PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 10.08.2007, horário: 09:00 horas – “”: 

Tinha acabado de chegar na Delegacia Regional de Polícia de Joinville e estava aguardando pelo início do interrogatório da Escrevente Elizete Felipe Quirino,  uma das que auxiliaram o Delegado Marcucci e que foi muito objeto de perscrutação por parte da cúpula da Polícia Civil anterior. Logo em seguida encontrei o Delegado Alves, membro da comissão disciplinar (juntamente com a Delegada Marilisa Boehm) que caminhava meio devagar, parecendo cansado, deprimido...  Fui ao seu encontro e o convidei para irmos tomar um café, enquanto aguardávamos Elizete que estava atrasada. No caminho Alves foi me dizendo:

- “Ah, Felipe, acho que agora eu vou me aposentar, é definitivo, não tem mais volta. Já fiz contato lá com o Setor de Recursos Humanos e daqui a um mês sai o meu ato”. 

Aproveitei para colocar uma pilha:

- “Eu acho que tu não vais mais te aposentar, sinceramente...”.

Alves insistiu:

- “Não, agora não tem mais retorno, é definitivo, não tem mais volta...”. Interrompi:

- “Pois eu acho que tu vais mandar segurar..”.

Alves parecendo curioso perguntou:

- “Sim, tu estais dizendo isso porque a Administração pode suspender os atos?”

Continuei:

- “Não, você mesmo, Alves”.

Ele verberou com rigor:

- “Que é isso? Não! Não tem mais volta, agora eu vou, é prá valer!”

Acabei relatando sobre o anteprojeto prevendo a criação do “Fundo de Garantia dos Policiais Civis”  e ele se mostrou cético... Reforcei dizendo que a Polícia Militar já havia conseguido aprovar o seu “Fundo” e que tínhamos todo o direito de exigir um tratamento igualitário.  No café coloquei mais minhoca na cabeça de Alves:

- “Imagina, tu és Delegado de Quarta Entrância. O teu vencimento básico é uns cinco mil reais por mês. Então, se tu esperares alguns meses, até o final do ano, vais acabar levando trinta vencimentos básicos. Isso vai dar uns cento e cinquenta mil reais. Tu tiras trinta, compra um carro novo, não dá? Depois tu tiras mais uns setenta mil e melhora a tua casa, não dá? E ainda sobram uns cinquenta mil para uma viagem ou para guardar um pouco para a velhice...”.

Alves pensou um pouco e depois de terminar o café, quando já estávamos de saída, disse:

- “É, eu acho que tu conseguistes colocar minhoca na minha cabeça, conseguistes me fazer balançar, Felipe”. 

Como Elizete já havia chegado me dirigi para a sala de audiência para fazer o interrogatório. Antes pedi que “Zico”  fosse atrás de Marilisa na sua residência, com o objetivo da assinar o relatório de instrução no processo do Marcucci.  Pedi que Alves fosse junto até a residência de Marilisa a fim de que conversassem sobre o conteúdo do relatório. “Zico” retornou da recepção da DRP dizendo que a “doutora Marilisa” tinha avisado que viria até a DRP.  Não deu muito tempo acabei detectando uma ligação de Marilisa para o meu celular. Ela foi dizendo que daria uma chegada até a Delegacia Regional para assinar os documentos ou então eu mesmo poderia dar uma passada na sua residência. Escrevi que no final da audiência decidiria. 

Quando encerrei os trabalhos pedi que “Zico” desse uma chegada até a casa da Marilisa, acompanhado do Delegado Alves, levando o relatório de instrução e o interrogatório de Elizete para que ela assinasse. Logo em seguida Marilisa me ligou e foi justificando sua ausência, pois o seu sobrinho (filho da irmã que residia em Concórdia) estava muito doente, com febre e ela passou a noite toda em claro cuidando do mesmo. Argumentei que entendia a sua situação e que não tinha problema, que eu já estava sabendo. Marilisa perguntou se eu não queria receber minha máquina de volta (a lixadeira treme-treme). Percebi que ela deveria estar se sentindo desconfortável com a posse de um bem e se mantendo tão distante. Procurei facilitar e disse que ela poderia mandar a “maquininha” pelo “Zico”. Marilisa argumentou:

- “Não, querido, o ‘Zico’ já foi”.

Bom, entendi que ela gostaria de me entregar o referido bem e, talvez, me rever pessoalmente, “curar” algumas dúvidas, amenizar o impacto do seu distanciamento, ser fina, educada, condescendente comigo. Ela chegou a perguntar se eu já estava em Florianópolis ou em São Francisco. Respondi que ainda estava na DRP e argumentei que daria uma chegada até sua residência, deixando escapar uma brincadeira:

- “Oba, vamos almoçar juntos”. 

Marilisa ficou meio surpresa e foi dizendo:

- “Ah, sim, pode vir, já vou falar com minha empregada...”. 

Não esperava que minha proposta fosse levada sério e estava em apuros buscando uma saída:

- “Não, não, estava brincando, nem pense nisso!” 

Marilisa me passou o endereço da sua residência e rapidamente consegui chegar no destino. Quando fui estacionar meu carro pude notar que havia algumas pessoas no pátio. Olhei bem e reconheci o filho de Marilisa. Observei que havia uma mulher de costas que parecia ser minha amiga, pois não só a silhueta, mas os cabelos, a própria roupa, tudo fazia lembra-la. Acabei adotando certa cautela porque havia dois homens conversando, um deles de cabelos brancos, muito embora não fosse muito velho, deveria ter não mais do que uns quarenta e cinco anos e que conversava com outro da mesma idade. A impressão era que um deles poderia ser seu ex-marido, advogado naquela cidade e possuía escritório naquele mesmo endereço.

A casa de Marilisa mais parecia um ginásio de esportes e ao lado do estacionamento havia uma construção onde antes funcionava uma  churrascaria. Tudo era muito improvisado. Pude observar que o pátio do estacionamento estava cheio de folhas secas das árvores.  Saltei do carro e logo que fui me aproximando daquela que achei que pudesse ser Marilisa, porém, a mesma caminhou e ficou na minha diagonal. Levei um susto, pois percebi que eram mesmo muito parecidas, certamente dava para ver que tinha mais que sessenta anos e possuía certo envelhecimento no rosto. Também aparentava ter uma estatura menor, provavelmente em decorrência do peso da idade. Enquanto aquela “senhora” e o filho de Marilisa se dirigiram para o interior da residência, os dois homens foram para suas caminhonetes e deixaram o local.

Acabei sozinho no estacionamento e me dirigi até a porta da entrada da residência,, cuja porta foi fechada bem na minha cara, talvez achassem que eu estava me dirigindo para o escritório de advocacia, já que as portas eram bem próximas. Olhei e vi que tinha uma placa com o anúncio do “Advogado Lima” (ex-marido da Marilisa). Como havia um interfone ao lado da porta, resolvi tocar e Marilisa atendeu dando a impressão de que já estava me aguardando. Ela perguntou se eu queria entrar. Argumentei que não e ela veio até o meu encontro.

Logo em seguida, depois dos cumprimentos, fomos até próximo do mesu carro para conversarmos um pouco. Acabei relatando o episódio de Balneário Camboriú, quando encontrei Maurício Eskudlark... Depois acabei falando das “afinidades” entre os Delegados Gilberto Cervi e Silva e Maurício Eskudlark, também, da importância de Balneário Camboriú na vida dos dois. Relatei o episódio do almoço que participei com Gilberto Cervi e sua “namorada” (dona da fábrica de placas) no restaurante Chaplin.

Na sequência relatei o episódio do combustível para a viatura da Corregedoria, quando eu e “Zico” fomos pedir gasolina para que o pessoal pudesse chegar na Capital o Delegado Gilberto Cervi abriu a carteira e quis me dar dinheiro vivo... Na verdade quis dizer que Balneário Camboriú era uma festa. Acabei fazendo um relato sobre o anteprojeto de lei que tratava sobre o “fundo de garantia”. Notei que na medida que repassava detalhes os olhos de Marilisa brilharam e seu sorriso ficou bem mais largo.  Procurei me controlar e não dar muito mole porque isso acabava transformando nossa relação muito fácil e não sei se ela compreenderia a minha maneira de me relacionar.

A seguir, conversamos quase que sobre assuntos de serviço e ela me perguntou se na próxima semana eu estaria em São Francisco. Disse que não, pois viajaria para Concórdia, mas talvez no final de semana sim. Marilisa disse que se fosse a São Francisco daria um jeito de me encontrar lá. Achei graça daquele seu jeito de falar e ela soltou mais outra típica de uma queridíssima amiga:

- “Felipe eu sei que tu és meu amigo, não é? Sei que és meu amigo...”.

Olhei para ela e pensei fazer um tratado sobre o que significa uma “amizade”, mas fiquei na superfície e fui dizendo:

- “Só não quero ser teu inimigo, por favor!”

Acabamos dando boas risadas e achando graça, enquanto ela logo em seguida foi relatando que passou a última noite sem dormir porque ficou cuidando do seu sobrinho. Perguntei se era grave e ela respondeu que ele encontrava-se com febre. Perguntei se era uma criança e Marilisa me respondeu:

- “Não, não, ele é universitário, faz engenharia...”. 

Fiquei pensando: “Deve ser muito grave mesmo o problema, porque sua mente está tão focada naquilo”. Relatei a conversa que tive com o Delegado Alves e que achava que ele iria acabar segurando a aposentadoria. Marilisa achou graça e conversamos sobre o “orgulho”. Argumentei que no final da vida acabamos mortos, enterrados e onde ficava o nosso orgulho? Marilisa concordou. Lembrei que ter dignidade era importante, muito embora tudo tivesse limite. No final disse que havia conversado com o Delegado Bini e repassado todas as informações a respeito do anteprojeto do Fundo e mais a emenda constitucional sobre a “Procuradoria-Geral de Polícia”. Também, lembrei que o segredo era a alma de todo negócio e que não era para ela citar o meu nome em nenhum momento porque era muito visado. Citei como exemplo o caso “Dirceu Silveira” no episódio das suas férias. Marilisa concordou que os Delegados que ocupavam cargos de direção na cúpula da Polícia Civil queriam ser importantes, queriam externar poder e por isso que poderiam eleger alguém capaz de menosprezar, humilhar... na frente dos outros, procurando demonstrar que são poderosos e que era para os “subordinados”  se sentirem acuados.

Marilisa concordou  com minhas opiniões e lamentou o que havia acabado de ouvir. De repente o filho de Marilisa foi até a janela e gritou:

- “Mãe, mãe, vem atender o telefone, é a tua irmã”.

Marilisa ficou sem saber o que fazer e percebi que ela estava preocupada com a saúde do sobrinho e não poderia deixar de atender a ligação. Assim, nos despedimos e ela saiu correndo depois de dois abraços. Quando já estava manobrando meu carro, da porta Marilisa gritou e fez um gesto com a mão, mandando um beijo. Achei aquilo engraçado e apenas fiquei mirando-a de longe, meio que pego de surpresa com aquele seu lindo gesto “impulsivo”.  Logo que fui me afastando veio um “grilo” na cabeça: “Ela é tão preocupada com a família, a ponto de mergulhar profundamente nesses assuntos e esquecer o resto do mundo, nossos projetos , as pessoas...”. Acabei lembrando também do Delegado Alves quando me disse que quando não existia horas extras Marilisa vivia inventando doença, faltava o serviço... Depois, lembrei quando ela desabafou comigo dizendo que “odiava nossa instituição” (sim, foi um desabafo!). Fiquei me olhando num espelho virtual e me perguntando: “Puxa vida, eu luto pela instituição, não reclamo dela, apesar de ver tantos desafios, tantos espinhos pelo caminho, tantas frustrações e já passado do final da minha trajetória ainda estou energizado por realizar, reivindicar, trabalhar, me emocionar, respirar... Se todos pensassem assim acredito que nosso futuro poderia ser bem melhor...”. 

Não querendo ser melhor do que ninguém, nem julgar ou cobrar, mas apenas ter uma visão crítica da nossa realidade, imaginei o cenário de Joinville, onde o Delegado Alves mais parecia um “morto vivo”,  Marilisa desconectada da realidade e transitando dentro de um estilo “Barbarela” nos meus pensamentos, Dirceu Silveira, reinventando o espaço “soldadinho de chumbo”, restavam os Delegados novos, com um cenário cru, de “crudelismo” pela frente. Acabei lembrando das “figuras” patéticas de Gilberto Cervi e Silva e Maurício Eskudlark na DRP de Balneário Camboriú, depois o DRP de Itajaí que apesar da solicitude, mais parece engessado...  e me perguntei para “onde iríamos?” O Delegado Bini arriscou um palpite, ou seja, que daqui a dez anos poderíamos estar muito mal, talvez estivesse certo? Não sei. Espero que não, porém, não sei se estarei “vivo” até lá.  Bom,  há dez anos comecei a escrever o “Triunfo Final”, sim, lá se vão dez anos...  

Acabei voltando meus pensamento para a policial Elizete Felipe Quirino, que tinha interrogado naquele processo disciplinar e que – apesar de toda a pressão –  tinha se revelado uma “guerreira”, protegida por forças transcendentes como no reino de “Carlos Santana”  e seus Xamãs em desenhos “treliçados”, acompanhado de acordes moldais que invocavam a espiritualidade, solidão, paraísos...  Quando ela me disse na nossa saída que os policiais de Joinville tinham uma consideração muito grande por minha pessoa fiquei meio surpreso.  Sim, esse pouquinho de “ego” talvez tivesse  seu valor, como uma luz tênue no final de um túnel... seria?

Horário: 22:00 horas:

Uma notícia triste: meu amigo Arno (Comissário de Polícia aposentado) me ligou de Florianópolis avisando que seu filho Wildemir havia acabado de falecer em razão de um tumor no estômago. Uma noite que passou a ser muito triste, morreu aquele fiel escudeiro, fã número um do ex-Deputado Julio Vânio Teixeira, que queria acreditar piamente nas suas palavras e promessas.