Cheiros do Pará

                Está um sol de lascar! De repente, uma nuvem escura se aproxima e a chuva começa a cair. Finos pingos d´água recém-liquefeitos tocam o asfalto negro e quente. Como chegam, voltam para a atmosfera, agora como vapor que se forma no exato momento de seu choque com o chão aquecido. Simultaneamente, exala um cheiro, um bom cheiro de chuva. No campo, ontem roçado, o cheiro que a chuva recém-chegada faz é de mato. Mato novo, clorofiliano.

                De volta à cidade, outros cheiros poluem ou aromatizam o ar. É o bom cheiro da antiga fábrica de sabonetes. Não conheces? Então não és belenense. Sugestão: dá uma passada ali pelo bairro do Reduto...

                Fostes ao Ver-o-peso? Então sentistes o cheiro (mau) que exala da lama da famosa doca. Entre barcos, vigilengas, igarités, canoas e outras montarias, os restos da feira decompõem-se e atraem os urubus, fies lixeiros da natureza.

                Depois do almoço, ou à tardinha depois da sesta, tem o cheiro das torrefadoras de café. Puro ou nem tanto, o cheiro se espalha levado pelo vento terral.

                Cedo, na hora dos ônibus começarem a circular, tem o cheiro das panificadoras. É o aviso, para que daqui a pouco, os fregueses se dirijam para comprar o pão nosso, bromatizado ou não, de quase todos os dias...

                É hora do rush. As avenidas estão engarrafadas. Veículos por todos os lados, ou quase isso. O ar fica esbranquiçado, acinzentado e o mau cheiro dos gases e partículas expelidos pelos motores toma conta dos primeiros dez ou quinze metros da atmosfera. As mangueiras, as acácias, os oitizeiros, as castanholas e outras árvores das ruas trabalham dobrado para retirar o CO2 do ar. Será que conseguem? Em troca ficam com as folhas, os galhos e troncos enegrecidos pela fuligem.

Tem um cheiro que é restrito. Criminosamente restrito às crianças e aos adolescentes da rua. Sai das lojas e em vez de ir para os sapatos, vão para as mãos desassistidas dos menores e quase adultos. Das garrafinhas descartadas de água mineral que lhes serve de depósito, até as narinas. É o cheiro da cola. Diz que mata a fome... E a esperança também.

                À tarde – para alguns, a toda a hora – tem o cheiro inigualável e verdadeiramente típico do Pará. O do tucupi cheiroso, fervendo na panela da tacacazeira. Tem mais. O cheiro da pimenta que esquenta ainda mais a singular iguaria paraense.

                Nas semanas que antecedem o Círio de Nazaré tem o cheiro inconfundível da maniva posta a ferver para preparar a original maniçoba.

                Agora, cheiro ruim mesmo é o do “chem” de Ananindeua, uma das cidades da região metropolitana de Belém. A decomposição do lixo doméstico a céu aberto, espalha pelas cercanias o mau cheiro. Madrugada destas, o cheiro invadiu quase toda a cidade de Belém. Eram quase três horas da madrugada. Uma névoa às vezes espessa, às vezes rala, cobria os prédios da cidade. O ar não corria. Estava abafado. Lembrei-me do fenômeno da inversão térmica. É frequente em cidades com altos índices de poluição do ar como São Paulo. Será que Belém “ganhou” a sua?

                Por fim, o cheiro mais cheiroso é o “cheiro do Pará”. Fragrâncias apreendidas das essências nativas da floresta amazônica. Perfumes acondicionados em saquinhos de papel e em vidros que exalam natureza. Levam para todos os cantos do mundo o cheiro da mãe-natureza. É como um alerta. Uma mensagem para que o homem se lembre da Terra, como a mãe que perfuma seu filho querido.