1. Conceito do contrato de know-how.
Far-se-á no presente trabalho uma análise de um acórdão, cujo mérito versa sobre know-how, todavia, antes de adentrar na análise do acórdão propriamente dito, objeto do presente trabalho, de suma importância que se conheça e compreenda sobre o contrato de know-how, seus requisitos e pressupostos, bem como a sua formação.
A expressão know-how de procedência inglesa, originou-se na frase “to know-how to do it” e significa “saber como fazer”[1], designa um bem imaterial, um conhecimento técnico e prático fruto de pesquisas, estudos e testes.
Essa expressão é muito utilizada nos EUA para designar conhecimentos que sejam secretos, para a aplicação de técnicas utilizadas por empresas ou profissionais que saibam fazer determinada coisa de forma especial; também é muito utilizada, atualmente, no mundo corporativo e comercial.
O know-how, nada mais é se não o domínio de determinados conhecimento, processo de produção ou técnica, ainda secretos e originais, “descobertos”, ou seja, até o momento inéditos, e desenvolvidos por um profissional ou empresa.
Para chegar-se ao know-how, isto é, ao conhecimento, que pode se perfazer em um serviço, técnica, fórmula, operação de maquinário ou até o próprio, dependendo do que seja, demanda-se tempo, estudo técnico e especializado e, via de regra, boa quantidade de investimento financeiro, sendo esta uma das razões para ser valorado economicamente.
Embora seja um bem imaterial, pode-se notar a sua importância e o valor econômico a que se pode atribuir, sendo, pois propício que se atente à sua tutela jurídica, fundamental para a segurança e encorajamento daqueles que criam, e ao mesmo tempo um modo de possibilitar o acesso à tecnologia às demais indústrias daquela área.
O contrato de know-how consiste na transferência do conhecimento inédito, secreto e original, da parte detentora à parte que o utilizará, mediante pagamento de uma determinada quantia, estipulada pelas partes, aqui denominada royalty. [2]
O contrato de know-how apresenta algumas peculiaridades, que serão brevemente explanadas a seguir. Observando-se o que já foi explanado quanto ao objeto principal do contrato, qual seja, o próprio know-how.
Conforme conceitua a professora Maria Helena Diniz:
Contrato de know-how é aquele em que uma pessoa física ou jurídica, se obriga a transmitir a outro contraente, para que este os aproveite, os conhecimentos que tem de processo especial de fabricação, de fórmulas secretas, de técnicas ou de práticas originais, durante certo tempo, mediante o pagamento de determinada quantia, chamada royalty, estipulada livremente pelos contraentes. Todavia, nada impede que se transfira o know-how a título gratuito ou que ele seja permutado por outro de valor equivalente.[3]
Uma vez que o contrato é firmado com a finalidade de que seja transferido e posto à disposição do contraente um conhecimento para determinadas tarefas, poder-se-á estipular um período limitado desse uso, quando será concedida a licença de utilização; ou será definitiva a transferência e, então, se concretiza através de uma cessão de direitos.
Quanto à contraprestação desta transferência, isto é, ao pagamento do royalty este se dará conforme estabelecerem as partes e, poderá dar-se de variadas formas: royalty pode ser pago em uma única parcela, com um valor de entrada mais periódicos, ou apenas valores periódicos que podem ser fixos, percentuais sobre o valor líquido de cada unidade, ou sobre vendas, ou, ainda, sobre o valor estipulado por cada unidade produzida. O know-how também poderá ser transferido a título gratuito.
Outra peculiaridade dos contratos de know-how refere-se aos deveres das partes, às obrigações recíprocas.
Como o contrato consiste na transferência do conhecimento, secreto e original, à outra parte, esta não poderá divulgar qualquer segredo sobre o conhecimento em si e seu uso, quando assim constar no contrato como cláusula, sob pena de rescisão contratual, bem como de responsabilização civil e sanção à parte que der causa.
O uso do know-how, deve ater-se àquele a que o mesmo tenha sido pactuado e transferido; e obedecer ao bom e acertado uso, nos moldes acordados, além do comprometimento da qualidade do produto advindo do know-how.
Em contrapartida, deverá a parte que forneceu o know-how instruir sobre o seu uso, funcionamento, melhor aproveitamento possível, disponibilizando, muitas vezes de ensinamentos técnicos, além de auxiliar na manutenção do objeto. [4]
O contrato de know-how não encontra previsão legal expressa e específica, todavia doutrina e jurisprudência enquadram-no na Lei de Propriedade Industrial, que de fato, legisla sobre alguns tipos de contrato de know-how.
Pelo Ato Normativo 135/97, por contratos de transferência de tecnologia devem ser entendidos os de licença de direitos (de exploração de patentes ou de uso de marcas), os de aquisição de conhecimentos tecnológicos (fornecimento de tecnologia e prestação de serviços de assistência técnica e científica) e os contratos de franquia (no mesmo sentido o artigo 2º, parágrafo 1º, da lei nº 10168/2000). [5]
  1.  Análise do acórdão.
Uma vez conhecidas as características dos contratos de know-how, pode-se passar para a análise do acórdão objeto principal do presente trabalho.
Trata-se de acórdão proferido em sede de recurso especial, com fundamento no artigo 105, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
A autora, DISTILLIERIE STOCK DO BRASIL LTDA., ajuizou ação com o intuito de obter indenização pelos prejuízos decorrentes da rescisão contratual, do contrato firmado com a ré CAMPARI DO BRASIL LTDA., afirma ainda que esta tenha se apoderado de conhecimento prático adquirido e organizado por ela autora. [6]
A princípio, em 1971, a autora firmou contrato com a empresa italiana Davide Campari Milano S.p.A., quando foi autorizada a produzir e vender a bebida Bitter Campari no território brasileiro. Foram feitas sucessivas renovações do contrato e da licença do uso da marca, produção e comercialização da bebida, além do compromisso com a própria publicidade do produto.
Em 1980, devido grande sucesso de mercado do produto no Brasil, foi enviado preposto da marca e constituída a mesma em território brasileiro sob a denominação Campari do Brasil Ltda., quando por um novo contrato estabelecido entre as partes restou acertado que a autora se comprometia com a distribuição e comercialização do produto, mas o serviço de publicidade também passaria para a empresa ora ré.
Em 1989, a Campari do Brasil e Stock (autora) alteraram a relação contratual. Restou acertado, por um contrato de distribuição, que a ré passasse a fornecer o produto pronto e engarrafado, devendo a autora apenas distribuir.
O contrato de distribuição vigeu até o ano de 1992 e, em razão do contrato, a Stock revelou e transmitiu à Campari informações sigilosas a respeito de sua própria estrutura de vendas, além de fornecer informações de seus clientes. Após o término do contrato, a Campari do Brasil contratou diversos ex-funcionários da autora.
A autora argumenta que houve apropriação do seu know-how e uso desse conhecimento após o término do contrato, sem sua autorização. Acarretando-lhe prejuízos consideráveis, haja vista que grande parte de seu faturamento advinha da distribuição da Bitter Campari.
Afirma, ainda, que se não fosse o seu longo período de serviço de publicidade e distribuição, bem como de contatos com clientes importantes, que constituem o seu know-how de organização e distribuição, a Bitter Campari não teria o mesmo sucesso.
Isto é, a Stock atribui o sucesso de vendas da marca no Brasil ao seu know-how de distribuição e afirma que a ré se apropriou indevidamente do mesmo, razão pela qual deve ser responsabilizada civilmente e reparar os danos materiais sofridos pela autora.
Veja-se que a questão primordial a ser esclarecida pelo acórdão trata-se da caracterização know-how em si, para que a partir de então se possa concluir se houve apropriação indevida ou não do conhecimento pela ré.
Haja vista que o know-how é reconhecido como um bem imaterial, economicamente apreciável, razão pela qual a sua transferência e uso devem ser remunerados.
Viu-se que o contrato de know-how é o contrato pelo qual dá-se a transferência de conhecimentos secretos e originais, pertencentes a uma pessoa ou empresa, que, devidamente aplicados, dão como resultado um benefício a favor daquele que os emprega.
Cumpre notar, a partir dessa afirmação, se o caso se trata de um conhecimento realmente secreto e original, a que a Campari não teria acesso se não fosse a Stock, de modo que assim poder-se-á concluir se se trata realmente de um know-how apreciável economicamente.
Sabe-se que o know-how, é um conhecimento especial diante de determinado objeto ou processo. E, embora, muito se associe ao ambiente industrial, também pode se caracterizar como know-how, por exemplo um sistema contábil, um modo de organizar a venda, uma lista de clientes, ou outras formas de procedimento destinados à obtenção de resultados de comercialização de produtos.[7]
Poder-se-ia, então, acreditar que a Campari, ré do processo, realmente utilizou do know-how da Stock para distribuição. Como ocorrera no Tribunal de origem em que fora mencionada a apropriação do know-how desenvolvido pela autora.
Como já se disse, por não haver uma legislação específica dos contratos de know-how, aplicasse-lhes a Lei de Propriedade Industrial.
No corpo do acórdão encontramos que: a Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996), em seu artigo 195, somente reconhece proteção às informações e aos segredos industriais que não sejam de conhecimento público ou evidentes para um técnico no assunto. [8]
O referido artigo estabelece no seu caput e inciso XI, que comete crime de concorrência desleal quem:  
XI- divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato; [...]. [9]
O dispositivo supramencionado reafirma a necessidade de o conhecimento, para ser caracterizado como know-how e comercializado como tal, deve ser secreto e inédito.
Argumentou a Campari, empresa ré, que o conhecimento utilizado para a distribuição não requer nenhuma expertise inédita, ou seja, que o conhecimento a que se refere a Stock, não é secreto, podendo ser verificado por qualquer técnico na área, não se caracterizando a originalidade necessária à definição de know-how.
Ademais, é parte do contrato de distribuição as informações compartilhadas pela empresa Stock à empresa Campari do Brasil. Nesse sentido a professora Maria Helena Diniz:
O controle do produtor sobre os circuitos do mercado se dá em razão de seu direito de propriedade industrial pela marca, que representa o potencial de vendas futuras a consumidores. O produtor controla a marca nas mãos da revendedora. (...)
O contrato de distribuição pressupõe controlador, que é portanto o fabricante. Tal controle empresarial será exercido sobre toda a rede de distribuição pelo fabricante. (...) [10]
 
Tal posicionamento é o da Terceira Turma do STJ, que em determinada lide, também envolvendo contrato de distribuição reconheceu ser legítimo o controle exercido pelo produtor sobre o distribuidor.
  1. Conclusão.
Logo, não há que se falar em apropriação indevida pela Campari das informações e conhecimento referentes à venda e distribuição adquiridos pela Stock, haja vista que tais informações já eram conhecidas por aquela por serem inerentes à própria relação contratual prévia de distribuição.
Ademais, como já se disse o know-how deve ser secreto e original, não apenas um conhecimento a que se pode chegar qualquer técnico que atue na área, essa informação ou o conhecimento de domínio público pode ser utilizado independentemente de autorização sem que isso configure prática abusiva empresarial.[11]
O acórdão traz a conclusão de Juliano Scherner Rossi, para dar respaldo ao seu posicionamento, afirmando que:
(...) o know-how pode ser compreendido como arte empresarial e como conhecimento técnico e dinâmico, mas o aspecto distintivo, para o direito, é a existência de um segredo, de modo que a tutela jurídica do know-how dá-se não porque é know-how, mas porque é segredo. A relação entre tutela do know-how e tutela do segredo industrial é tão próxima que geralmente os termos são considerados sinônimos. (...)[12]
A decisão proferida no acórdão, ora analisado, deu provimento ao recurso especial a fim de anular o acórdão que julgou os embargos declaratórios e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que haja pronunciamento acerca das omissões apontadas nos moldes da própria fundamentação e posicionamento já mencionados no presente trabalho.
Demonstrou esse Tribunal, como se pode observar, que tal conhecimento de distribuição e organização de vendas, bem como a lista de clientes, não se caracterizam como know-how, haja vista que não apresentam pressupostos básicos como a originalidade e o segredo.
Afirma, ainda, que essas informações são parte do contrato de distribuição firmado entre as partes e que, portanto, não há que se falar em apropriação de know-how pela Campari.
Isto posto, pode-se concluir que acertada é a decisão desse Tribunal, pois de fato, know-how não se caracteriza na hipótese narrada.
 
Referências Bibliográficas.
Brasil. Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Online, disponível em 22/09/2018, às 11:30h. http://www.inpi.gov.br/
DINIZ, Maria Helena. Tratados teóricos e práticos dos contratos. vol. 3. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. vol. 3. Contratos e atos unilaterais. 15ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 16ª ed. atual. por Osmar Brina Correa-Lima. Rio de Janeiro: Forense: GEN, 2010.
PIRRÓ, Vanessa. Contratos de fornecimento de know-how e a atuação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) no seu registro. 2016. 191 f. Dissertação (Mestrado em Direito)- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016.
Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL No 1.498.829 - SP (2014/0298240-6).
 
[1] GONÇALVES, Carlos Roberto.  Direito civil brasileiro. vol. 3. Contratos e atos unilaterais. 15ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p.714.
 
[2] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. vol. 3. Contratos e atos unilaterais. 15ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p.714.
[3] DINIZ, Maria Helena. Tratados teóricos e práticos dos contratos. vol. 3. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
 
[4] DINIZ, Maria Helena. Tratados teóricos e práticos dos contratos. vol. 3. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
[5] Online, disponível em 22/09/2018, às 11:30:  http://www.inpi.gov.br/sobre/legislacao-1
[6] Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL No 1.498.829 - SP (2014/0298240-6).
[7] Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL No 1.498.829 - SP (2014/0298240-6).
[8] Idem.
[9] Idem.
[10] DINIZ, Maria Helena. Tratados teóricos e práticos dos contratos. vol. 3. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
[11] Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL No 1.498.829 - SP (2014/0298240-6).
[12] Idem.