PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 25.08.2010, horário: 16:00 horas:

Estava na Delegacia de Polícia de Rio Negrinho para realizar mais uma audiência, quando me defrontei com os Delegados Sobreira (ingressou no ano de 2008) e Rubens (ingressou no ano de 2003). A realidade daquela  repartição policial era bem diferente de outras épocas, especialmente, do período do Delegado Adalberto Ramos,  policial antigo, da velha guarda, distante da modernidade, das novas tecnologias, não introduzido nas ferramentas da informática. Enfim, Adalberto era uma excelente pessoa, mas possuía suas limitações, na verdade era da geração do Delegado Pedro Benedeck Bardio (o “Pedrão”), assim como seu irmão, os Delegados Nilton Andrade, Ademir Serafim e tantos outros... Essa safra de Delegados novos que ingressaram na “Era Lipinski”, quando os concursos da Polícia Civil passaram a ser realizados por “universidades” assegurou que novos valores ingressassem na instituição... Essas mudanças nos concursos trouxeram problemas, como por exemplo, candidatos de vários Estados do país, os chamados “concurseiros”, sem perfil e vocação, mas preparados, acabavam ingressando na instituição, usando-a como trampolim para fazer outros concursos, então, enquanto não passassem, permanecia trabalhando daquele jeito... Outro problema, candidatos de outros Estados desconheciam totalmente a realidade histórica, social e econômico de Santa Catarina. Também, não nutriam qualquer relação de amor com a instituição, estavam apenas de passagem e se não conseguissem aprovação em outros concursos públicos, ficavam contando o tempo para se aposentarem... Mais, ainda, muitos deles deixavam famílias distantes, então, se desdobravam em estar aqui e lá... e por aí vai.

No caso do Delegado Adalberto, já havia ultrapassado em muito o lapso para se aposentar, mesmo assim, por amor a camisa e acreditando que estava fazendo o seu melhor, permanecia ainda em atividade…

Já o Delegado Sobreira era um caso à parte, digamos, uma exceção a essa regra dos “concurseiros”, incorporava a figura do titular da repartição, externava gestos altivos e afeitos a um profissional consciente dos seus deveres e que incorporava um perfil de Delegado-Autoridade. Sobreira dava a impressão nítida de ser um profissional preparado para o cargo e como se já tivesse assimilado as noções de como se dar bem na carreira e como construir a sua história. Numa das conversas que tive ele fez o seguinte comentário:

- “Doutor, eu já tenho uma promoção, e acho que logo vou ter mais uma…”.

Interrompi:

- “Sim, então você já é inicial, agora já vai para a final…?”

Sobreira confirmou e eu fiquei pensando:  “puxa, o cara entrou faz dois anos, de substituto já foi à entrância inicial e se prepara para galgar a final, quantos anos ele vai ficar sem promoções, sem estímulo, décadas…”. 

Fiz um relato da minha empreitada para viabilizar o sistema de entrâncias para Delegados que resultou na LC 55/92, os concursos de remoção horizontal e de promoção vertical, com lotações vinculadas, os reflexos que isso trouxe para obstar ingerências políticas, oxigenar as comarcas (para que Delegados não se perpertuassem num mesmo lugar) e racionalizar o sistema de movimentações funcionais e lotações, o legado para as futuras gerações, só que a legislação precisava ser aperfeiçoado na medida em que fosse aplicada. Certamente que os Delegados novos encontrariam tudo pronto, desconhecendo como era antes, como isso se processou nos bastidores  (Delegados tinham que permanecer anos para conseguir uma promoção, muitas vezes tinham que negociar porque eram promoções políticas no critério por merecimento...) e como ficou com a nova estrutura jurídica da carreira por entrâncias (como o Judiciário e Ministério Público).

Fiquei feliz por ter conseguido repassar  um pouco da história dessa transformação, todos os avanços conquistados em termos de inamovibilidade... e contribuído com um sistema que realmente veio a romper com o passado e a inovar, muito embora achasse aquilo muito pouco, a modernização deveria continuar (com a criação da Procuradoria-Geral de Polícia, a autonomia institucional...), mas considerando a realidade, e como o autoritarismo sempre permeou o meio policial…

Resolvi falar um pouco do projeto da “Procuradoria-Geral da Polícia Civil”. O Delegado Rubens, filho de Desembargador Federal Vladimir Passos de Freitas (Vice-Presidente da Ibrajus), ex-Presidente do Tribunal Federal da 4a Região,  demonstrava ser um profissional com outra visão, outro estilo, menos formal, mais solto, rápido de raciocínio, perceptivo, focado e sem aqueles toques de autoridade, gestos protocolares… Na verdade, pareciam duas grandes promessas, cada um no seu estilo. Tanto Sobreira como Rubens são originários do Estado do Paraná, mas com perfis bem delineados e diferenciados, cada qual com sua importância institucional. Sobreira imprimia uma performance oficiosa, procura manter uma certa distância das pessoas, dando a impressão que pretendia mostrar território e distância do interlocutor, quem era que mandava, muito embora tratasse a todos com cordialidade. Já Rubens, era mais identificado com a “tiragem”, com os policias tanto de campo como de gabinete, transita em todos os níveis como um mimetista, com um olhar no futuro, como se fosse um eterno “aprendiz”, antenado nos projetos institucionais, sem demonstrar muito interesses em se promover pessoalmente, tampouco com sua “autoridade”, dava a impressão que gostava do que fazia, do que escolheu para sua vida e queria fazer o seu melhor. 

Num determinado momento “Sobreira” me convidou para transitar pelo interior da repartição, a fim de mostrar as melhorias. Nesse instante pude constatar o peso da sua ação, o seu valor como profissional, o seu excelente caráter, bem diferente da época dos também novatos Delegados Ethan e Procópio que acabaram deixando uma marca complicada na região por conta de conflitos pessoais entre ambos..., muito embora também fossem vítimas de um sistema comprometido, além do que já foi citado anteriormente, além do que tiveram que lidar com um Ministério Público e Judiciário (Promotores Max Zucco e Rafael…) que estavam bastante irritados com a realidade policial, talvez consequência de todo um sistema comprometido, a começar pelas ingerências políticas no meio policial… 

No final da conversa, fui ao computador e mandei para os e-mails dos Delegados de Sobreira e Rubens a proposta de “PEC” de criação da “Procuradoria-Geral de Polícia”, aproveitando para encaminhar o mesmo “e-mail” que havia mandado para o Delegado-Corregedor Nilton Andrade, onde chamei a atenção do mesmo para o momento politico favorável que estávamos vivendo com o Governador Pavan…

Durante o curso da conversa com os dois Delegados, “Sobreira e Rubens” resolveram fazer uma provocação desafiante:

- “Ainda bem, doutor, que o ‘Renatão’ assumiu aquela Adepol…”.

Interrompi para tecer comentário sobre a história do Delegado “Renato Hendges” à frente da “Adepol” (anteriormente denominada de “Adpesc”):

- “Bom, vocês me desculpem, mas eu vou ter que falar, ontem eu ainda estava em, deixa eu ver, espera aí, ah, sim, estava lá em Timbó com o Delegado Gilberto Azevedo e ele me disse a mesma coisa que vocês aqui. Eu tive que abrir um parênteses, eu disse para ele o seguinte: ‘Gilberto, como é que o ‘Renatão’ chegou à presidência da Adepol, tu sabes?’ Ele ficou quieto, e eu continuei: ‘Pois é, Gilberto, o doutora Sonéa estava desgastada na presidência da Adepol, depois de cinco anos os Delegados estavam com os piores salários do Brasil, perdendo até para os Delegados do Piauí… E quem era o esposo da Delegada Sonéa?”

Rubens com vivacidade respondeu:

- “O Neves, Secretário Adjunto da Segurança Pública…”.

Continuei:

- “Sim, e qual era a missão , alguém sabe me dizer?”

Como houve silêncio me reportei novamente ao Delegado Gilberto Azevedo de Timbó:

- “Eu disse lá, Gilberto, a missão era segurar a classe dos Delegados quieta, especialmente com a história da 'Pec 549',  para depois cobrar uma fatura do governador, do Secretário Benedet e fazer o Neves o Secretário da Segurança Pública. Mas o que aconteceu? Deram uma rasteira e o Neves acabou dançando. A nossa Presidente vendo o barco afundar,  percebendo que acabaria ficando mal perante a classe, não aguentando mais a pressão, tratou de criar um ‘factóide’…”.

Interrompi meu relato e me dirigi aos dois Delegados para perguntar:

- “Quem foi o Delegado mais votado nas últimas eleições para o Conselho Superior da Polícia Civil, vocês lembram?”

O Delegado Rubens, novamente surpreendeu por sua vivacidade e memória foi respondendo:

- “Foi o ‘Renatão!”

Continuei:

- “Muito bem, então eles foram lá e pinçaram o ‘Renatão’, criaram um ‘factóide’, ninguém iria contestar o ‘Renatão’, ninguém, e a nossa Presidente poderia sair pela porta dos fundos sem ser incomodada, lembrada, sem qualquer auditoria, qualquer manifesto da nova direção, tudo bem tranquilo. Bom, o ‘Renatão’ assumiu e limpou a área para que a Presidente pudesse, sem cobranças, melhor ainda, colocou no seu lugar uma ‘figura’ ilustre, uma espécie de salvador da pátria que aceitou docemente esse encargo que caiu no seu colo”.

Fiz uma observação me reportando ainda ao Delegado Gilberto Azevedo:

- “Então em disse para ele: ‘Bom, Gilberto, e sabe qual foi o prêmio que de imediato deram para o ‘Renatão’? Vocês sabem?”

Como se seguiu um silêncio a minha indagação, tratei de responder:

- “Logo em seguida o Neves, o Maurício foram com o ‘Renatão’ para  Miami (Florida – EUA) fazer curso, imaginem…”.

O Delegado Rubens acrescentou:

- “Sei, é verdade, foi aquela viagem que o Pavan foi junto...”.

Acrescentei:

- “Exatamente, e o Pavan  foi junto, entenderam agora? Então uma coisa seria o ‘Renatão’ montar uma chapa de oposição na época de eleições, fazer oposição, sair a campo colocando a verdade, outra coisa seria criarem um ‘factóide’ e o ‘Renatão’ se prestar a aceitar docemente essa situação. O que a Sonéa deveria ter feito seria ter renunciado e convocado eleições…”. 

Não esqueci de fazer elogios à conduta do Delegado Renato Hendges como Delegado de campo, como um dos melhores profissionais na sua área de investigações, entretanto, quanto a atuar nas lutas classistas…

No final da conversa, pedi aos dois Delegados que olhassem com carinho a proposta da “PEC”, além de tecer alguns comentários à  respeito do projeto “carreira  juridica” e que se tratava de um outro “factóide”, que iriam desperdiçar um trunfo a ser negociado com o governador Pavan, tudo para servir a propósito político e que nos próximos governos iríamos continuar no buraco que se transformou a Polícia Civil e que os Delegados se transformariam em “bois-de-piranha” em se tratando de falta de autonomia institucional, limitações na defesa da sociedade, política salarial… Pedi que “cristalizassem o projeto de “Procuradoria-Geral de Polícia” para ajudar a transformá-lo pelo menos, isso como aspiração histórica.

Depois que deixei a Delegacia de Rio Negrinho fiquei pensando no teor da conversa com os dois Delegados e fiquei pensando no Delegado "Renatão", seus desafios, o futuro, seus projetos... Também, na Delegada Sonéa, uma excelente pessoa (inclusive seu esposo),  no entanto, a passagem pela 'Adepol' pareceu catastrófica não só para a classe dos Delegados, mas inclusive para ela, pois salvo engano, acreditava piamente que tenha se arrependido dessa sua empreitada...Na sequência, lembrei da empolgação da Delegada Karla Bastos quando viajou com Sonéa para Brasilia para tratar da "Pec 549", um grande engodo, uma gastança não só de recursos, mas de tempo..., quando o campo de luta a ser travada diariamente era no Estado de Santa Catarina, e não nos confins...