Círculos da vida Existe uma afirmação, a partir de Aristóteles dizendo que o ser humano é políticos o que, por um lado pode ser verdadeiro, de outro ponto de vista é bastante duvidoso. A partir de uma perspectiva hebraica, grega e depois também cristã, aprendemos a olhar para a história da humanidade numa perspectiva linear, com começo, meio e fim. Mas também esta pode não ser a melhor verdade para explicar as realizações e comportamentos humanos. O que estamos querendo dizer é que, de tanto ouvirmos e falarmos algumas coisas, acabamos repetindo isso como se fosse uma verdade acabada. Mas as coisas não são definitivas, pois o que é pode não ser, por mais paradoxal e aparentemente ilógico que isso possa parecer. Tomemos apenas um exemplo: um medicamento que pode curar uma determinada enfermidade, pode produzir outras ou ser veneno em determinadas circunstâncias. Por isso, mais uma vez: as coisas não são definitivas, mas por um certo comodismo mental acabamos acreditando que tudo é o que é; apenas isso. A propósito disso e do ano que se inicia, vamos partir de uma constatação que contradiz a afirmação de que vivemos num processo histórico linear. Por isso pense bem, você já reparou que anos após ano, repetimos sempre os mesmos rituais? Pois observe! Embora digamos que realizamos coisas diferentes e produzimos progresso, na realidade dia após dia, nos levantamos, cumprimos os mesmos rituais (higiene pessoal, café da manhã, trabalho) e voltamos para adormecer para, no dia seguinte e semana e mês e ano seguintes repetirmos o mesmo ritual. É uma vida em círculo! Nossos festejos, manifestações culturais, folclóricas e os grandes eventos. Nada mais são do que, ano após ano, repetição ? e processo de recordação ? dos mesmos fatos. Sempre fazemos questão de nos lembrarmos de nosso aniversário. Embora em épocas diferentes, todos os anos aguardamos o tempo do carnaval. Repetimos os mesmos gestos e saudações na páscoa. E no final do ano fazemos sempre as mesmas viagens e reuniões familiares para comemorar o natal e ano novo (os lugares podem ser diferentes e as pessoas podem ser outras, mas repetimos a mesma comemoração). Por essas e por outras é que podemos dizer, sem desmerecer a dimensão linear da história (pois as coisas são e não são o que são), que vivemos em círculos. Isso se manifesta também em nossos propósitos e objetivos. Em cada fim de ano ? e começo de outro ? repetimos os propósitos: deixar de fazer tal coisa, começar a realizar uma outra... Parar de fumar, parar de beber, fazer dieta para emagrecer, começar a fazer exercícios físicos para melhorar a saúde, mudar de amor, reformar a casa, estudar mais para passar num concurso... velhos propósitos não realizados e que não se realizarão, pois permanecemos na mesma vida cotidiana de repetições corriqueiras. Os propósitos e planos são feitos no momento da festa, no momento da passagem de um ano para o outro; são feitos para não serem cumpridos! Mas como nossa vida é cíclica, repetimos os propósitos, mas não produzimos as condições para que os propósitos se realizem. E por isso, em alguns casos, até nos frustramos, pois gostaríamos de fazer o que não fazemos nem faremos. Esse comportamento, podemos dizer, é uma das características do ser humano. O ser humano, entre outras coisas, é fantasioso. Cria milhares de propósitos que nunca se realizarão e se coloca incontáveis objetivos que jamais serão atingidos. Mas, ciclicamente, os renova, como se isso fosse uma forma de dar sentido à vida. Por outro lado é compreensível que as coisas sejam um processo de repetição de atos e fatos e expectativas. Se assim não fosse, nossa vida e o mundo, seriam processos constantes, cotidianos de reacomodação, reaprendizagens, produzidos pelas constantes inovações. Pense como seria complicado e difícil viver num mundo de incertezas, pois as novidades produzem incertezas. Incertezas, pois se não fosse como é, a cada dia teríamos que reaprender a escovar os dentes, fazer um esforço para descobrir onde conseguir o sal para temperar uma nova combinação de alimentos nunca antes provada e que não comeríamos novamente. A cada manhã olharíamos para o lado e nos perguntaríamos: com quem dormi esta noite? Na realidade nossa vida é cíclica, mas isso nos satisfaz. Deixamos as novidades, grandes ou pequenas, para apenas alguns momentos espaciais. Grandes descobertas cientificas são raras, da mesma forma que muito raramente trocamos de amor. Até nos apaixonamos por uma linda pessoa que vemos passar, mas raramente nos recordamos dela no final do dia. Sonhamos com grandes invenções revolucionarias, mas permanecemos com as traquitanas cotidianas. O progresso não é cotidiano, mas realizado por saltos esporádicos. E, entre os saltos do progresso ou desenvolvimento social, científico ou pessoal nos acomodamos e nos realizamos curtindo o cotidiano repetindo sempre as mesmas coisas. É uma vida vivida em círculos. E um novo ano que se inicia é um recomeço de mais um círculo da vida; pode até ser novo, mas será mais um círculo. Neri de Paula Carneiro ? Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador. Leia mais: ; ; ; ;