“Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: "Navegar é preciso;  viver não é preciso".  Quero para mim o espírito [d]esta frase, transformada a forma para a casar como eu sou:  Viver não é necessário;  o que é necessário é criar.   
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.   
Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo. Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha. Cada vez mais assim penso. Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir   
para a evolução da humanidade. É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.” [1]

Fernando Pessoa, traz à baila a importância que atribuía ao processo criativo e de manifestação do pensamento como forma de realização do indivíduo.

A livre manifestação é tutelada pela Constituição Federal, especialmente, em seus artigos 5º, IX: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;” e 220: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”

Não poderia ser diferente a importância atribuída a este princípio, uma vez que é condição sine qua nom para a democracia. Constitui sustentáculo do Estado democrático de Direito. Tem como principal desdobramento a liberdade de imprensa, que, para Uadi Lammêgo Bulos, “é o corolário máximo da liberdade de comunicação nas democracias”[2] e para Paulo Gustavo Gonet Branco “um dos mais relevantes e preciosos direitos fundamentais”[3]

Nos casos em que houver choque entre direitos fundamentais e consequente ofensas à honra e à imagem, são cabíveis reparações civis e, inclusive, reprimendas constitucionais. A doutrina e jurisprudência, entendem pela possibilidade de censura, nos casos que ensejam violações a direitos e garantias fundamentais – abrindo PERIGOSÍSSIMO PRECEDENTE – que permite censura prévia.

Conforme artigo publicado em 17/12/2017 no sítio Gazeta do Povo[4], “Os juízes que decidem conceder uma tutela antecipada impedindo a circulação de informação antes de sua veiculação se baseiam no chamado poder geral de cautela do Judiciário, que decorre do inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal (CF)”, levantamento trazido pela mesma notícia oferece dados alarmantes: dos 3018 casos de ações para impedir divulgação de informações, 474 peticionam proibição da divulgação antes de sua publicação – os anos de eleição em relação aos não-eleitorais têm 20 vezes mais processos dessa natureza. Cita-se o processo pelo qual O Estado de S. Paulo, fora impedido desde julho de 2009 a publicar informações a respeito da investigação envolvendo o filho do ex-presidente José Sarney (PMDB).

“Pai, afasta de mim este cálice (cale-se)”[5] – entende-se divergentemente em relação à doutrina, compreendendo ser a censura prévia verdadeira aberração moral e jurídica que constitui afronta direta à democracia e, por consequência à ordem constitucional. Nos casos em que houver violação de direitos fundamentais são admissíveis apenas reparações civis e responsabilizações penais.

Submeter a análise prévia ou suspender notícias antes de sua publicação é prática típica de regimes autoritários e constitui arbitrariedade inaceitável "Não é o Estado que deve estabelecer quais opiniões que merecem ser tidas como válidas e aceitáveis; essa tarefa cabe, antes, ao público a que essas manifestações se dirigem"(BULOS,2018 - obra citada).Faz-se imprescindível finalizar com a máxima de Voltaire: “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las”.

 

[1]  PESSOA, Fernando. O eu profundo e os outros eus. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015. Seleção Afrânio Coutinho. p.13

[2] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 11. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018 p.590

[3] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p.267

[4] http://www.gazetadopovo.com.br/justica/censura-e-responsabilidade-os-dilemas-da-liberdade-de-expressao-no-brasil-9nbr27gmy36o9egr6gkhr9wy3

[5] HOLLANDA, Francisco Buarque de; GIL, Gilberto. Cálice(Cale-se).1978.