Os cômodos carcomidos e o porão cinzento, lamentavelmente, a tudo lembravam abandono. Assim era a casa dos poetas. Com seus resquícios de alucinações e sonhos frívolos trancados em quartos empoeirados, presos a sete chaves, todas enferrujadas.  A mobília dá o tom tortuoso aos poemas que lhes nasciam dos corações, lhes arrebatava a cabeça até o ilimitável, o inacabável que se esvai na cadência rebelde de uma letra triste, solitária e seguida de um ponto final.

Isso é o que fazem os poetas que vivem para sempre. Seres imortais. Inatingíveis e inabaláveis que se deixam abalar ao simples e leve toque da vida. Amor!

Melancólicos imortais, ocasionalmente, lembrados na mórbida data de seus falecimentos. Vida insólita!

Apesar das cores mortas, algo ali ainda mantinha gosto e cor de vida. A casa guardava histórias suspensas nas paredes, quadros com semblantes pálidos e olhos inquisidores, arregalados, mergulhavam em um passado profundo e submergiam apenas para lembrar que um dia eles existiram.

Olhando-os pendurados nas molduras amarelas diz-se que os seus dias não foram bons, que deles sequer nasceria um conto. Mais, que o pouco que poderia ser escrito sobre a galeria bucólica daria nada menos que uma frase infinitamente pequena, o rabisco soaria a um gemido agônico.

As cortinas esvoaçantes acenam o adeus latente de corações desesperados, devastados por paixões avassaladoras. “O amor é uma montanha íngreme e todos a escalam. Anjos caídos”.

A ver aquele espaço rústico, diria o poeta, ao abandono da própria lucidez, que as vidas que um dia ali existiram foram felizes, e agora penam a sombra de espectros assustados por lembranças que lançam no ar a misteriosa fragrância de encantos passados.

A casa vazia está lá. A casa vazia... tem no seu entorno alguns restos de memórias estacadas e também é cercada por vultos que impedem qualquer um de entrar para que não seja descoberto o esconderijo dos poetas penitentes, e de toda a sua legião de fantasmas.

É tudo muito doce e impecavelmente imoral!