Carta a Zaratrusta:

 Eu estou bem se considerar meu auto isolamento. Algum dia no passado mais ou menos recente, talvez 2005-2007, cheguei a desejar viver numa casa de pau a pique e de chão batido, onde apenas pudesse escrever, cozinhar e dormir, executando algum trabalho remunerado, é claro. Creio haver feito meu cérebro acolher essa ideia e por vias de consequências, sendo o cérebro uma fantástica máquina de pensar, porém burra, por certo captou meu desejo e agora e me fez escravo dessa miséria de vida. Se não bastasse tenho de conviver com o fantasma do alcoolismo e outras drogas. A maconha eu consegui afastar por haver me revoltado contra ela e pelos sonhos inverossímeis provocados. Agora a desgraça da cachaça é uma pedra pesada sobre meu pescoço a me afundar no mar de bosta dessa vida. Estou há 15 dias sem beber, sempre paro 15 dias um mês, dois meses, quatro meses e até 6 meses já parei. Paro quando quero; mas volto sempre  quando não devo. Isto tudo me enche o saco de um modo horrível. Ao atingir 61 anos na vida a gente consolida uma enorme sabedoria sobre a vida e até poderia tocar a vida mais ou menos feliz. No entanto a gente olha para os lados e vê os filhos, os irmãos, todos patinando no aprendizado da vida, alguns tentando fecundar a terra, outros agindo com omissão perante a vida, enfim, observamos que, a par de todos virarmos bosta, já que tudo vira bosta mesmo, e tudo se acabará para todos nós num espaço de mais 30 anos, se a tanto chegarmos, o mais aborrecível é presenciarmos, em nós mesmos, nossa ausência de energia para abandonarmos aquilo que sabemos que precisamos abandonar. Vivemos nesse ambiente solitário de decisão sem reunirmos forças para mudar algo em nós que parece não ter mais jeito de mudar. Essa consciência dói muito. Dói mais ainda quando não possuímos crença alguma no futuro da existência, ou seja, da morte, essa desgraçada sem graça que merda nenhuma pode ensinar ou para merda nenhuma poder servir, senão para incomodar e nos afastar dessa coisa estranha, linda, bela, maravilhosa e sonhadora que é a vida.  A culpa toda é dessa máquina infernal representada pelo cérebro, esse aparelho besta e impressionável que tudo gravou de nossa infância desde o útero até o amadurecimento aos 22 anos, no mínimo, às vezes nos preparando para sermos felizes, outras vezes, nos derrotando com seus registros desgraçados, mórbidos, infelizes, de desamores, de desafetos, de não-amores, de não-afetos, de não-carinhos. Esse quadro é doloroso e as drogas são "escapes" que o estúpido cérebro tão admirado, tão capaz, solicita ao cadáver ambulante; e por incrível que pareça, o álcool é a droga mais eficaz porque com ela e ao lado dela, estão sempre outras vítimas dos desamores que acolhem e emitem qualquer conversa que serve para fazer coro na cuspida ao chão; são todos uns desgraçados que já são bostas na vida. Um homem um pouco mais culto pergunta: qual é a graça dessa merda de vida? Outro homem menos culto diz: não quero saber dessas coisas.

Eis o panorama infeliz.

Eu particularmente tenho vivido o clima acima dito, embora não esteja me drogando com álcool há alguns dias. Estou até tomando rivortril  (clonazepan de 1 mg, para dormir melhor).

Mas uma coisa é certa, a morte da mãe buliu fortemente comigo. Não a morte dela propriamente, coisa esperada e descanso para ela, pois, ela se achava cansada de viver. A vida no estágio em que ela se achava promove dores nos ossos e no corpo todo, transformando a vida num martírio.

Contudo, o fato de haver lidado com a morte dela assim de perto, após estar registrado em meus ouvidos os seus "ai, ai" e seus "socorro, socorro....", durante dias e noites, produziu uma memória auditiva que ainda perdura em meus ouvidos. 

Mas haver lidado com a morte assim de tão perto, tendo eu 61 anos e me aproximando também dessa desgraçada morte ou bendito fim, revolucionou uma infinidade de poéticas em minha cabeça, causou um intenso desejo de maior desapego às coisas materiais e bestas dessa percaria de vida. Na verdade, devo dizer, sinto uma enorme desatenção praticada por mim durante grande parte de minha vida, muito descaso, muita estupidez, muito tempo gasto com coisas que nunca poderiam dar futuro.  Muita desatenção com o amor verdadeiro, com a quietude dos tempos, com a ausência das ciências. Fui buscar as ciências já muito tarde. Este foi um grande prejuízo que agora me faz sofrer.  Vivi pouco, brinquei de mais com a seriedade da vida. Estive sempre com depressão pelo desequilíbrio entre os afetos recebidos e os amores praticados. Hoje pago o preço e o álcool é um convite desgraçado que me atormenta e que me custa muito dele viver afastado. Do cigarro entendi logo o malefício desgraçado e avassalador e me afastei, creio agora ser definitivo. Mas do álcool não consigo me afastar.Deixo de beber uns tempos, mas a vida se torna enfadonha e ai eu não resisto e volto a beber.

E assim vou tocando a vida, ciente agora de que o maldito cérebro meu ouviu e gravou o meu dizer de morar numa casa simples e de chão batido e me promoveu para isto. Agora, somente usando do processo metalinguístico terapêutico poderei me libertar e esse processo é lento. Se eu pensava em suicídio já abandonei a ideia ao ver o trabalho desgraçado que você promove na vida dos outros na hora de ser sepultado, como vi no caso da mãe. Cara você causa um transtorno desgraçado na vida de todo mundo e depois acaba numa cova horrível e solitária. Puta que pariu, isto não faz sentido. Então caralho somente resta viver a porra do resto dessa merda de vida. E o que é mais chato, se quiser alongar essa merda, precisa governar o vício do álcool miserável. Sem álcool cassete as coisas ficam mais complicadas, pelo menos no início. Quem crê em deus vai lá e se entrega numa porra de igreja qualquer e se enrola com os irmãos de credo e de repente porra, o troço funciona. E quem não crê em coisa alguma, o que faz? Enfia o dedo no cu e chora. Ou escreve tudo o que sente e depois escreve de novo e reescreve e vai assim se enrolando em suas escritas até as profundezas da casa do caralho. Mas é preciso se lembrar: a porra da morte vem logo aí adiante. Não tem saída. É foda.

 Assis Rondônia

Limeira, 19.11.2013