito judicial, menos submisso às leis ou à doutrina estabelecida e às convenções conceituais. Não importa numa simples, embora ágil, aplicação da norma e que a deixe inalterada. Nem é atitude voluntariosa, mas tomada de consciência no presente e diretriz de decisões futuras. 

Em outros termos, propõe-se uma postura mais assertiva da figura do juiz perante o processo judicial, e, em sua cruzada pela promoção do melhor direito possa alcançar, por consequência, uma justiça que bem represente o papel jurisdicional do Estado, na medida em que as situações são avaliadas pela ótica de cada caso guiadas por um espírito de vanguarda e ativista.

Frise-se que embora o magistrado tenha o dever de fiscalizar a validade do negócio, não é seu dever analisar a conveniência da convenção processual. É isso que se depreende do art. 190 do CPC/2015. A regra revela um “meio termo entre a autonomia das partes e interesse público”, ou seja, um verdadeiro equilíbrio entre a vontade das partes e o controle judicial. 

Portanto, demonstra-se que seria auspicioso, mesmo na Justiça do Trabalho marcadamente dotada de um grau de indisponibilidade maior, haver uma constante e profunda análise a respeito da negação genérica de toda e qualquer convenção processual, colocando em escrutínio a premissa atual de que prejudicaria ou violaria a proteção do trabalhador. Esse debate pode ser profícuo no que diz respeito a admissibilidade das convenções, verificando-se casuisticamente a sua compatibilidade com a ideologia protetiva, própria do processo do trabalho, resultando na extensão do rol de benefícios e facilidades ao obreiro. Por fim, estaria a cabo do magistrado, como já vigora a praxe, a promoção ao respeito, ao equilíbrio entre as partes e à paridade de armas, para que, uma delas, em razão de atos de disposição de seu adversário, não se beneficie de sua particular posição de vantagem em relação à outra quanto ao direito de acesso aos meios de defesa. 

 

 

 

 

 

5 CONCLUSÃO

 

 

É notório que a sociedade evoluiu e, concomitantemente, o Estado passou por diversas fases até alcançar o atual período histórico, na qual importa saber que os direitos e garantias não gozam de caráter absoluto, mas sim, são relativizados frente a apreciação de outros princípios, muitos dos quais resguardados e ativamente protegidos pelo próprio Estado. Nesse embate titânico principiológico, destacamos o direito à liberdade, igualdade processual e a proteção ao vulnerável, bem como seus desdobramentos jurídicos que envolvem diretamente a faculdade de autorregramento das partes em um processo.

Extraímos deste estudo que o princípio da liberdade e, consequentemente, à autonomia privada encontram limitações impostas pelo ordenamento jurídico pátrio, não obstante ele possua uma função social, pois o ser humano tem a necessidade de se autorregrar, o que não deixa de ser um desdobramento do direito aqui levantado.

No intuito de melhor compreender o autorregramento da vontade, a pesquisa perpassou por breves considerações acerca da autonomia da vontade e da autonomia privada, visando esclarecer os diferentes delineamentos que a vontade assumiu em distintos momentos da produção jurídica. Concluímos que o autorregramento da vontade corresponde ao espaço que o ordenamento jurídico concede aos jurisdicionados para que regulem seus próprios interesses, dentro de limites previamente por aquele fixados.

Exploramos a liberdade contratual e seus desdobramentos no plano da existência que exigem o cumprimento dos deveres de informação e de transparência, bem como no plano da validade na qual a liberdade é exercida dentro das limitações valorativas constitucionalmente impostas. Demos destaque ao negócio jurídico como principal expressão do autorregramento da vontade. 

Foi imprescindível a análise da teoria do fato jurídico, segundo a qual as normas jurídicas incidem sobre os fatos da vida, discriminando aqueles que lhe interessam e trazendo-os a apreciação e salvaguarda jurídica. E uma vez que se trata de conceituação lógico-jurídica fundamental, a teoria do fato jurídico se aplica a diversos campos albergados pela Teoria do Direito, a exemplo da seara processual civil.

Observamos que a natureza jurídica do negócio processual ostenta caráter misto, sendo regulado, concomitantemente, por normas de natureza processual, material e, sobretudo, constitucional.

Por sua vez, vimos que o Código de Processo Civil brasileiro de 2015 ambicionou um sistema processual inovador, cooperativo, visando a paridade de tratamento no que se refere ao exercício das faculdades e direitos processuais, bem como a acentuada garantia do contraditório e da ampla defesa, inaugurando ainda a viabilidade de realização de negócios processuais típicos e os atípicos, garantindo às partes alcançaram maior liberdade de autorregramento dos seus interesses dentro do processo, com a aptidão de promover alterações no procedimento. 

O art. 190 do CPC/2015 autoriza a negociação processual para os processualmente capazes, sobre direitos que admitam autocomposição, ao mesmo tempo que atribui ao magistrado, de ofício ou a requerimento, a obrigação de controlar a validade de tais convenções, devendo recusar a aplicação se envolver parte que se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.

Constatou-se que o Direito do Trabalho que se apropria de forma subsidiária do Processo Civil como fonte, nos casos de omissão legislativa da matéria e quando houver compatibilidade com as normas e princípios laborais, teve entendimento estabelecido pelo Tribunal Superior do Trabalho, através da Instrução Normativa de número 39/2016, proferindo a inaplicabilidade dos negócios processuais jurídicos pela seara trabalhista. 

Logo, apesar de a conciliação ser a tônica do processo laboral, não se admite a possibilidade das partes ajustarem um negócio jurídico para estabelecer regras processuais, o que pode ser caracterizado como um verdadeiro disparate em uma rápida análise. O grande entrave para a aplicação da negociação processual, seria a ideia de que tal instituto, violaria a matriz ideológica protetoria do Direito do Trabalho, e, poderia prejudicar a parte tida como hipossuficiente, ou seja o próprio trabalhador.

Através da pesquisa bibliográfica foram investigados os princípios que norteiam o processo do trabalho, bem como alguns argumentos que fomentam a discussão que envolve o proibitório da cláusula de negociação geral pelo obreiro e sua contraparte processual. A pretensão foi demonstrar fundamentos que possam alcançar êxito em superar a barreira dogmática protecionista do hipossuficiente e do vulnerável erigida pelo direito laboral, sem, no entanto, trazer prejuízo ao obreiro em suas garantias jurídico-processuais.  

Uma vez que a ausência da manifesta situação de vulnerabilidade é requisito de validade do negócio jurídico processual, e seguros que essa situação de desigualdade é rechaçada pelo sistema na medida em que a legislação impõe como mecanismo hábil para este controle a atuação do magistrado que deve exercer seu papel, inclusive, de ofício. Ficou claro que o obreiro já dispõe de vasto arcabouço normativo e principiológico que o salvaguarda, sendo ainda tutelado objetiva e diretamente pela privilegiada posição ativa impendida ao juiz no sentido de “fiscalizar” a relação processual. Logo, a liberdade de transacionar não deve ser óbice ao bom direito das partes, pois sua legitimidade estaria prévia e positivamente assegurada.

Compreende-se também que não é possível presumir que o indivíduo considerado vulnerável materialmente será obrigatoriamente vulnerável para celebrar negócio jurídico processual, pois o sujeito só será considerado em situação de vulnerabilidade ou não, diante da relação estabelecida entre o próprio sujeito ou o direito litigioso e a outra parte.

Razão pela qual chega-se ao entendimento que as convenções processuais correspondem a ferramenta imprescindível que, quando adequadamente utilizadas, em respeito aos limites constitucional e legalmente impostos, não representa impedimento ao processo justo. De maneira oposta, fornece insumos promovendo a tutela jurisdicional a patamares de efetividade e adequação às peculiaridades do direito material posto em litígio até então impensáveis, motivo pelo qual se acredita que o autorregramento da vontade auxilia e verdadeiramente integra o modelo constitucional de processo.

Por fim, acredita-se piamente que a Justiça do Trabalho pode seguir evoluindo na promoção do bom direito, ao aprofundar a análise da vedação genérica de toda e qualquer convenção processual, desmitificando a premissa que haveria prejuízo ou violação da proteção do trabalhador com a admissibilidade do negócio jurídico atípico. Sugere-se que a individualização através do exame de forma casuística quanto a compatibilidade das convenções processuais com a ideologia protetiva processual do trabalho, poderá ensejar na expansão do rol de benefícios e facilidades ao obreiro. Estando seguro que, o magistrado atuará prontamente na guarnição do respeito ao equilíbrio entre as partes e à paridade de armas, rechaçando quaisquer benefícios de particular posição de vantagem em relação à outra, quanto ao direito de acesso aos meios de defesa, em virtude de atos de disposição de seu adversário.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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