Cidadania e Direitos Humanos
Por Emanuel Isaque Cordeiro da Silva | 04/12/2018 | SociedadeEmanuel Isaque Cordeiro da Silva
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Currículo Lattes
Introdução a cidadania e aos direitos humanos
Há uma vinculação direta entre democracia, cidadania e direitos humanos. Uma sociedade será mais democrática à medida que os direitos de cidadania se ampliarem para uma quantidade maior de seus membros. Nesse sentido, qual é o critério utilizado para definir o grau de expansão da cidadania em uma sociedade?
• Cidadania
Com base na trajetória histórica inglesa, o sociólogo T. H. Marshall estabeleceu uma divisão dos direitos de cidadania em três estágios. O primeiro ocorre com a conquista dos direitos civis (garantia das liberdades individuais, como a possibilidade de pensar e de se expressar de maneira autônoma), da garantia de ir e vir e do acesso à propriedade privada. A conquista desses direitos foi influenciada pelas ideias iluministas e resultou da luta contra o absolutismo monárquico do Antigo Regime. Esse processo teve como resultado maior o advento da isonomia, ou seja, da igualdade jurídica.
O segundo estágio refere-se aos direitos políticos, entendidos como a possibilidade de participação da sociedade civil nas diversas relações de poder presentes em uma sociedade, em especial a possibilidade de escolher representantes ou de se candidatar a qualquer tipo de cargo, assim como de se manifestar em relação a possíveis transformações a serem realizadas. Os direitos políticos têm relação direta com a organização política dos trabalhadores no final do século XIX. Ao buscar melhores condições de trabalho, eles se utilizaram de mecanismos da democracia – por exemplo, a organização de partidos e sindicatos – como modo de fazer valer seus direitos.
Por fim, o terceiro estágio corresponde aos direitos sociais vistos como essenciais para a construção de uma vida digna, tendo por base padrões de bem-estar socialmente estabelecidos, como educação, saúde, lazer e moradia. Esses direitos surgem em decorrência das reivindicações de diversos grupos pela melhora da qualidade de vida. É o momento em que cidadãos lutam por melhorias no sistema educacional e de saúde pública, pela criação de áreas de lazer, pela seguridade social etc.
Por ter sido construída tendo como referência o modelo inglês, a tipologia cronológica de Marshall recebeu críticas ao ser aplicada como modelo universal.
Ao longo desse percurso, muitas constituições, como a estadunidense (1787) e a francesa (1791), preconizaram o respeito aos direitos individuais e coletivos, o que hoje é incorporado pelas instituições de diversos países. Podemos destacar outras iniciativas que tinham o mesmo objetivo, como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).
E o que define hoje um cidadão? De acordo com Marshall, cidadão é aquele que exerce seus direitos civis, políticos e sociais de maneira efetiva. Percebe-se que o conceito de cidadania está em permanente construção, pois a humanidade se encontra sempre em luta por mais direitos, maior liberdade e melhores garantias individuais e coletivas. Ser cidadão, portanto, significa ter consciência de ser sujeito de direitos – direito à vida, ao voto, à saúde, enfim, direitos civis, políticos e sociais.
A ideia de direitos humanos têm como contrapartida a de deveres, uma vez que os direitos de um indivíduo são condicionados ao cumprimento de seus deveres. O Estado, por sua vez, tem o dever de garantir os direitos humanos, protegendo-os contra violações (embora, em muitos casos, ele próprio as cometa, desrespeitando a Constituição). No Brasil, a extensão dos direitos de cidadania é bastante restrita. Apenas uma parcela da população tem acesso aos direitos básicos. Diversos grupos têm seus direitos violados constantemente. Exemplos disso são os casos de violência contra a mulher, que muitas vezes são ignorados ou minimizados pela sociedade e pelo Estado.
• Direitos Humanos
A ideia de direitos humanos como algo extensivo a todos os indivíduos surgiu após a Segunda Guerra Mundial, diante das barbaridades e efeitos destrutivos produzidos pelo conflito. A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada em 10 de dezembro de 1948 pela ONU, criada em 1945 com o objetivo de proporcionar o diálogo e impedir conflitos entre os países por questões políticas, econômicas ou culturais. A Declaração teve por base os direitos essenciais à vida e à liberdade e o reconhecimento da pluralidade como meio de combater ações disdiscriminatória.
Uma série de tratados internacionais de direitos humanos e outros instrumentos adotados desde 1945 expandiram o corpo do direito internacional sobre os direitos humanos. Eles incluem a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio (1948), a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965), a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979), a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006), entre outras.
Os direitos humanos são valores que visam ao respeito mútuo em detrimento dos privilégios restritos a determinados grupos, por isso não devem ser pensados como benefícios particulares ou privilégios de grupos elitizados. Como sabemos, a simples declaração de um direito não faz necessariamente que ele seja implementado na prática, mas abre espaço para sua reivindicação. Uma das características básicas dos direitos humanos é o fato de estabelecerem que a injustiça e a desigualdade são intoleráveis.
É preciso perceber que os indivíduos não são apenas beneficiários no processo histórico de afirmação dos direitos humanos, mas também autores responsáveis pela construção e pela reivindicação da expansão e da garantia desses direitos. Todas as conquistas relacionadas aos direitos humanos são resultado de processos históricos, das mobilizações e de demandas da população.
Assim, as lutas por igualdade e liberdade ampliaram os direitos políticos e abriram espaços de reivindicação para a criação dos direitos sociais, dos direitos das chamadas “minorias” – mulheres, idosos, negros, homossexuais, jovens, crianças, indígenas – e do direito à segurança planetária, simbolizado pelas lutas ecológicas e contra as armas nucleares. Já as lutas populares por participação política ampliaram os direitos civis: direito de opor-se à tirania, à censura, à tortura; direito de fiscalizar o Estado por meio de associações, sindicatos ou partidos políticos; direito à informação sobre as decisões governamentais.
A divisão entre direitos civis, políticos e sociais não deve nos levar a perder de vista uma característica intrínseca aos direitos humanos: sua indivisibilidade. Isso equivale a dizer que os direitos não podem ser exercidos de maneira parcial. Todas as pessoas devem gozar do conjunto total de direitos e de cada um na sua totalidade. De acordo com a Declaração e Programa de Viena, de 1993, todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. Portanto, devem ser tratados de modo global, justo e equitativo. Embora as características específicas de local, contexto e cultura precisem ser levadas em consideração, é dever do Estado promover e proteger todos os direitos humanos de maneira integral, independentemente de qual seja seu sistema político, econômico e cultural.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1967.
SILVA, A. et al. Sociologia em movimento. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2016.