PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 08.11.2007, horário: 18:30 horas:

Tínhamos acabado de nos hospedar no “Hotel Linck”  localizado no centro de Joaçaba (cortada pelo Rio do Peixe que fixa a divisa com Herval do Oeste), a menor metrópole do país, encravada num vale, próxima das cidades de Concórdia, Videira, Fraiburgo,  Campos Novos e Capinzal. Sem contar outras cidades menores como Treze Tílias, Agua Doce, Lacerdópolis, Jaborá, Erval Velho, Catanduvas, Luzerna...

Eu já tinha conversado com motorista Dílson dizendo que provavelmente iria buscar uma hospedagem um pouco melhor porque da última vez que estive naquele estabelecimento onde  passei uma noite “mal dormida”, apesar de pagar  somente vinte reais a diária.  Entretanto, minha preocupação era com a Delegada Marilisa Bohem que poderia ficar chateada em razão da aparente falta de solidariedade... Na verdade o problema era com o Investigador “Zico” (estava como motorista do Delegado Hilton Vieira que estava na cidade), pois se fosse necessário dormiria na viatura para economizar, especialmente, em razão dos seus “consignados” e porque os valores das nossas diárias ficavam muito aquém de nossas reais necessidades... Já Dilson Pacheco (nosso motorista) era uma pessoa bem tranquila, qualquer lugar estava de bom tamanho. O problema era principalmente a higiene do hotel que deixava a desejar, sem contar o barulho ocasionado pelos veículos pesados a serviço de frigoríficos, no transporte de carga viva e do fluxo intenso de veículos pela manhã.

Lembrei que no dia anterior estávamos em Curitibanos e já tinha cantado a pedra, mas comuniquei que Marilisa decidiria se nós ficaríamos em Joaçaba ou se iríamos diretamente para Videira. Marilisa não decidiu nada e tinha recomendado que eu decidisse. Na verdade senti que quando revelei os planos da Escrivã Ariane Guenther, ou seja, ela preferia pernoitar em Joaçaba para se encontrar com Daniela Arantes (Inspetora de Polícia da Corregedoria que estava noutra comissão atuando na região), em razão da forte amizade entre as duas. Então, o fato era que Marilisa pareceu querer apoiar essa decisão, considerando o fato de integrar à “dupla”, formando uma “tripla, pois ” obviamente à noite elas sairiam pela pequeninha metrópole, talvez fossem na “Pizzaria Brollo”, ou no Restaurante “Kraftwerk” (acho que é assim...), ou então noutros locais... Bom, se era para ser assim, então que assim fosse!” Foi o que imaginei no dia anterior, após nossa conversa em Curitibanos. 

Logo que Marilisa e Ariane deixaram a viatura e foram em direção ao Hotel Linck avisei que estava indo com Dílson até a Delegacia Regional para fazer uma visita ao Delegado “Toninho”.  Logo que chegamos no prédio das Delegacias Regional e da Comarca encontrei  o Investigador “Zico” que veio me perguntar sobre a viagem da semana seguinte, pois estava preocupado porque não existia disponibilidade de diárias. “Zico” comentou que o Delegado Hilton Vieira e a Inspetora Daniela  estavam na Delegacia Regional trabalhando num relatório no caso envolvendo o Delegado “Gross” (Delegado Regional) e que iriam permanecer até mais tarde. “Zico” pediu uma carona até o Hotel Linck porque daria uma corrida (“faria um ‘Cooper’”) pela cidade. Deixamos “Zico” no Hotel Linck e pedi a Dílson que me levasse até o “Hotel Jaraguá”. Logo que cheguei ao meu destino peguei as bagagens e pedi para que Dilson não dissesse para o pessoal onde eu estava hospedado naquele local para não chatear ou deixar alguém ressentido (a).

Já acomodado no meu quarto lembrei que no dia seguinte todo mundo saberia que eu havia tomado um outro destino. Achei melhor mandar um “torpedo” para Marilisa para lhe dar uma satisfação, mesmo sabendo que ela estava focada em Ariane, Daniela, Zico, Dílson e Hilton, muito provavelmente todos sairiam mais tarde para jantar, enquanto eu teria ainda que trabalhar até mais tarde, digitando... Esse foi o teor do meu “torpedo”:  “Ma, estou noutro hotel (Jaraguá). Desculpe a minha ausência. Bjs”. O engraçado era que essa mensagem foi  mais que um pedido de desculpas, uma justificativa, um registro, também, pretendia  oportunizar a ela um certo “gostinho” de doce e amargo, fazer “doer” um pouquinho a dor da ausência, porque sabia que ao mandar  a mensagem estava pensando nela e se isso estava ocorrendo era  porque eu estava “amarrado’, “plugado’, “preso” e “refém” dos acontecimentos e sentimentos tribais. Marilisa tinha um lado cruel de lidar com esse tipo de situação, e porque isso fazia parte da sua essência, parecia  uma forma de lidar com um pseudo “poder” que transitava entre o trivial e algo mais refinado, de um lado a figura emblemática do “Corregedor”  e de outra parte ela exercendo na plenitude o controle de alguém especial que poderia se postar a seus pés num estalar dos dedos... e nisso ela quase que se transformava numa caricatura, numa protagonista de estórias de desenhos em quadrinhos... Marilisa na verdade não tinha estrutura emocional para trabalhar sob tensão extrema, mas esse tipo de energia dava a impressão que alimentava e animava seu psique, enquanto isso eu precisava respirar os fatos, estar dentro dos acontecimentos de forma intensa, pura e verdadeira... Aliás, todos eram importantes nesse processo, mas ela era especial e intensamente importante pelo que representava para mim e para a nossa história.

Talvez Marilisa não entendesse ou não soubesse que meu intento era também provocá-la para manter nosso “fio condutor” em relação ao porvir, mantendo vivo a nossa história da qual somos os principais protagonistas, sem perdermos nossas identidades e dignidades pessoais, onde o respeito estava acima de tudo.  

A minha esperança era que Marilisa superasse aquele estágio básico, com pitadas de primitivismo, apesar de que nossas redes neurais fossem comprometidas e acabavam nos transformando em reféns de variáveis que nos impulsionam quase que cegamente numa direção imprevisível que poderia ser tanto “quântica” como “tupiniquim”. Lembrei que tinha dito para Marilisa aquela frase do “filósofo doido”: “Como são pequenas as nossas conquistas”, e talvez ela nunca viesse a entender ou dar a devida profundidade a respeito do alcance dessa máxima. Mas observei que no distanciamento Marilisa acabava se perdendo, ou seja, quando me afastava por um tempo parecia que ela sentia a falta do carinho, da amizade, da atenção, como se eu fosse alguém muito especial e responsável pelo seu “tônus”, uma espécie de “guru” espiritual que já fizesse parte de seus pensamentos, da sua vida... Lembrei que nessa viagem algumas vezes ela se aproximou, querendo demonstrar uma intimidade, significância, substância... Acabei preocupado e pensei: “Bom, espero saber lidar com essas energias, controlando impulsos e mantendo o distanciamento necessário para que não fôssemos mal interpretados ou, ainda, que nosso pessoal não confundisse nossa relação pura, assim, nada de brincar com sentimentos, tampouco, usar de “espírito baixo” que pudesse machucar por dentro, vulgarizar nossas relações, “desfocar”, enfim... Acredito que esses ares místicos foram também motivados porque estávamos num “cruzeiro” (significado de “Joaçaba” na linguagem “guarani”), antigo nome da pequenina metrópole.  

Horário: 22:20 horas:

Como não houve nenhum retorno de Marilisa logo imaginei que estavam em algum restaurante, lanchonete, todos reunidos jogando conversa fora, falando sobre coisas do imaginário policial enquanto eu estava a mil ultimando relatório, registrado acontecimentos, fazendo anotações...

Horário: 13.11.2007, horário: 16:30 horas:

Estava chegando na  Corregedoria-Geral da Polícia Civil do Estado do Paraná (Curitiba)  e recebi uma ligação de Marilisa avisando que tinha recebido um fax da Escrivã Ariane, sobre a viagem da última semana, a fim de que fosse assinados os documentos relativos à viagem da comissão processante. Naquele momento me encontrava na companhia do Advogado Jonathan de Canoinhas (amigo do Juiz João Marcos Buck de Joinville) e atrasado para a audiência, no meio de um engarrafamento. Não pude dar muita atenção, mas fiquei feliz com a sua ligação e ela do outro lado foi doce, relatou que tinha recebido os documentos e queria saber como faria para nos repassar. Argumentei que estava em Curitiba e que depois a gente conversava. Ela pediu então que a gente (eu, Patrícia e Zico) passasse na residência dela à noite em Joinville. Concordei.

Horário: 19:00 horas:

Fui apresentado à Corregedora-Geral da Polícia Civil do Paraná (depois da audiência) e para o Corregedor-Geral Adjunto (Delegados Shania e Luciano). O advogado Jonathan me acompanhou e fiquei alguns instantes conversando com os dois “Corregedores”. “Shania (acredito que é assim que se pronuncia) estava com o pé fraturado devido a um acidente e fez algumas perguntas sobre a nossa Polícia Civil de Santa Catarina. Como resumo da ópera, fiz duas recomendações:

- “Bom, se algum dia algum governo ou político propuser a vocês extinguir a ‘Corregedoria-Geral da Polícia Civil’ para criar uma ‘Corregedoria-Geral Unificada’ no Gabinete do Secretário de Segurança Pública, por favor, não aceitem essa proposta, resistam, mas resistam mesmo, sem tréguas. Ah, outra coisa, também se um dia propuserem aos Delegados receberem horas extras, por favor, rejeitem, mas rejeitem mesmo com todas as forças porque é veneno, olha só como é que está a nossa situação salarial em Santa Catarina? Aqui um Delegado inicial de carreira ganha igual a um Delegado como eu com mais de trinta anos de serviço... Os ‘iluminados’ lá em Santa Catarina que ‘boloram’ esse esquema de pagamento de horas extras para Delegados hoje se arrependem... A nossa luta lá agora é criar um órgão independente. O nosso grande desafio hoje é criarmos um órgão como uma ‘Procuradoria-Geral de Polícia’, subordinado diretamente ao Governador do Estado. Também, outra luta é criarmos o segundo grau na carreira de Delegado de Polícia, imaginem, os Promotores acabam Procuradores, os Juízes, Desembargadores, e nós? Então, a proposta é essa, se tivermos êxito, então levaremos isso para outros Estados e aí, quem sabe, num futuro, quem sabe uma ‘Pec’ Federal para alterar a Constituição e participarmos até do ‘quinto constitucional’ nos Tribunais já que somos essenciais a Justiça, tanto como os Promotores e advogados...”. 

Depois dessas minhas considerações a Corregedora Shania quis saber quem eu era, que cargo eu ocupava na Polícia Civil em Santa Catarina. Fiquei meio sem o que dizer, quase que pego de surpresa com a aquela sua curiosidade, talvez, motivada pelo tamanho da minha aparente “pretensão” institucional. Respondi que era apenas uma ‘luz se apagando’, uma vela fraquinha no seu final... Logo imaginei que a Corregedora Shania, cujo esposo era o Delegado-Geral da Polícia Civil do Estado do Paraná deveria ter na mente a “arquitetura do poder” dentro de uma instituição e que quem deveria liderar os encaminhamentos institucionais eram as lideranças formais (cúpula) e legitimadas (representações classistas...). Certamente que ela não conhecia a minha história e, tampouco, eu teria tempo para  fazer relatos a respeito de quem eu era, nossos projetos, sonhos, utopias..., por que talvez na sua mente eu ser um simples “Corregedor” como aqueles que trabalhavam sob seu comando no seu órgão correicional.