PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 08.11.2007, horário: 09:00 horas:

Estava na Delegacia Regional de Videira e encontrei o Delegado Flares no seu gabinete prestando atendimento a algumas pessoas. Resolvi aguardar um pouco, sendo que passados cerca de uns vinte minutos Flares liberou o gabinete, permancendo algum tempo conversando comigo e com a Delegada Marilisa. 

Durante o curso da conversa pude observar que Flares estava com um terno escuro com listas verticais na cor cinza, barba por fazer, rosto demasiadamente pálido, encerrando uma “visão catalítica” ocasionada pelo respiro de ares pouco saudáveis.... Era um traje escuro com listas finas em cinza claro, além de uma camisa branca e gravata azul marinho que dava um toque de finesse.

Flares, como sempre, se apresentava propositalmente com a barba rala e o couro cabeluto apresentava alguns sinais de calvice, se bem a cobertura estava completa, apenas “rala”, dando um aspecto de preenchimento das finas bochechas. O seu humor parecia intangível, ou seja, você poderia encontrá-lo a qualquer dia e a qualquer hora que parecia a mesma pessoa. Mas já da última vez tinha observado um quê no seu temperamento, pois havia um resquício de habilidade e uma atmosfera sutil de ego, ou de “magnificência”, uma forma de se revelar uma pessoa “predestinada”, e daí certa dose de orgulho e de autoafirmação, especialmente, considerando o “berço” e os cargos que ocupou no governo.  

Resolvi perguntar se ele havia lido o artigo publicado no “site” do “Sintrasp” (ex-Fecapoc, tranformado em “Sindicato dos Trabalhadores na Segurança Pública”), publicado no dia anterior.   Flares se mostrou surpreso e disse que não leu nada. Argumentei que tinha sido uma cobrança na Presidente da Adpesc (Delegada Sonéa Neves) e no seu esposo que era o “Secretário Adjunto da SSP”.  Durante nossa conversa aproveite para comentar minha preocupação sobre a necessidade de se buscar no final do governo “Luiz Henrique”, isso quando “Leonel Pavan” viesse assumir o governo, a aprovação de uma “emenda constitucional” direcionada a criação da “Procuradoria-Geral de Polícia” e a autonomia institucional. Argumentei que o próximo governador poderia ser “Esperidião” ou “Ângela Amin”, ou, ainda, “Raimundo Colombo” e se não nos aligermos correríamos sérios riscos de ficarmos mais quatro ou oito anos estagnados. Marilisa ajudou a reforçar meus argumentos, dando a impressão que já estava consciente de que esse era mesmo o nosso caminho, bem provavelmente, de tanto me ouvir...

A seguir, enveredamos a tratar sobre a necessidade de se organizar a classe de Delegados. Argumentei que na Assembleia Legislativa todos os projetos na área da segurança pública acabam passando pelo crivo do Deputado Sargento Soares. Lembrei que tanto Flares como Marilisa possuíam perfil político e que poderiam ser candidatos a Deputado Estadual para defender nossos interesses no parlamento estadual.  Marilisa não disse nem que sim e nem que não, apenas ouviu. Flares, bastante criterioso, permaneceu ouvindo e dando a impressão que meditava, porém, sem se comprometer. Argumentei que Marilisa possuía qualidades que Flares não tinha e vice e versa. Flares rapidamente fez questão de dar ênfase:

- “Sim, e eu também tenho qualidades que ela não tem”. 

Na verdade aquele era o tipo de conversa de se jogar fora, onde não se aproveitava quase nada, mas como disse Marilisa o que importava era esse trabalho de formiguinha e pensei: “Talvez, talvez, talvez...”.

Horário: 16:15 horas:

Tínhamos acabado de chegar na cidade de Treze Tílhas, vindo de Videira (via Iomerê). Propus que parássemos para um café numa confeitaria local e acabamos numa esquina, num local chamado “Coffe Haus”. Eu e Marilisa caminhamos na frente, seguidos de Dílson e Ariane.  Marilisa havia retirado a parte de cima do seu traje, ficando somente de camiseta, expondo seus braços e  a parte superior do seu pescoço e, a seguir, ela e Ariane correram para o banheiro, enquanto que eu pedia uma média com leite e um quibe gelado. Dílson pediu um suco de pêssego em lata. Depois que Marilisa retornou pediu uma fatia de torta de trufas e Ariane um salgadinho. Marilisa enquanto comia soltava um grunhido que era o seu tradicional “hummm”, lembrando a “Ana Maria”, sim, aquela de todas as manhãs, na “Globo”. Era um “hummm” cafona, mas vindo dela, tão querida e amiga, se tornava tolerável e bonito. Era um misto de coisa meio “brega-xique-caipiríssimo”. Lá fora o sol estava escaldante e o jeito era voltarmos à estrada.  

Horário: 17:00 horas:

Estávamos na Delegacia da Comarca de Herval do Oeste para mais uma audiência no Processo Disciplinar do Investigador Valdir Mechailo. Acabei me dirigindo diretamente ao gabinete do Delegado Marcos Giovanni para uma conversa, tendo o mesmo me atendido prontamente, entretanto, parecia não demonstrar muito entusiasmo, mais parecia uma pessoa cheia de “contingências”, auto suficiência... Resolvi respeitar aquela sua “indiferença-e-meia” com um misto de curiosidade e ansiedade, parecia contaminado por uma espécie de “ego”, mas não sabia definir o porquê daquele seu comportamento, era uma pessoa totalmente desconhecida. Mas pude observar que o Delegado Marcos queria estabelecer alguma conversação e resolvi fazer algumas provocações, caminhando pelas beiradas. Marcos possuía uma “barba” tipo “cavanhaque”, com bigode e uma calvice acentuada (cabeça raspada). Possuía estatura baixa e era magro. Logo imaginei que era do time do Delegado “Gross”. Fiquei sabendo que ele ingressou na carreira no início do ano de 2002. Resolvi perguntar como é que estava o ânimus dos Delegados na região em termos institucionais. Marcos foi revelando:

- “Bom, aqui tudo pode se resumir a duas facções. Isso não existia antes, mas acabou sendo gerada. Surgiram dois lados. Um grupo apoiando o ‘Gross’ e o outro apoiando o Ademir Tadeu de Oliveira. Eu sou neutro, mas depois dessa disputa entre esses dois grupos a coisa aqui ficou muito difícil aqui. Era gente se digladiando, eles se matavam pelo poder... Agora está aqui o ‘Toninho’ que é mais pacificador, ainda bem. Mas dizem que quem vai assumir a Delegacia Regional vai ser o Ademir Tadeu, já está tudo acertado”. 

O Delegado Marcos estava determinando o cumprimento de um mandado de busca e apreensão (derrame de notas falsas na cidade) e contou que fez estágio no Fórum de Campos Novos, antes de seu ingresso na Polícia Civil. Resolvi insistir na minha pergunta sobre a visão institucional dos Delegados da região, já que percebi que o Delegado não havia entendido bem o meu questionamento. Marcos novamente tentou respondeu:

- “Bom, o pessoal aqui acredita que a ‘PEC 549’ é o nosso caminho, está todo mundo engajado nessa luta, o pessoal sabe que ser reconhecido com carreira jurídica é o caminho”.

Interrompi:

- “Bom, nós entendemos que o nosso foco aqui no Estado de Santa Catarina é outro. A luta pela ‘`PEC’ é válida, mas a gente sabe que o que na verdade se está querendo é se desviar a atenção dos Delegados aqui no Estado para assuntos lá no outro lado do ‘planeta’. Todo mundo sabe que o marido da nossa ‘Presidenta’ é o Secretário Adjunto e que provavelmente deve ser o substituto do ‘Benedet’. Para tanto, a missão parece que é administrar a Polícia Civil e os Delegados de maneira a garantir a ‘ordem e o progresso’, ou seja, ir até o final do governo com tudo sob controle e depois é só cobrar a fatura, não achas?”

Marcos ouviu atentamente e deu a impressão que passou a se dobrar a força dos meus argumentos, percebendo o conteúdo ideológico da nossa conversa. Em função do que eu tinha acabado de dizer ele argumentou:

- “A gente sabe disso, o pessoal tem comentado. Nós temos um grupo de Delegados aqui no oeste e nos reunimos regularmente. Temos a cada mês uma reunião numa determinada região. Fizemos encontro dos Delegados aqui do oeste, em Joaçaba, Chapecó, São Miguel, Concórdia e Lages. Só que depois que assumiu o novo ‘Chefe de Polícia’ parece que a coisa perdeu força. Não sei, mas parece que a ordem foi para parar com os encontros porque estavam incomodando...”.

Interrompi:

- “Bom, para nós conseguirmos fazer as coisas acontecerem na instituição precisamos de três vias de poder. A primeira é a cúpula, a segunda os Delegados Regionais, por meio de um colégio que precisamos criar e, a terceira, são as lideranças classistas. Nós temos um ‘grupo’ de Delegados que entende que a nossa grande prioridade é uma ‘emenda constitucional’. Não é reajuste salarial, nem nada, apenas uma ‘emenda’ que é fácil ser aprovada porque não gera aumento de despesas. E o momento oportuno vai ser quando o ‘Leonel Pavan’ assumir o governo do Estado, depois o próximo governador poderá ser o ‘Esperidião...”.

Marcos interrompeu para concordar com meu raciocínio, e eu continuei:

-  “Bom, todo mundo sabe que o pior governo na história da Polícia Civil foi o ‘Luiz Henrique da Silveira’, não tem precedentes. O único que se aproximou um pouco dele foi o Ivo Silveira, mas não tem nem parâmetros porque ele ainda fez algumas coisas boas para nós...”.

Marcos novamente deu a impressão que concordava com meus argumentos, de que o pior governo na nossa história estava sendo  o ‘Luiz Henrique’. Acabamos nós dois quase que juntos enumerando os retrocessos da instituição, como a perda da Academia de Polícia, da Corregedoria-Geral, da Polícia Científica, da equiparação de salários de Oficiais da PM e Peritos com Delegados e, finalmente, a autorização para a Polícia Militar elaborar termos circunstanciados. Pedi licença e fui até o computador imprimir a  proposta de “emenda constitucional” de criação da “Procuradoria-Geral de Polícia” e nisso entrou Marilisa no gabinete. Feitas as apresentações, argumentei que Marilisa era Delegada em Joinville e,  também, estava engajada na luta por nossa emenda constitucional... Conversamos sobre a necessidade de gerarmos uma “onda”  em torno dessa ideia e a importância de mobilizarmos todas as nossas forças. O final da conversa foi engraçado e lembrou um pouco aquela passagem por Caçador, pois olhei para o Delegado e fiz o seguinte comentário:

- “Bom, eu vou começar a minha audiência que o pessoal já está esperando e já que a doutora Marilisa chegou eu vou deixar ela aqui conversando um pouquinho contigo...”.

Marilisa me olhou meio que sem jeito, como se achasse desconfortável aquele estado de abandono e disse:

- “Não, eu também tenho que ir, é importante a minha presença...”.

Olhei para seus olhos de “pidona” e insisti:

- “Fica, fica um pouquinho conversando com o doutor Marcos que eu já vou iniciando lá...”. 

E fui saindo do gabinete deixando os dois trancados na sala, acreditando que Marilisa também venderia o nosso “peixe” muito bem. No caminho fiquei pensando como Marilisa cresceu, chegando ao ponto de querer parar de fumar, melhorar, engajar-se numa causa relevante, acreditar... Terminada a audiência, fomos embarcar na viatura e Marilisa ficou frente a frente comigo, se aproximou e se fixou no meu rosto me deixando um pouco embaraçado, porém, logo soube que ele havia percebido que eu estava com manchas próximo aos lábios (tinha comido um chocolate derretido durante a viagem). Ela colocou seus dedos próximos dos meus lábios e passou a esfregar para retirar aquelas marcas marrom e pensei: “Que gesto lindo da ‘amigaça’, digno de um registro, sem desconsiderar Ariane e o próprio Dilson!”.