PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 25.10.2007, horário: 09:00 horas:

Estava na Delegacia Regional de Joinville para ouvir testemunhas numa sindicância disciplinar. Antes, porém, resolvi dar uma passada no gabinete do Delegado Regional Dirceu Silveira. Não deu outra, conversamos sobre a realidade da Polícia Civil. Argumentei sobre a importância dos Delegados terem uma agenda e um planejamento estratégico. Lamentamos o discurso da Delegada Sonéa com a tal “Pec 549”. Dirceu Silveira lembrou que muitos Delegados acreditavam nesse discurso da Presidente da Adpesc. Lembrei que o Delegado-Geral Maurício Eskudlark estava com um projeto para que houvesse incremento do efetivo da Polícia Civil. Dirceu Silveira confidenciou que num encontro que teve com o Governador Luiz Henrique chegou a propor que se criassem várias diretorias para comandar regiões policiais civis, a fim de dar uma noção expansionista da instituição e maior visibilidade a partir de mais comandos.

Procurei me  conter e argumentei disse que a proposta de Maurício Eskudlark era aumentar apenas o efetivo da Polícia Civil, nada mais. Dirceu se mostrou surpreso dizendo que agora queria saber mais, pois numa outra reunião em Joinville o governador teria se dirigido a ele em público dizendo que aquela sua ideia de criar Diretorias no Norte, Sul, Oeste e etc. já havia sido aprovada e que conversou com Maurício Eskudlark sobre o assunto duas semanas atrás e o mesmo havia se comprometido a colocar isso no projeto de aumento do efetivo. Como estava com pressa, pois a Delegada Ana Cláudia Pires já estava me aguardando, procurei abreviar a conversa dizendo para Dirceu Silveira reservar aquele assunto que mais tarde eu retomaria.

Horário: 09:30 horas:

Comecei a ouvir a Delegada Ana Cláudia, Chefe da Divisão de Entorpecentes da CPP/Joinville. Depois que terminei a ouvida como Ana Cláudia reiteradamente me chamava pelo tratamento de “Delegado” resolvi interromper pedindo que ela me tratasse apenas pelo nome, nada mais. Ana Cláudia disse que gostava muito de tratar os colegas de “Delegado”, que achava bonito aquela forma de tratamento. Interrompi para afirmar que eu preferia que apenas me chamasse pelo nome. Ana Cláudia insistiu dizendo que uns preferem chamar de “doutor”, mas ela não gosta e perguntou se queria que eu fosse chamado de “corregedor”. Disse que estava descartado.  Ana Cláudia fez uma colocação em tom de brincadeira dizendo que alguém quando a chama de “anjo” é porque quer pedir alguma coisa...

Depois, Ana Cláudia relatou que no plantão da CPP de Joinville, cuja responsabilidade era da Delegada Marilisa, na noite passada foram registrados seis auto de prisão em flagrante, e que ela estava arrancando os cabelos e unhas de tão nervosa, por estar tão desgastada... Ouvi em silêncio e fiquei preocupado.  No final, quando Ana Cláudia já estava de saída, veio ao meu encontro dizendo:

- “Bom, agora que nós já somos amigos, então vou dar um beijinho de despedida...”.

Fui ao seu encontro e nos abraçamos e demos um beijo de despedida, podendo perceber toda sua pureza, sinceridade e esperança de estar diante de uma profissional comprometida. Ana Cláudia, apesar de apresentar uma leve deficiência física dava a nítida impressão de ser uma guerreira que estava se preparando para defender os interesses da instituição e que acreditava piamente no que fazia, bem diferente de outros... Sim, valia a pena se investir numa profissional com aquele perfil e que certamente muito poderia fazer na área policial. Ela passava segurança e certeza do que queria e do que estava fazendo. Lembrei que ela tinha confidenciado que seu marido também queria ser policial e estava estudando para isso. Também, noutra ocasião descobri que seu irmão que era dentista, desistiu da profissão para ser “Escrivão de Polícia” em Joinville e que ambos eram filhos do Comissário de Polícia Procópio Pires (já falecido).

Horário: 12:00 horas:

Conclui as audiências daquela manhã e retornei ao gabinete do Delegado Regional Dirceu Silveira, onde permaneci até próximo às treze horas. Tivemos uma das melhores conversas até aquele momento. Aproveitei para fazer uma exposição sobre Fiz as três vias de poder na Polícia Civil (cúpula, Delegados Regionais e lideranças classistas), dizendo que se as mesmas se unissem, se as lideranças classitas fizessem um trabalho de pressão sobre os Delegados Regionais e sobre a cúpula da instituição..., muita coisa poderia se mudar. Dirceu Silveira argumentou que a nossa situação era muito difícil e que todos os nossos projetos eram boicotados por um tal de Coronel Botelho e Capitão Renato que trabalhavam com o governador Luiz Henrique, que chegavam a mandar no governador.  Fiquei pensando que aquilo só poderia ser delírio de Dirceu Silveira, um ex-Escrivão de Polícia com a experiência do DOPS, um advogado com atuação policial e forense, um político brilhante... se iria se deixar controlar por Oficiais da PM, a não ser que isso fosse premeditado, fizesse parte de uma estratégia, ou seja, dar pirulito para esses militares enquanto ele voava alto...Sim, no final, Luiz Henrique assistida de camarote gatos e ratos se comerem e ele deveria dar gargalhadas... pobres policiais, pensei. Na verdade não queria acreditar que fosse isto, mas sim aquilo outro..., sim, deveria ser tudo premeditado, assim, não era emcomodado e deixava os Oficiais aproveitarem o tempo!”

Dirceu Silveira reiterou que o Capitão Renato chegava a dar ordens para o governador, entretanto, ouvi esses relatos num misto de incredulidade e lamento. Dirceu também lembrou a Polícia Federal e a forma como estavam trabalhando em nível nacional, marcando muitos pontos junto à opinião pública. Preferi não comentar o assunto, pois há anos que a Polícia Federal se mantinha longe das cobranças sociais, salvo alguns casos contados nos dedos. Dirceu Silveira estava querendo dizer que ultimamente a Polícia Federal só tinha ocupado espaços na mídia e conseguiu dar a volta por cima. No meu entendimento não era bem assim, pois a Polícia Federal sempre esteve quase que blindada e a serviço dos governos por meio do Ministério da Justiça, já as polícias estaduais eram  ainda mais vulneráveis... Perguntei para Dirceu o que ele achava do projeto de “Maurício Eskudlark” que pretendia aumentar o efetivo da Polícia Civil e que nós deveríamos ter solicitado que ele constasse outros pleitos, como a fixação de um  piso salarial mínimo para os policiais civis. Dirceu Silveira fez uma cara de que não concordava, balançando a cabeça. Eu insisti que como gordura era importante. Dirceu Silveira argumentou que nisso ele concordava, pois tinha que era preciso se pedir várias coisas para se levar pelos menos uma parte, e não só um único pleito. Como Dirceu Silveira se mostrava resistente à ideia do piso salarial, procurei argumentar que como gordura seria um item importante, até mesmo porque numa outra oportunidade poderia ser reiterado com remissão. Acabei relembrando a ideia da proposta de emenda constitucional, tratando da criação da “Procuradoria-Geral de Polícia”, do segundo grau na carreira. Dirceu Silveira deu a impressão que concordava. Acabei relatando um pouco da minha luta pelas causas policiais civis, desde a criação da “Federação Catarinense dos Policiais Civis” (depois Sintrasp), da lei das entrâncias para Delegado, da vintenária, do adicional permanência, da lei de promoções, dos trabalhos na constituinte estadual em 1989, garantindo os serviços administrativos de trânsito para a Policia Civil, o escalonamento vertical de salários... Lembrei a Dirceu Silveira que ele possuía história na instituição e que nós tínhamos um compromisso com o futuro da corporação, com os policiais civis. Procurei ser contundente e Dirceu Silveira parece que entendeu o recado. Argumentei que me sentia responsável e que tinha que fazer alguma coisa em razão da minha história de luta. Foi incrível porque quando eu disse que ele tinha que honrar a sua trajetória ele fez um sinal de mico, de que não sentia nada disso, e que era eu que estava dizendo...  Procurei reforçar essa ideia procurando provocá-lo mexendo com seu ego, com o seu moral... Dirceu Silveira relembrou que quando foi Delegado-Geral criou um grupo pensante para que fomentasses propostas para a Polícia Civil, citando a Polícia Militar que tinha um grupo de Coronéis que ficam planejando estratégias, como foi o caso dos termos circunstanciados.  Abri os braços em cima da mesa de Dirceu e fui vaticinando:

- ”Bom, nós temos dois caminhos a seguir: ou competimos com a Polícia Militar ou vamos nos enveredar para o lado do Judiciário e Ministério Público na condição de carreira jurídica. Eu defendo a tese que devemos buscar o caminho jurídico e não o policial militar...”.

Dirceu, com aquela sua habilidade careta, balançou a cabeça, e procurou se amoldar, dizendo que concordava, muito embora seu discurso era direcionado à Policia Militar. Era complicado conversar com naquele nível porque como já diz o velho ditado quem “já foi rei não perde a majestade”.

De qualquer maneira Dirceu procurava conversar comigo dando certa importância ao que eu dizia, porém, tinha tinha que ter as minhas reservas. Quando Dirceu Silveira falou da criação do “grupo pensante” eu interrompi:

- “Espera aí, Dirceu. Eu participei daquele grupo e o Delegado-Geral nunca participou de qualquer reunião, desconheço que tenha se interessado por alguma proposta, projeto, não foi feito nada vezes nada!”

Dirceu novamente com aquela sua habilidade e demonstrando que não se abalava com nada deste mundo e que era capaz de achar  saída para tudo, foi comentando que criou o “grupo pensante” e que se não funcionou bem, o importante teria sido a “ideia”. Preferi evitar aprofundar as críticas, até porque era assunto do passado. Apenas aproveitei para lembrar uma velha máxima de que quando um dirigente não quer que aconteça nada ele então cria uma comissão. Dirceu concordou. 

Horário: 16:00 horas:

Estava na Delegacia Regional de Joinville e tinha acabado de ouvir o Delegado Zulmar Valverde. Aproveite para relatar a a conversa que eu e Marilisa tivemos com o Deputado Darci de Matos. Perguntei para Zulmar, na presença do Delegado José Alves (próximo a ser ouvido) se o Deputado Darci era “confiável” se ele era “crivel”? Zulmar hesitou alguns segundos e me perguntou:

- “Eu não sei o que é ‘crível’, podes me dizer?”

Respondi:

- “Crível significa se ele é digno de credibilidade”.

Zulmar respondeu que sim e contou um pouco a história do Deputado Darci de Matos, nascido na região de Laranjeiras, no Paraná, depois veio para Santa Catarina e estudou na Escola Agrícola de Araquari, onde se elegeu vereador pela primeira vez. Em seguida veio para Joinville onde também foi vereador e depois Deputado Estadual. Zulmar comentou que Darci iria ser o próximo Prefeito de Joinville e que abriria espaços políticos para a sua candidatura à Assembléia Legislativa pelos “Democratas”.

Aproveitei para pedir a ajuda de Zulmar que se disse muito ligado a Darci de Matos para apoiar o nosso anteprojeto de criação do “Fundo de Garantia dos Policiais Civis”. Zulmar não sabia de nada. Fiz uma impressão do anteprojeto e repassei para Zulmar que se comprometeu a fazer os contatos com o parlamentar para cobrar a tramitação da matéria. Senti que Zulmar ficou curioso com a minha ida juntamente com Marilisa até o Deputado Darci, demonstrando que queria saber algo mais, o que foi conversado. Procurei apenas me restringir à questão do anteprojeto, nada mais. Zulmar acabou tendo que se conformar com minha resposta e se comprometeu a fazer os contatos.

Horário: 18:00 horas:

Tinha concluído todas as audiências daquele dia e na saída da DRP de Joinville e encontrei o Delegado aposentado Rogério Zattar (ex-Prefeito de São Francisco do Sul) que estava se dirigindo ao gabinete do Delegado Regional. Acabamos conversando um pouco e ele relatou que veio da 5ª DP/Sul de Joinville, onde encontra-se atualmente um Delegado novo de nome de Izaias, que veio de Curitiba. Rogério contou que Izaias estava contente porque viu uma nota na Internet (acho que no site da Adpesc) de que a “Pec  549” havia sido aprovada em mais uma comissão, estava indo para plenário.

Acabamos concordando que o discurso da “Pec 549” apregoado pela Delegada Sonéia estava iludindo muita gente, em especial, os mais novos. Lamentamos a nossa situação salarial e que parecia que naquele governo só nos restava sobreviver. Rogérinho confidenciou que estava percebendo três mil reais de aposentadoria. Zattar contou que os Delegados Especiais acabaram desistindo da “convocatória” porque já estavam no teto. Citou os casos dos Delegados Elói, Sell, Maurício Noronha... Nisso apareceu Dirceu Silveira que de longe percebeu que eu e Rogério conversávamos sobre algum assunto interessante e foi dizendo em “tom de brincadeira de criança”: 

- “É tudo mentira. É tudo mentira do Felipe”. 

Fiz de conta que não me abalei nenhum pouco (e era verdade). Bom, fiquei mais impressionado foi com a “criancice” de Dirceu, mas deixei assim mesmo. Quando Dirceu se aproximou eu fui falando do que estávamos conversando, ou seja, que o Delegado Izaias estava acreditando em ‘papai-noel’ com a história da ‘Pec 549’”. Dirceu sorriu e comentou com certo ar de confiança:

- “O pessoal tem acreditado nisso. Puxa, e como o pessoal tem acreditado nesse discurso da Pec”.

Dirceu nos convidou para irmos para seu gabinete, para onde nos dirigimos para tomar um cafezinho. Conversamos mais um pouco e Rogério fez um relato a respeito das reformas na 5ª DP/Sul, estando responsável pela pintura e construção do muro.

Horário: 18:15 horas:

Pedi licença e fui até o policial “Zico” solicitando ao mesmo que desse uma chegada até a residência da Delegada Marilisa para colher suas assinatura no relatório de instrução do Delegado Gilberto Cervi e Silva. Recomendei que “Zico” que entregasse o material para Marilisa com a recomendação que ela lesse o relatório, em especial a parte conclusiva. “Zico” e Patrícia Angélica foram até a residência de Marilisa enquanto permaneci na DRP.

Horário: 18:20 horas:

Retornei para o gabinete de Dirceu Silveira e fiquei acompanhando o restante da conversa até o retorno dos policiais. Conversamos sobre meu pai que foi Delegado em São Francisco do Sul no final da década de sessenta. Também, falamos sobre bens, propriedades...

Horário; 18:40 horas:

Rogério Zattar pediu licença porque tinha dentista às vinte horas. Logo que saiu comentei com Dirceu que era lamentável que Rogério tivesse que retornar ao trabalho. Argumentei que ele tinha me dito antes que ficou com uma aposentadoria de três mil reais por mês. Dirceu duvidou, calculando que ele tenha se aposentado no mínimo com cinco mil reais. Argumentei que sim, mas que com os descontos e talvez algum empréstimo estivesse com três mil reais líquidos. No final da conversa disse que a convocação dos Delegados velhinhos e as horas extras eram dois venenos para os Delegados e para a Polícia Civil. Dirceu concordou, porém, nada mais disse.

Horário: 18:40 horas:

Pedi licença e fui ao encontro de “Zico” que estava conversando com dois novos policiais civis. Depois nos dirigimos para a viatura para irmos embora, quando os policiais relataram que estiveram na residência de Marilisa e ficaram impressionados com o estado em que a encontraram depois do plantão na “CPP”. “Zico” foi dizendo:

- “Doutor, o senhor não acredita, eu nem acreditei que era ela. Estava acabada. Sinceramente, o senhor precisava ver, não parecia ela, não parecia a doutora Marilisa que a gente estava acostumado. Bom, eu entreguei o documento que o senhor me deu para que ela assinasse, mas ela não consegiu ler nada... Eu deixei o documento que amanhã ela vai ler e entregar. Doutor, o senhor precisava ver, coitada, ela saiu do plantão lá na CPP, não tinha  condições, estava acabada...”.

Patrícia ainda comentou:

- “Não parecia ela, meu Deus, parecia outra pessoa, não dava nem para reconhecer...!”

Horário: 22:00 horas:

Estava assistindo o DVD “ZOO” do U2 em minha residência em São Francisco do Sul e ao ouvir a música “In the name of love” não pude deixar de pensar em Marilisa... Era como seu eu fosse uma espécie de “stigmata” orbitando meus pensamentos, sentindo suas dores, angústias... Era como se eu prenunciasse seus passos, suas incertezas, dúvidas... E o que era  pior, sentindo-me impotende de estender a mão para uma pessoa tão querida e amiga, como se quisesse lhe puxar de um abismo, querendo salvá-la, mas não podendo fazer nada. Lembrei das músicas que ouvi em seu nome, sempre estabelecendo um diálogo como se fosse com a escuridão, sem eco, sem vozes... Apenas seu espírito povoando minhas ideias, meu espírito, como se quisesse me pedir ajuda, uma ajuda quase que impossível... Agora, vendo Bono Vox introduzir Mather Luter King, acabei me sentindo um errante do seu espírito, como “Bono” repetindo “in the name of love”, mas a melodia não conseguia ser passada para Marilisa, de maneira a atingir sua alma e fazê-la compreender a energia que nos unia em torno de desafios da vida institucional, algo incomum, muito forte e acima deste nosso mundo material, era preciso acreditar em milagres, que ela conseguisse superar seus remédios controlados, suas limitações, seus desafios existenciais e rezei para que sua família, seu companheiro, seus amigos... e, assim, pudessem lhe proporcionar toda a energia que precisava para superar momentos tão extremos.