"Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas." (Fernando Pessoa - Álvaro de Campos)


Cartas de amor


Tenho guardadas em minha gaveta
com o cuidado de um esteta
algumas das várias cartas de amor
que escrevi e recebi na minha vida

Das que guardei a cópia
o destinatário é o mesmo
foi aquele que tirou o meu sossego
e que me fez sonhar com o paraíso

E os que me enviaram alguma carta amorosa
tenho mais de um remetente
prova inconteste dos amores que tive
e que apesar de ausentes
se derramaram em versos e declarações
me despertaram as ilusões
que às vezes adormeciam

Aquelas que escrevia
para quem dominava meu coração
eram eivadas de ternura
ou de uma paixão platônica sem igual
as marcas de batom
o perfume conhecido de nós dois
os suspiros salpicados entre as palavras
derramadas
que não queriam o ponto final
me faziam a vida colorida
me tornavam a mulher mais querida
e tiravam os meus pés do chão
Ah, e como precisava transcender
a crueza da vida
como queria voar ao encontro dele!

E a cada passada do homem dos correios
esticava pela janela o meu olhar alvissareiro
esperando a minha ração de amor

Também as minhas cartas foram todas ridículas
e a minha forma tresloucada de amar também
Mas... pode o amor ser bem comportado?
pode o coração seguir em linha reta?
Atire a primeira
a segunda
a décima pedra
quem amou em qualquer dimensão
sem se lambuzar no afeto
sem ir além do teto
que lhe abriga
sem viajar na imaginação

Ao reler as minhas cartas de amor
algumas já amareladas
e com bolor
algo me vem fresco à mente:
o olhar apaixonado do remetente
que motivou todas as linhas escritas
e que fez da nossa história
uma linda e ridícula manifestação
de amor