PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 23.10.2007, horário: 15:00 horas:

Cheguei na Delegacia Regional de Canoinhas para uma audiência (sindicância disciplinar). Os policiais “Zico” e Patrícia Angélica estavam me acompanhando. Logo que cheguei fui informado que a Delegada Shirlei Gutoski era a titular da DRP e que respondia cumulativamente pela Delegacia da Comarca, haja vista o afastamento do Delegado Padilha. Fui direto para o gabinete de Shirlei, uma descendente de polonês, nascida na cidade de Porto União que deveria ter mais que trinta anos de idade e já estava no comando de um órgão de comando policial regional, muito embora ainda estivesse em início de carreira.

Quando passamos a conversar percebi que era uma pessoa que demonstrava uma certa tensão e estado de alerta talvez por saber da minha condição de “Corregedor”. O fato era que a chegada da “Corregedoria”, especialmente, para os Delegados mais novos, como órgão fiscalizador e muitos ainda em estágio probatório certamente que causava certa preocupação e prevenção.

Procurei agir com naturalidade e simplicidade para deixá-la à vontade até para que pudesse superar aquela impressão de desconforto. Fui objetivo e procurei focar assuntos institucionais, lançando uma pergunta para Shirlei sobre qual era a sua impressão da Polícia Civil nesses menos de dois anos de exercício. Ela respondeu que tinha feito um concurso para o Ministério Público, mas não logrou êxito. Confessou que estava bem desanimada, pois a remuneração estava abaixo da crítica, ou seja, um Delegado Substituto percebia menos de cinco mil reais, menos que um Patrulheiro Rodoviário Federal. Por essa razão, Shirley disse que está pensando seriamente em fazer concurso para a Polícia Federal, onde a situação é bem diferente. Shirlei comentou que a situação do Delegado-Geral da Polícia Civil (Maurício Eskudlark) era muito difícil e se ele pensasse em ser candidato alguma coisa não ira ganhar o voto dos policiais de Canoinhas, apesar de ser natural da cidade. Também, comentou que estava totalmente perdida e amedrontada, pois não tinha dois anos de exercício do cargo e já estava respondendo pela Delegacia Regional e cumulando sozinha a Delegacia de Polícia da Comarca. Na sequência, argumentou que estava muito preocupada, pois não estava conseguindo controlar os serviços, e que antes contava com o Comissário Levi Peres (que havia falecido recentemente) e com o Delegado Regional Padilha, mas agora estava tudo nas suas costas e que tinha conversado com o Delegado Toigo, Diretor de Polícia do Interior (sediado em Curitibanos), mas não tinha encontrado muitas esperanças.

Shirlei argumentou que um dos problemas que tinha causado problemas era a questão dos “Termos Circunstanciados”, pois a Polícia Militar estava preenchendo esses documentos, só que não solicitava perícia e tudo isso ocorrida aos olhos dos Delegados de Polícia...  Depois, sob o olhar atendo, num misto de ingenuidade, insegurança, desconfiança, timidez, pedi para ir até um computador e fiz a impressão do meu “parecer” sobre “termos circunstanciados que foi encaminhado ao Conselho Superior da Polícia Civil presidido pelo Delegado-Geral Maurício Eskudlark”, e também da lei do fundo de garantia e da proposta de emenda constitucional a respeito da criação da “Procuradoria-Geral de Policia”.

Procurei explicar cada proposta, fazendo comentários pausados, procurando deixar mensagens para reflexão na tentativa de plantar sementes de esperança e necessidade de unir forças e lutar. Argumentei que os Delegados do planalto norte estavam isolados, distantes de tudo, mas mesmo assim era importante que formassem opinião. Shirlei comentou que estava muito esperançosa com a “Pec  549” em discussão na Câmara Federal.

Procurei esclarecer qual a missão da Presidente da Adpesc Delegada Sonéa e, também, do Delegado-Geral e seu projeto futuro (usar a instituição como trampolim político). Shirlei comentou que a ingerência política era terrível para a instituição e que era preciso fazer alguma coisa. A DRP também comentou que vários segmentos que exerciam poder e formavam a cúpula estava usando de uma estratagema de controle dos policiais, procurando identificar qualquer foco de descontentamento e indo no local verificar e apagar o fogo.

Shirlei se mostrou triste com aquele tipo de procedimento, porque deixava todo mundo acuado, com medo, calado... Repetiu que se hoje Maurício Eskudlark fosse candidato a alguma coisa não levava nenhum voto na região. Para ilustrar, acabei citando o que ocorreu nas regiões de Itajaí e Balneário Camboriú, quando conversei com os Delegados sobre o projeto de criação do “Fundo de Garantia”. Relatei que soube que o Delegado-Geral fez uma reunião com o pessoal e acabou jogando um balde de água fria nos Delegados... Relatei, ainda, o caso de Rio do Sul, quando a Delegada Sonéa se articulou e levou os Delegados Roberto e Karla para Brasília, esvaziando qualquer reação, manifesto..., justamente ela que era esposa do Secretário Adjunto da Segurança Pública...  Citei que as três vias de poder na Policia Civil eram a cúpula, os Delegados Regionais e as lideranças classistas, entretanto, a primeira era  totalmente vencida e acovardada, a segunda via era omissa quanto as questões político-institucionais e, a terceira, se apequenava, era fraca e chegava em certos casos a ser “pelega”.

No final, argumentei que a única esperança que tínhamos era o fato do Vice-Governador Leonel Pavan assumir o governo do Estado (se viesse assumir) no ano de 2009, quando poderíamos propor uma emenda constitucional (a criação da “Procuradoria-Geral da Polícia Civil e independência institucional). Para isso, era importante que os Delegados gerassem uma “onda” crescente em termos de energia e que se manifestassem sobre o assunto como aspiração histórica... Desse forma as três vias iriam ser pressionadas pelas bases a buscar o caminho da “emenda constitucional” para deixarmos a “Segurança Pública”, a partir de um órgão vinculado diretamente ao gabinete do governador. A conversa com Shirlei revelou ser uma profissional preparada e inteligente, porém frustrada e assustada, pois a cada pergunta formulada ela tinha a resposta na ponta da língua, era que a cada inserção de assunto eu formulava questionamentos preparatórios de outros (tipo: qual era a grande prioridade da Polícia Civil no Estado...? Por que os Delegados Regionais eram omissos...? Qual era a verdadeira missão da Delegada Sonéa a frente da Adpesc e de seu esposo no cargo de Secretário Adjunto da SSP? Quais eram as ambições do Delegado-Geral...? Por que a cúpula se mostrava silenciosa, habilidosa e acovardada... ? Por que não existia hierarquia na Polícia Civil e os males que isso causava de forma sistêmica...?. No final da conversa, para colocar os pontos nos “is” e suprimir quaisquer dúvidas, argumentei que não era candidato a nenhum cargo político, tampouco pretendia ser SSP, Delegado-Geral, vereador, presidente de órgão classistas e que só tinha como interesse dar a minha contribuição para melhorar a Polícia Civil e entregar para os novos policiais uma instituição melhor. Relatei um pouco a respeito da história dos Delegados Regionais de Polícia, que no passado já se constituíram uma categoria que integrava cargos efetivos (não comissionados), uma espécie de segundo grau da carreira de Delegado de Polícia, com vencimentos quase igual a Desembargadores. Relatei que meu pai foi Delegado Regional em Tubarão no ano de 1967, que naquela época houve um homicídio na cidade, entretanto havia sido simulado um suicídio... Contei que meu pai investigou a fundo a ocorrência, passando a elucidar o crime, só que como era época de regime de exceção, o Secretário de Segurança era um Oficial do Exército... Comentei que como o suspeito era empresário e forte politicamente (irmão de um Deputado Federal da antiga “Arena”), houve uma determinação para que tudo fosse arquivado porque se tratava de “suicídio”, mas apesar da ordem vir de cima, meu pai foi fundo, contrariando as ordens de seus superiores... A partir desse episódio e de outros similares noutras regiões do Estado, o governo mandou um projeto para a Assembleia Legislativa que acabou com os Delegados Regionais  ocupantes de cargos isolados e efetivos, transformando-os em cargos comissionados... Shirlei fez seu comentário derradeiro:

- “Entendi, assim eles colocaram quem eles quiseram nos cargos e o pessoal tinha que dançar conforme a música, é muito triste, isso tem que mudar, tem que se resgatar esse princípio da hierarquia, os Delegados Regionais, têm que ser da entrância da comarca onde fica a Regional...”.

Concordei e fiz mais alguns comentários até nos despedirmos em clima de fraternidade.

Horário: 18:00 horas:

Estava saindo da Delegacia Regional de Canoinhas e a Delegada Shirlei veio ver se estava tudo bem (tinha ido até seu gabinete, mas ela estava ocupada). Conversamos mais um pouco e perguntei se ela residia em hotel ou apartamento. Shirlei  parecendo surpresa e meio que sem jeito (mas sem esconder a verdade) respondeu que continua residindo em Porto União com seus pais. Pensei: “Bah, agora entendi um pouco da sua apreensão, tensão, outra região policial, e ela com duas Delegacias sob sua responsabilidade, como é que pode? Todo dia tem que se deslocar entre uma cidade e outra, se bem que eram menos de 100 km... Shirlei tratou de esclarecer que estava alugando um apartamento pequeno para residir na cidade e que brevemente iria se mudar. Fiquei pensando: “Bom, se ela não fizer isso, vai ficar difícil fazer alguma coisa, resistir, lutar por algum ideal, pois do contrário cortarão seu pescoço, mandarão que vá para uma comarca lá no extremo oeste...”. Lamentei em silêncio.