Esta mensagem é para você que, algum dia num passado recente ou mais distante, já falou que queria se mudar "porque o Brasil não tem mais jeito" ou algo muito parecido. É para você que, ou cotidianamente ou numa hora de desespero, tem ou teve esse desejo sedutor de encontrar paz e justiça social em uma nação do chamado Primeiro Mundo por ter se cansado de viver num país que não lhe oferece condições de viver tranquilamente.

É para todos(as) que, por verem tanta insegurança, corrupção, caos urbano, miséria, educação pública ruim e tantos outros problemas nunca resolvidos, expressam verbalmente que não aguentam mais morar no Brasil e desejariam muito ir para um país melhor que os(as) acolhesse dignamente.

Você que diz desejar sumir deste país precário e desesperançoso tem razões para pensar assim que podem ser compreendidas. Mas tem certeza de que é o melhor a se fazer? A quem você estaria ajudando se algum dia realmente emigrasse de vez por esse motivo?

Pergunto também: o que deveria acontecer para você voltar atrás da "decisão" de se mudar? Ok, a resposta mais provável é "que o Brasil se tornasse um país minimamente decente em termos de lugar para se viver e justiça social". Mas como você espera que isso aconteça, se as duas entidades que deveriam se encarregar de torná-lo melhor não trabalham como deveriam?

De um lado, governos que pouco ou nada fazem. Não são cobrados, freqüentemente sofrem travas por escândalos de corrupção e abrigam muitos(as) políticos(as) interesseiros(as) que não querem trabalhar pelo povo, e sim para si mesmos(as). Do outro, uma população – em que, queiramos nós ou não, estamos incluídos enquanto coletividade – cuja maioria não exige justiça de quem a governa, não protesta contra o que/quem lhe faz mal e prefere aceitar tudo ou ir embora a reagir.

Desponta fora dos dois lados ineptos a exceção: aquelas pessoas que, embora muito minoritárias, ajudam como podem a fazer do Brasil um país melhor, por trabalho voluntário – participação em grupos filantrópicos ou ativistas, ciberativismo ou algum trabalho individual – ou profissional – pessoas que escrevem ou fazem arte pelo povo e para o povo, tais como sociólogos(as), atores/atrizes, pintores(as), cineastas...

Devo perguntar: quem inspira mais você? Aquelas pessoas que manifestam o desejo de se mudar para o exterior e mandar seu país às favas ou essas que trabalham duro e fomentam diariamente a esperança, que de tempos em tempos aflora em você e em outras pessoas, pelas mudanças de que a nação precisa? Quem dá mais motivos de apreciação? Cabe a você refletir.

Antes que pense que estou querendo criticar e condenar você que algum dia já falou que "não aguentava mais e queria ir embora", não é essa minha intenção. Não sou ninguém para poder culpar você por o Brasil, seu estado, cidade ou bairro estarem precários, nem quero fazer isso. Pelo contrário, intenciono fazer você pensar melhor sobre qual é sua atitude em relação ao lugar onde vive.

É compreensível que alguém diga emocionado(a) que não suporta mais viver por aqui depois que foi assaltado(a) e perdeu objetos de considerável valor financeiro, ou depois que foi ameaçado(a) de morte por pessoas ligadas a algum empresário ou político criminoso dotado de poder econômico e influência, ou após sofrer algum outro grande revés que lhe tirou as esperanças de um Brasil melhor. É muito normal que alguém reaja assim quando está com o sangue quente. Merece-se então um afago tranquilizante, um alento que faça a pessoa recobrar a lucidez de antes do fato infeliz.

Este texto, em vez de ser para pessoas que falam tal coisa nessas condições, é para aquelas que declaram sua "desistência" sobriamente, expressam racionalmente seu desejo, realizável ou não, de arrumar roupas, móveis e outros objetos pessoais e se mudar do Brasil para um país socialmente mais ajeitado simplesmente porque aqui não valeria a pena viver – não incluindo quem emigra por oportunidade de emprego ou progressão profissional no exterior, estudos, convite de parentes, intercâmbio ou outros motivos que difiram da atitude desistente.

A essas pessoas, entre as quais você a quem escrevo este artigo está incluído(a), preciso dizer que quando declaramos sobriamente querer fugir daqui, estamos expressando que preferimos, egoisticamente, deixar para trás um país que precisa de nós. Estamos encerrando qualquer possibilidade de aderirmos a uma luta que não é um conflito violento e físico mas, assim como guerras de defesa e protestos sob repressão policial, requer honra, bravura, amor à terra e ao povo natais e zelo pelo objetivo de modificar o estado de coisas do país, região ou local.

Ir embora por desistência do país pode fazer bem para nós, que estamos abandonando uma "barca furada" que ameaça, em última análise, até a nossa própria vida e temos à nossa espera um "El Dorado" que nos reserva aconchego socioeconômico. Mas faz mal, muito mal, para toda a nossa conterraneidade que deixaremos para trás. Quando tomamos tal atitude, estamos demonstrando que não nos importamos com as pessoas que convivem conosco no nosso bairro, cidade, estado e país. Estamos mostrando que não damos a mínima para o nosso próximo e que queremos mais que nossa terra natal e quem vive nela "se explodam".

É de se pensar: se dez mil pessoas gritassem "Chega!" como o começo de uma reação em vez de como um desejo de fuga, se elas utilizassem de sua criatividade para escrita, desenho, pintura, oratória, ou pelo menos para escrever frases de protesto em papel ofício e colar em paredes pela cidade, já seríamos uma sociedade bem mais ativa politicamente do que somos hoje. A que população você prefere pertencer? À de quem desligou todas as possibilidades de agir pelo bem do seu país por fugir ou à de quem transformou sua indignação concentrada em manifestações públicas?

Se cem mil pessoas em condições de protestar nas ruas, em vez de emigrar por resignação e fechar todas as suas portas que possibilitavam participar de possíveis eventos de transformação, ao menos se pusessem à espera de uma hora propícia para aderir a manifestações que se posicionassem contra, por exemplo, a política estadual e federal de permitir livres aumentos de tarifas públicas, o estado ou o país já sentiriam uma enorme diferença.

Cem mil manifestantes na rua, que souberam aproveitar a oportunidade de atender aos apelos de uma campanha estadual ou nacional de mobilização, seriam decisivos(as) na maioria das situações nacionais ou estaduais que requeressem ação política popular. Seriam muito importantes nacionalmente, mesmo se espalhados em 50 cidades, na manifestação da insatisfação do povo brasileiro perante algum abuso vindo do poder público.

É de se considerar também que, em vários momentos da História mundial e brasileira, muitas pessoas preferiram não só manter o apego fiel ao seu país como também forçar melhorias no lugar onde viviam. Em vez de dizer "Eu queria muito ir embora daqui porque aqui não tem mais jeito", disseram "Aqui é cheio de problemas, mas nós vamos fazer com que os resolvam". Preferiram consertar a barca a abandoná-la furada:

- Podemos dizer isso dos(as) indianos(as) que, na década de 40, liderados(as) por Mahatma Gandhi, resistiram à dominação inglesa e forçaram, com estratégias não-violentas, a independência da Índia. Aquele povo preferiu libertar sua terra a fugir, por emigração, da opressão inglesa.

Houve episódios de repressão violenta por parte de tropas inglesas, mas a população não devolveu tal agressividade, mostrando ao mundo como o imperialismo inglês era cruel e assim desmoralizando a Inglaterra já combalida pela Segunda Guerra Mundial e forçando-a a reconhecer o direito dos(as) indianos(as) à soberania.

- Rosa Parks, na década de 50, em vez de lamentar que não tinha jeito de reverter o imenso racismo entranhado no seu país, os Estados Unidos, e desejar ir embora para uma nação que acolhesse melhor a população negra, partiu para a luta à sua maneira.

Recorreu ao notável ato de recusar dar lugar a uma pessoa branca no ônibus, contrariando o conformismo de quem estava ao seu redor. Deu assim o pontapé inicial para a realização de tantos outros atos populares de luta não-violenta pelos direitos afroamericanos naquele país, como o Boicote aos Ônibus de Montgomery, e para a ascensão da campanha de direitos civis liderada por Martin Luther King Jr.

- A Sérvia também deu sua lição de patriotismo cidadão ao mundo. Em outubro de 2000, depois de resultados eleitorais questionáveis que empurrariam o sanguinário presidente Slobodan Milosevic a um segundo turno nas eleições daquele país, a população não se conformou e, atiçada pelo partido opositor, foi às ruas para exigir sua saída.

Milosevic, pressionado por centenas de milhares de manifestantes de toda a Sérvia reunidos(as) em Belgrado, se viu obrigado a renunciar, dando a vitória ao povo que fez valer a democracia e a honestidade em seu país. Se aquela gente tivesse preferido apenas declarar desejo resignado de fugir a protestar, Slobodan teria prevalecido, talvez até hoje, e sabe-se lá que crimes mais contra a humanidade ele poderia ter cometido.

- A atitude de reagir em vez de fugir também fez acontecer na França, em 2006. A população juvenil francesa, diante de uma lei de primeiro emprego que facilitava demissões de jovens menores de 26 anos e amolecia outros direitos trabalhistas juvenis, poderia ter baixado a cabeça e, ou se conformado com o golpe em seus direitos ou declarado querer ir embora para algum outro país da vizinhança ou da América do Norte.

Mas não foi o que aconteceu. Entre fevereiro e abril daquele ano, no mínimo um milhão de manifestantes, a maioria de jovens, ora foram às ruas ora ocuparam as universidades. Estudantes de muitas universidades de todo o país entraram em greve. Houve confrontos com policiais envolvendo uma minoria de vândalos afoitos. No final, em 10 de abril, o então presidente francês Jacques Chirac cancelou a lei indesejada e novamente a ação cidadã prevaleceu, preservando seus direitos.

- No mesmo ano, a juventude do Chile também deu seu exemplo ao mundo. Na chamada "Revolução dos Pinguins", greves e marchas estudantis e ocupações de escolas fizeram valer os anseios dos(as) estudantes que reivindicavam, entre outras mudanças, o passe livre no transporte público, a gratuidade dos vestibulares públicos e reformas estruturais na educação.

Depois de mais de trinta dias de protestos persistentes, a presidente chilena Michelle Bachelet comprometeu-se a lançar uma série de providências, que atenderam a grande parte das reivindicações dos(as) estudantes, e criou um comitê conselheiro com uma parcela de representantes estudantis. Em vez de conformismo e desejo de estudar em países com melhores sistemas, o que se viu foi a exteriorização da vontade expressa pela juventude de ter uma educação melhor naquela nação. Um bonito despertar da cidadania e do senso democrático.

- No Brasil, embora nele reine uma alienação e conformismo mais fortes que em outros países, partes importantes da população também fizeram bonito quando a ordem era conter abusos permitidos ou promovidos pelo poder público, principalmente tratando-se de aumentos das passagens dos ônibus. Dois dos melhores exemplos foram as Revoltas da Catraca de Florianópolis, que explodiram em 2004 e 2005, contra dois momentos de aumento das tarifas do transporte público, e os protestos no centro de Recife em 2005, também contra um reajuste do tipo.

Florianópolis viveu a ocupação de várias ruas por movimentos que, além de englobar estudantes, abrangiam também cidadã(o)s comuns, professores(as), artistas e outras categorias de trabalhadores(as). Disseminou-se o ato de pular a catraca e entrar pela porta traseira. Nas duas ocasiões em que os protestos aconteceram, naqueles dois anos, os aumentos das passagens foram cancelados graças à pressão popular.

Recife viveu momentos menos eletrizantes, mas que entraram para a história da cidade como um dos mais efervescentes instantes de manifestação coletiva de cidadania em prol de um bem comum. Em novembro e começo de dezembro de 2005, estudantes, também acompanhados(as) de cidadã(o)s trabalhadores(as), protestaram intensivamente, muitas vezes sendo reprimidos(as) por uma polícia ordenada a barrar a tomada da avenida Conde da Boa Vista. O cancelamento integral do aumento não aconteceu, mas o preço da passagem abaixou pela primeira vez na história da metrópole recifense no ano seguinte, ainda que apenas cinco centavos.

Não houve nesses eventos pensamento orientado à emigração resignada, mas sim à manifestação do desejo do povo de ser respeitado pelo governo e pelas empresas que provêm serviços públicos que não podem deixar de ser utilizados.

Repito a pergunta: o que dá a você mais admiração? Um povo cidadão batalhando por seus direitos, por respeito, por uma vida melhor ou uma população conformada que expressa sua insatisfação apenas privadamente e, achando-se impotente, afirma desejar ir embora do seu país?

Você então passa a querer perguntar a mim: "Como é que nós vamos resolver alguma coisa? Como vamos reverter essa tão forte alienação popular, esse histórico secular de conformismo das massas?" Respondo: é quase impraticável que as coisas aconteçam de fora para dentro. Esperar que alguma liderança carismática se erga milagrosamente de uma massa que nada quer com seus direitos e nos chame para ir à rua é perder um precioso tempo de nossas vidas. É essa espera que tem paralisado uma grande parcela da população, que pouco ou nada faz por conta própria e insiste em aguardar um chamado externo que nunca vem.

O melhor a fazer é você começar a mudar o país iniciando o processo por VOCÊ MESMO(A). Desapegue-se aos poucos do costume de ver a programação fútil da televisão. Leia livros que te ensinem a compreender nossa realidade socioeconômica e política de uma forma diferente da que a TV nos induz a enxergar. Procure recomendações de livros não-didáticos de história, sociologia, política etc. que forneçam uma linguagem de fácil compreensão, procure saber sobre literatura de ficção, especialmente brasileira, que enfoque críticas à realidade sociopolítica vigente.

Crie o hábito de ler notícias na internet, seja em casa, seja numa lan-house, seja no computador de algum(a) parente seu/sua. Pesquise sites e blogs jornalísticos, de cidadania e de ciberativismo. A internet oferece um ângulo de visão do mundo que a TV aberta jamais forneceu nem fornecerá.

Em vez de sempre falar sobre as banalidades do dia-a-dia, sobre dinheiro, novelas, carros, celebridades etc., reserve um pouco de seu tempo para conversar com quem entende de política e sociedade. Não é preciso acabar com as conversas banais, mas sim dedicar uma fração de sua duração para se variar o assunto para temas sérios e produtivos, com pessoas que lhe possam dar uma orientação mais lúcida sobre a realidade brasileira e sobre como ajudar a revertê-la.

Caso tenha tempo livre, procure conhecer o trabalho de ONGs cidadãs, que atuam contra a violência, a corrupção, a miséria, a alienação etc. e/ou a favor dos direitos humanos, do meio ambiente, dos animais, da educação, da democracia... Você poderá se interessar por alguma(s) e aderir a ela(s) como sócio(a) ativo(a) ou mensalista.

Dedique pelo menos um dia por quinzena para usar suas habilidades de trabalho para atividades de cidadania. Se você é webdesigner, crie voluntariamente um site para uma ONG ou um layout para um blog ciberativista. Se você é pintor(a), pinte cartazes de protesto contra algum mal que esteja prejudicando a sociedade, faça uma cotinha para imprimir cópias e distribua para as pessoas nos ônibus.

Se você trabalha escrevendo, escreva textos direcionados à conscientização das pessoas, os quais podem ser xerocados e distribuídos nas ruas, na escola, faculdade ou universidade, no trabalho, na igreja, na vizinhança. Se você tem alguma outra habilidade profissional, pense direitinho em como utilizá-la em favor do bem comum.

Se você, mesmo tendo lido as sugestões acima, ainda não sabe bem como pode agir, procure parentes, vizinhos(as), colegas de trabalho e/ou estudo e outras pessoas conhecidas para obter sugestões e dicas de como exercer a cidadania de forma voluntária.

Se você deseja um país melhor, precisa começar a mudá-lo a partir do interior seu, num processo que se dá de dentro para fora. Quanto mais pessoas assimilam a atitude de mudar o estado de coisas nesse sentido, maior é a população disposta a lutar pela cobrança de mudanças. Maior é a quantidade de gente suficientemente consciente para se habilitar a aderir a manifestações – não obrigatoriamente insurretas e violentas – em prol de forçar o poder público a se adequar a nossas necessidades e direitos.

Você precisa entender que dizer "eu quero ir embora porque aqui não tem mais jeito", exceto em últimos casos ou em expressões emocionais, não é uma atitude bonita, não é algo digno de uma pessoa que se importa com o próximo e com a sociedade. Se você quer viver honradamente, realmente deseja que o país, região, estado, cidade ou localidade em que vive melhore(m) e não quer passar a vergonha de ser "expulso(a)" sem resistir de um território porque ele é muito problemático (embora não esteja sofrendo com conflito armado ou catástrofe natural), você precisa fazer a melhoria acontecer.

Não precisa imediatamente procurar ou esperar surgir um grupo ativo de mobilização como o da França de 2006 ou o de Florianópolis de 2004 e 2005, nem se expor no meio de um protesto tumultuado sob repressão. Basta começar ajustando alguns hábitos e atitudes que levarão você a ser uma pessoa mais consciente e comprometida com um território, país e/ou mundo melhores. Então você perceberá como é nobre, honroso e prazeroso aceitar participar ativamente da transformação da nossa História em vez de desejar fugir do país e fechar todas as possibilidades de contribuir para ela.