CASO PRÁTICO E DISCUSSÃO ACERCA DO DIREITO DO MUTUÁRIO

Por Patrícia Fernanda Santos Velozo | 21/06/2018 | Direito

SINOPSE DO CASE: O CASO DO FINANCIAMENTO DO CALHAMBEQUE1
Patrícia Fernanda Santos Velozo²
1. DESCRIÇÃO DO CASO
O indivíduo realiza, em seu cotidiano, diversos tipos de obrigações. Obrigação é a relação jurídica transitória existente entre um sujeito ativo, denominado credor, e outro sujeito passivo, o devedor, e cujo objeto consiste numa prestação situada no âmbito dos direitos pessoais (TARTUCE, p.6, 2008). Tal obrigação pode ser de cunho civil ou natural, em que esta é uma obrigação moral e aquela é possuidora de direito de exigir tal cumprimento mediante ação judicial. A obrigação, quando cumprida, extingue-se. Não cumprida, dá origem à responsabilidade, que é patrimonial: o patrimônio do devedor responde por suas obrigações (GONÇALVES, p.179.2011). Sendo assim, entende-se que uma obrigação quando não é cumprida, detém de consequências para o devedor.
Entretanto, em alguns casos, tais consequências vão além do que é garantido por lei. Tem-se como exemplo o caso de Gervázio. Gervázio realizou o que sua tribo chamava de financiamento, onde se comprometeu a pagar sessenta parcelas de mil reais pelo calhambeque, totem da sua população em que o status social estava baseado. Na primeira parcela, Gervázio foi cobrado, além dos mil reais, por uma tarifa de abertura de crédito de setecentos e cinquenta reais mais uma taxa de emissão de boleto de dez reais. Desejando continuar com o calhambeque, Gervázio pagou o que lhe foi cobrado percebendo, ao longo dos meses, que a taxa de emissão do boleto continuava aparecendo. Gervázio cumpriu sua obrigação até a nona parcela quando Gervalina, sua esposa, adoeceu fazendo com que o pagamento das parcelas não ocorresse por três meses.
Depois desse período, Gervázio foi até o banco e descobriu que a dívida que era de R$ 3.030,00 passou a ser de R$ 4.400,00 e que o banco estava cobrando juros sobre os juros fixados no empréstimo além de correção monetária fixada pelo ICC.
2. IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO
2.1 Descrição das decisões possíveis
Em decorrência do problema ocorrido no financiamento de Gervázio, questiona-se: Quais são os direitos que o mutuário possui?
2.2 Argumentos capazes de fundamentar cada decisão
2.2.1 Na obrigação do caso descrito, Gervázio sendo devedor do pagamento do financiamento ao credor (banco), acabou por possuir somados juros à sua dívida. Entretanto, tal banco estava cobrando juros sobre os juros fixados no empréstimo além de correção monetária fixada pelo ICC. Sendo assim, como se encontra previsto no Código Civil: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”, a ação do banco é vista como abusiva, que também possui tipificação no artigo 51, IV, do Código do Consumidor: “Estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou à equidade”. Além do que já fora exposto, pode-se perceber ainda, uma onerosidade excessiva por meio do banco tendo em vista que além dos juros cobrados sobre os juros e da correção monetária, foi percebida uma taxa de emissão do boleto em todas as outras prestações além da primeira. Mediante disso, Gervázio possui como direito o pedido para que o contrato sofra resolução, o que está tipificado no Código Civil no seu artigo 478, que diz: “Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato [...]”.
Tem-se ainda assegurado o direito de Gervázio de não ser responsável pelo pagamento dos juros abusivos, na exclusão de responsabilidade por caso fortuito e força maior, em que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito, ou força maior se expressamente não se houver por eles responsabilizado (MALUF, p.367, 2012). Caso presente no fato de sua esposa, Gervalina, adoeceu; o que acarretou um não pagamento das parcelas por três meses.
Há que se falar em inadimplemento da obrigação, em inexecução ou descumprimento, surgindo a responsabilidade civil contratual, baseada nos arts. 389 a 391 do CC. Em complemento, nasce o dever de indenizar as perdas e danos, conforme rezam os art. 402 a 404 (TARTUCE, p.110, 2008). A economia conceitua juros como sendo a remuneração
paga pelo tomador de um empréstimo junto ao detentor do capital emprestado. Assim, os juros são ditos frutos civis do capital, remuneração pela disponibilidade de uma importância em dinheiro por determinado tempo (ALENCAR, 2006). Em relação ao caso descrito, encontram-se os chamados juros moratórios que são juros decorrentes da mora, isto é, os que se devem, por convenções ou legalmente, em virtude do retardamento no cumprimento da obrigação. São aqueles fundados numa demora imputável ao devedor de dívida exigível (ALENCAR, 2006). Levando em consideração, pode-se perceber que o banco detém do direito de receber pelo pagamento cobrando juros que contam no contrato. Entretanto, não de forma abusiva.
2.3 Descrição dos critérios e valores em cada decisão possível
2.3.1 Gervázio é detentor de direitos em relação à esse financiamento tendo em vista que o mesmo detém de clausulas abusivas e que ele foi inadimplente devido a fatos com força maior.
2.3.2 O banco possui direito de receber o pagamento contando com os juros devidos.
REFERÊNCIAS ALENCAR, Martsung. Noções básicas sobre juros e o combate histórico à usura. Disponível em: < http://jus.com.br/artigos/8158/nocoes-basicas-sobre-juros-e-o-combate-historico-a-usura>. Acesso em: 6.out.2014.
BRASIL. Código Civil. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2014
BRASIL. Código do Consumidor. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2014
MALUF, Carlos. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2012.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil. São Paulo: Método, 2008.

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