PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 04.10.2007, horário: 13:00 horas:

Tínhamos acabado de almoçar num restaurante no centro de Videira e comentei que daria uma chegada no Shopping Central ao lado do restaurante para tomar um café. Marilisa disse que queria me acompanhar e cominhamos juntos. No café eu e Marilisa sentamos numa mesa. Pedi uma média e ela quis um cafezinho pequeno. Conversamos um pouco sobre nossas vidas, em especial, sobre a dela. Marilisa parecia muito próxima, muito querida, superdada e superamiga. Mas eu já conhecia aquele seu jeito impulsivo, momentâneo e  me sentia bastante forte para entender todo o seu processo espontâneo permeado com um misto de empatia, carinho e de entrega.

Marilisa confidenciou que achava que iria morar numa cidadezinha pequena do interior, pois estava vendo seu filho se emancipar, não daria muita satisfação, sairia por aí... e sua filha também. Acabei dizendo que ela precisava era se livrar um pouco das amarras do passado e que Joinville era sua terra, muito emblemática na sua vida, pois lá viveu todos esses anos, lá viviam seus pais, filhos, seu ex-marido (e o atual), lá estava quase toda a sua história e que seria preciso romper com tudo isso, se livrar desse passado e passar a viver uma nova realidade num lugar totalmente diferente, ou seja, teria que ter muita estrutura, porém, no seu caso.... Recomendei que ela se imaginasse nos cinquenta e três anos, sessenta e três, setenta e três, oitenta e três... Para tanto, disse que prestasse atenção na sua mãe, na sua avó, bisavó ou nas pessoas que eram importantes na sua história de vida familiar. Fazendo isso ela poderia fazer uma reflexão do que seria melhor para o seu futuro.

Acabei lembrando que Marilisa havia me dito na viagem sobre política, ou seja, que ela deveria ver o que era melhor para seu futuro, teria que se imaginar naquelas fases da vida e descobrir o que era melhor. Em seguida Marilisa quis dar uma olhada nas vitrines das lojas e pareceu se encantar com um brinco que acabou comprando. Fiquei processando aquele seu olhar, aquele seu impulso, pois quando viu aquele par de brincos na vitrine não descansou enquanto não foi até o interior da loja...

Depois de passado alguns minutos fomos até o carro, onde “Zico” e Ariane nos aguardavam. Marilisa foi à frente, seguida por mim logo atrás. Quando chegamos próximo da viatura Marilisa fez uma ponderação que chamou a atenção porque era inesperada e estava dentro de um contexto que eu não saberia registrar o porquê já que peguei o assunto pela metade. Ela estava conversando com Ariane mas acabou se dirigindo a mim também:

- “...O meu pai e o meu ex-marido são uns ‘tansos!’” 

Fiquei observando Marilisa e me contive para não fazer qualquer comentário, mas a impressão era que ela estava dizendo aquilo para que eu ouvisse e “pensei”: “Bom, ela adoro os dois, fazem parte da sua vida e ninguém pode apagar isso. Mas por que ela diz uma coisa dessas? São pessoas que têm raízes na sua vida que ninguém poderia apagar...”. 

Horário: 17:30 horas:

Chegamos na Delegacia Regional de Caçador e fui direto até o gabinete do Delegado Carlos Evandro Luz. Logo que cheguei no seu gabinete observei que “Carlão”, também Vereador naquela cidade, estava sentado na sua mesa despachando. Era um local simples, até parecia um cartório, uma sala qualquer, menos um gabinete de autoridade policial. Marilisa veio em seguida e “Carlão” ao perceber sua presença se levantou instantaneamente e foi na sua direção  para recepcioná-la com fidalguia. Fiquei observando a cena mantendo-me de pé. “Carlão” deu uns beijinhos em Marilisa, chegando a ficar rubro, dando a impressão que se tratavam de velhos amigos. Durante o curso do bate-papo acabei me sentindo deslocado, como se fosse um peixa-fora-d’água pois as atenções estavam todos direcionadas para Marilisa, então, resolvi pedir licença e deixei os dois conversando a sós, me dirigindo à sala que ficava em frente e iniciei a audiência que estava agendada. Antes de sair disse para os dois:

- “Vou iniciar os trabalhos, mas vocês podem ficar conversando à vontade”. 

Parece que era tudo que “Carlão” queria ouvir, justamente ele que tinha olhos, voz e ouvidos grandes para conversar amenidades, desde que fosse o “dono da palavra”. Na verdade faltava sensibilidade da parte dele e talvez no meu caso um “cargo político” que impressionasse fizesse a diferença, aí sim, ele baixaria a guarda... Fiz a audiência e Marilisa não apareceu, porque ficou conversando com o Delegado Regional o tempo todo. Depois que terminei os trabalhos resolvi voltar até o gabinete de “Carlão”,  e me sentei um pouco a fim de não deixar Marilisa sozinha, também, para lhe dar um toque sutil que já estava de saída. O problema era que “Carlão” não deixava ninguém falar, estava a mil, não dava espaços... Podia observar que raramente ele olhava nos meus olhos, exceto em alguns momentos, porém, a impressão era de que estava num processo de “encantamento” com Marilisa. De minha parte, como tinha um conceito forte perante as bases policiais, a minha liderança poderia incomodar muita gente, especialmente, os Delegados que tinham projetos políticos pessoais o que não era o meu caso. Com relação a minha presença (apesar de há anos que não nos víamos), seu olhar não parecia um olhar de satisfação, não era um olhar com aquele misto de receptividade e prazer, ficava a nítida impressão que se tratava de mais uma formalidade, algo que parecia forçado, precisava ser rápido, descartável... No entanto, quando se dirigia para Marilisa ele se demorava, gesticulava, parecia “babar” nas atenções... e o pior era que ela dava a impressão que gostava daquele jogo, digamos que no contato entre ambos dava para perceber certa emoção, veneração e  confidências..., considerando o seu grau de investimento auricular. Diante desse quadro achei complicado tentar me introduzir em qualquer diálogo, propor algum assunto de cunho institucional, parecia piada ou um deserto na minha frente, uma pessoa totalmente aérea, entorpecida por outros ares..., e fiquei pensando: “Caçador é uma cidade complicada, sempre foi, os policiais parecem estar noutro mundo, vivem noutra dimensão, como se não pertencessem à Polícia, como se tivessem vida autônoma, fossem independentes e auto-suficientes...”. “Carlão” pediu ajuda para Marilisa, no sentido de tentar vender seu apartamento na praia da Enseada (São Francisco do Sul) e logo imaginei que eles poderiam ter alguma amizade de lá, já que eram quase vizinhos de praia. “Carlão” relatou que já veraneou em todo o litoral catarinense, desde Jurerê Internacional, Camboriú, mas as praias que mais gostou eram as de São Francisco. Num dos raros momentos que ele percebeu a minha presença silenciosa acabou me surpreendendo com uma frase em tom nervoso e que não disfarçava que seu interesse continuava noutra direção:

- “E daí, como estão as coisas?”

Confesso que não tinha vontade ou  entusiasmo, mas respondi apenas com um sorriso lacônico:

- “Tudo bem, tudo bem! Puxa, mas como tu ficastes parecido com o teu pai”

Nisso, “Carlão” sem dar muita importância,  voltou com força total sobre Marilisa. Era muito  engraçado, quase cômico como ele sentia prazer em conversar amenidades com ela, desperdiçando um momento precioso para tratar sobre outros assuntos de interesse institucional ou profissional, e fiquei pensando: “Ele ficou de barba e cabelos grisalhos. Suas mãos estavam bastante envelhecidas, achei aquilo cruel, ou seja, o fator tempo fazia-se notar de forma muito evidente, e talvez aquela sessão “cinema show” também tivesse haver com isso, ou seja, o instinto de sobrevivência da espécie estivesse falando mais alto? Tudo em nome da “galhardia masculina”, do efeito “pavão” que atiçava homens... e me perguntei: “Se os Delegados tivessem essa ‘tesão’ pela instituição, pelos nossos projetos, certamente que não ficaria pedra sobre pedra.  Em determinado momento, tive que interromper a conversa para comentar que iria até a Delegacia da Comarca (andar térreo) para conhecer a Delegada Ana Eliza que havia iniciado o seus exercício há pouco tempo. Marilisa me olhou com aqueles olhos pedintes de socorro, como se quisesse dizer “me leva junto, por favor, não aguenta mais...”. Fiquei sem jeito, eram impressões fracionadas por segundos, e a minha vontade era alcançar sua mão, alça-la e puxá-la daquela “saraivada” de “palavriados”, “trovas”... Só que “Carlão”, bastante safo, se antecipou dizendo:

- “Vai lá, vai lá, deixa a Marilisa aqui comigo, depois eu levo ela lá para conhecer a nova Delegada”.

Marilisa ficou sem argumentos e muito menos eu que acabei segurando um riso quase irônico e pensamentos furtivos... Fui até o andar térreo e encontrei a Delegada Ana Elisa que me atendeu prontamente, sem saber quem eu era. Acabei me identificando como Delegado de Florianópolis. Ana Elisa perguntou em que local eu trabalhava e  respondi que era “Corregedor”, sem imaginar que a seguir ela teria um “mal súbito” (brincando), e foi dizendo:

- “Meu Deus, o quê? Isso me dá uma coceira, aí que coceira, ai meu Deus...!”.

Não passado muito tempo chegou “Carlão” acompanhado de Marilisa e novamente pude perceber que nos apequenávamos, pois ele parecia se portar como um astro, revelando insensibilidade, falta de humildade..., afinal de contas, tinha tantos assuntos institucionais para conversar com ele e tive que abortar praticamente quase tudo.  Mais uma vez acabei deixando que ele reassumisse aquele papel de autoridade máxima, ocupando todos os espaços, deixando transparecer seu ar de absolutismo.

Na verdade, naquele instante achei “Carlão” meio doente, fora da realidade, externando um pseudo poder, querendo se inflar, dotado de uma pseudo autoridade, como se fosse o “coronel da terra”, era uma sensação que não experimentei em lugar nenhum, mas ali parecia evidente, o “ego” era uma questão incomensurável. Acabei lembrando que o “DRP” Flares também se comportava de um jeito “coronélico”, diferente das outras vezes, mas tudo dentro de uma dosagem aceitável, talvez até como reflexo da confusão que existia no comando da instituição (leia-se: Maurício Eskudlark). Assim, os DRPs pareciam buscar uma compensação, uma certa autoafirmação, pois se não recebiam apoio da cúpula, do governo, dos políticos, de outra parte tentavam compensar isso externando uma conduta, uma postura, uma atitude absolutista, permeada por um certo ar de pedantismo e ares exagerados de “fidalguia” na relação de gênero.

Horário: 19:00 horas:

Estava num hotel na cidade de Caçador e o Investigador “Zico” me telefonou dizendo que “as duas” (Marilisa e Ariane) estavam querendo sair para fazer um lanche. Argumentei que ele as acompanhasse. Era engraçado, mas logo pensei: “Será que vai ser um lanche como ontem ou será que vai ser um café?” Na verdade não senti em “Zico” aquela vibração: “Puxa, doutor, vamos juntos. Faz companhia para a gente. O pessoal quer que o senhor acompanhe. Doutor vamos se divertir conosco, o pessoal está pedindo a sua companhia, o senhor vai fazer falta...". E, respondi: "Sim, se sair com elas ao invés de falar de lojas, certamente que vou tratar de assuntos institucionais, o que acabava saturando...”.

Senti a falta da amiga Marilisa, apesar de saber que para ela bastaria estar próximo, sentir a minha presença... Mas, nas aparências, não havia aquela emoção, não havia um telefonema de Marilisa no sentido de me fazer presente, apenas um interlocutor, não havia nada além do sair por ai, o que às vezes não significava nada, seria melhor então que me recolhesse no meu quardo de hotel, à minha reclusão, ao meu silêncio, ao meu notebook para lerl escrever... e não incomodá-los com minhas ideias, com meus desabafos, minhas contestações e pensei: “Bom, se não sou uma boa companhia é melhor ficar por aqui, não incomodá-los, ficar recolhido como fiz ontem, ainda mais que Marilisa era uma boa companhia para trocas de energias com a equipe, uma amiga sensível..., e eu poderia continuar na solitude”.