Carta ao Gallo.

Saudoso Giovanni Gallo,

                Tinhas razão: As águas ditam o Marajó. Eu, porém, vos acrescento: -- E a poeira, no verão dita a cidade! No verão, aqui na cidade de Soure, aonde vim experimentar as tuas teorias e hipóteses existenciais, a poeira, ou melhor, o talco vindo dos campos marajoaras cobre o chão calçado ou não, os móveis velhos ou novos, as paredes e o teu corpo de uma fina película de pó. Como se fossemos um bebê e a mamãe Natureza nos passasse aquele talquinho cheiroso, mas incômodo...

A tua Cachoeira do Ararí continua a mesma, ou mais precisamente, quase a mesma. Para nela chegar ainda usamos a estrada de água no barco da prefeitura ou a estrada (PA 154) que nunca acaba, embora, em relatórios oficiais, provavelmente, uma espessa camada de alfalto a transformou em rodovia de primeira.

O que tem de novo é o cultivo de arroz nos campos alagáveis de Cachoeira. Um dos agricultores expulsos de Roraima, de dentro da reserva indígena Raposa Serra do Sol comprou diversas fazendas e implantou o cultivo mecanizado do arroz. Desde uso de avião para pulverização aérea até colhedeiras de última geração são usadas. Diz que a primeira produção foi distribuída para a população da cidade!

Esse fato me fez lembrar outro acontecido em uma mesa de bar quando eu perambulava por Cachoeira: O técnico da EMATER – Empresa de Assistência Técnica Rural, me respondeu por que não se cultivava nos campos do município: -- Que tinha sido feito um experimento com autorização do dono da terra e a produção de arroz -- eu escrevi ARROZ! – foi altíssima! Ai, quando foi para se cultivar pra valer, o fazendeiro dono da terra disse NÃO!

                O teu querido “O Museu do Marajó” continua de pé. Confesso-te que a última imagem que tenho dele foi no dia de teu enterro. A penúltima foi ainda dentro do barco que me levava para o teu féretro. Eu tomava um vinho em tua homenagem, sentado no chão do convés e depois de uns goles, eu profetizei terroristicamente: -- Se eu fosse doido mesmo, eu pegaria um galão de gasolina, espalhava pelos quatro cantos do museu e tocava fogo!  O dia da tua morte, pra mim, corresponderia ao início da contagem regressiva da morte d’O Museu! De lá pra cá deixei de ir à Cachoeira. As notícias que tenho de lá são as de sempre: Falta de apoio, falta de recursos financeiros, brigas e intrigas das mais diversas origens e motivos.

                Despeço-me, fazendo mais uma confissão: Os cacos de cerâmica que recolhestes em tua passagem pelo Marajó, não são cacos. São na verdade, testemunhos de uma civilização inteligente esquecida no tempo! As gerações atuais, talvez, drogadas pela imposição de uma cultura, costume e comportamento alienígenas que lhes chegam pelos “modernos meios de comunicação e mídias” são os verdadeiros cacos. Não te deram ouvidos. Não valorizaram o teu trabalho de formiguinha. O futuro vislumbrado pelas teorias científicas atuais será a inundação de todo o arquipélago provocado pelo discutido e polêmico aquecimento global! E ai, quem sabe, um ET chamado Giovanni Gallo, ressurgirá e recolherá novamente cacos enlameados que encontrar ou a eles chegar, trazidos pelos zumbizinhos marajoaras!

A guisa de informação ou para saber mais: Giovanni Gallo era italiano, padre jesuíta, que optou pela catequese no Terceiro Mundo, indo parar na cidade de Santa Cruz do Arari, centro do Arquipélago do Marajó, Pará, Brasil. Lá, com a ajuda da comunidade criou O Museu do Marajó. Para não matar ou não ser morto pelos seus adversários – leia-se o prefeito da época –, como ele próprio escreveu, abdicou da batina, mas não da fé. E transferiu O Museu para a cidade de Cachoeira do Arari, cidadezinha localizada também no rio Arari, não muito distante  e diferente de Santa Cruz. Deixou de ser padre jesuíta, porém, continuou o seu trabalho evangelizador da memória, da cultura, da ciência e do comportamento desse mundo chamado Marajó! Giovanni Gallo faleceu em Belém, no dia 07 de março de 2003, por complicações advindas de um atropelamento por bicicleta, ocorrido na cidade de Cachoeira do Ararí, Pará.

Na internet, acesse:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Giovanni_Gallo

http://www.museudomarajo.com.br/museudomarajo/site/index.php