Capitão Machadinho
Por Paulo Rabelo Guimaraes Machado Diniz | 08/06/2016 | HistóriaOs Machadinhos
Nos últimos meses uma redoma prende o autor na esquina da rua machado diniz com a rua guarda mor. Em meio ao terrível isolamento, talvez incapaz de encarar o futuro, agarra às ilusões do passado para trazer alguma sabedoria e poder encarar com mais tenacidade os desastres futuros.
Esta prisão é física e mental e vem mais ou menos desde o começo da investigação da Lava Jato.
A rua Machado Diniz é homenagem ao ancestral que autor investiga e Guarda Mor é distrito fundado em 1850 que este ancestral decidiu fixar morada.
Com a missão voluntária de falar dele, questiona de como descrever tendo em mãos apenas 300 paginas de um inventário de uma morte inexplicável em 1901. Há também um termo de juramento e posse e uma ortoga de capitão da guarda nacional. Por isso, foi ele chamado no seu processo de inventário por capitão Machadinho.
Há tão pouco sobre ele tanto quanto pouco há sobre o território que o recebeu. Ambos, personagem e território, devem ter mais ou menos a mesma idade de registro de nascimento - ano de 1850. O primeiro, muito provavelmente registrado em Uberaba, o outro certo em Paracatu, a cidade sede de um amplo município e de uma mais ampla comarca.
Nos remotos idos era somente nesta comarca que qualquer litígio, pastilha de bens em inventário e outras demandas cívicas e criminais tinham de se dirigir vindo deste os longínquos Norte de Minas na fronteira com a Bahia, Triângulo Mineiro na fronteira com São Paulo, Mato Grosso do Sul e Goiás, Noroeste Mineiro MS fronteira com Goiás e alto Parnaíba.
Neste, então, distrito de Guarda Mor não se sabe ainda qual foi o Guarda Mor que lhe deu o nome. Sabe-se que foi depois que o alferes Joaquim da Silva Xavier abriu a estrada da serra dos pilões.
Nenhuma igreja localizou o registro de nascimento de João Machado Diniz. Há uma informação que o seu avô é José Machado Diniz e só. Procurar sua identidade é quase como achar agulha no palheiro, uma missão indigna para este tataraneto. Nesta indigna função tenta distrair lendo Machado de Assis.
Nesta distração descobre que ante de ser o senhor Machado de Assis, o cavalheiro da rosa do império, era o Machadinho.
Enquanto um entranhava na alma do ser humano, independentemente de ser esse vivente dos trópicos ou dos gélidos climas mais ao sul ou mais ao norte. O certo é que a partir do calor dos trópicos podia ele decifrar os selfies, os superegos, as inquietações e motivações mais íntimas com ironia e cinismo ímpares. O fato mais simples servia de pretexto para desvendar a verdade íntima dos homens.
Ambos os Machadinhos vivendo numa mesma época sem qualquer conexão a não o apreço por Dom Pedro II e o patriotismo com o posicionamento contra o general Lopez do Paraguaio.
Enquanto o capitão Machadinho arregimentava soldados nos sertões de Minas o outro Machadinho, nascido no belo Vale Guanabara, acompanhava e animava as forças brasileiras com vibração de exaltação patriótica. A cada partida de voluntários se entusiasmava: "partindo domingo um novo contingente de tropa para o sul. É esse um acontecimento que se vai repetindo todas as semanas, sempre no meio do maior entusiasmo popular. É belo ver o aplauso unânime, o ardor geral, sentimento de todos, quando se trata de cumprir um dos mais santos deveres do homem. Folgamos em dizê-lo: a nação foi além do governo, o povo foi além dos homens de Estado”.
Nenhum dos dois, no entanto, pegou nas armas e sofreu os maus augúrios daquela guerra. Isso era em 1865 e pensava todos ser uma guerra rápida, mas durou até 1870. A glória do Dom Pedro poucos anos depois o levou à sua deportação.
O Machadinho que entranhava no sertão adentro das Minas Gerais parece que não tinha os problemas rasteiros de dinheiro que atormentava o outro Machadinho da cidade maravilhosa. Enquanto este último vendia por duzentos mil réis dois dos seus livros e depois outros quatro livros por um conto e duzentos mil réis o Machadinho dos vãos vazantes juntava fortuna. Deixou patrimônio de 38 contos de réis para sete filhos com Mariana Francisca de Oliveira raptada por ele. Se teve outras duas filhas com ex-escrava Desidéria para elas nada deixou, pelo menos não consta como herdeiras em tal inventário. Seu filho de criação, Emílio Alves Rios, além de ter casado com a possível filha natural Teodolina, era tutor das outras três filhas menores, Julieta, Altina e Etelvina no processo do inventário e também no resgate dos títulos do governo que o tio Joaquim havia comparado. Títulos estes adquiridos com 14 contos de réis conseguidos em hasta pública num leilão em Paracatu de bens móveis com maior liquidez. Para se ter um noção de valor: anos antes um conto comprava-se um quilograma de ouro e vinte contos era o orçamento anual da prefeitura de Paracatu em 1892.
Se o nome de Machado vem de batismo coletivo recebido na Praça São João em Lisboa para salvar judeus da inquisição. Nada é dito na genealogia do maior escritor brasileiro como poderá ser comprovado para o desconhecido Machadinho dos vãos? É comum acordo que os sertanejos nordestinos descendem de colônia judaica vinda com os holandeses. O fato da paróquia de Santo Antonio em Paracatu ter pertencido à Diocese de Olinda é uma indicação que esta migração pode ter ido tão longe. Esta influencia pode-se ter chegado até bem recente aos nossos dias, pois a maioria dos vigários de Vazante era holandesa. Soma-se para essa possibilidade judia o fato da mãe do avô Machadinho assinar Machado Diniz e não o pai. Adotar o genro como Machado Diniz, talvez seja para preservar o nome da linhagem, uma indicação orgulhosa típica judia.
O Machadinho das letras, embora não fosse republicano, não era contra a república, embora se saiba ser ele simpático à figura do velho imperador.
Já o Machadinho dos limites das bacias do rio são francisco e do rio Paraná, os vãos da vazante, disse a seu filho do mesmo nome: a República pode ser até boa, mas vai ser difícil achar homem que honra suas calças.
O Machado de Assis, vivendo na capital da República, estava desiludido com a política. Ele e o amigo Quintino Bocaiúva consideravam que a republica impunha um problema, a completa ausência de honestidade nas eleições como as imoralidades nas manobras do submundo político.
Enquanto Machado de Assis articulava e reunia com os ilustres acadêmicos para criar a Academia de Letras o seu contemporâneo dos vãos, capitão Machadinho articulava na câmara de vereadores em defesa do povoado de seu distrito. Consegue eleger um vereador pelo distrito e torna-se conselheiro distrital. Responsável também pela articulação de empoderar o amigo Pedrão, senhor Pedro Pereira Guimarães, como Presidente Agente Executivo Distrital.
Ao leste o Machadinho das letras, agora, o senhor Machado de Assis tinha na caneta sua arma. Já nos sertões imperava a lei do gatilho. Capitão Machadinho teve de se defender de jagunços a mando de coronéis nas mesmas bases - o gatilho.
Não se sabe a causa de sua morte. Nem se conhece processo criminal algum contra ele.
Ao leste, enquanto o Machado de Assis transpunha os limites da maturidade para descampar na velhice o Machadinho dos vãos deixava a vida em 1901 e sete filhos menores de idade já órfãos de mãe. Apesar de ser órfão o primogênito de mesmo nome era casado e pai do seu primogênito - o Tonico. Esse neto, Antônio Machado Diniz, carregava o mesmo nome do tio que viria morrer no ano seguinte e trazer o seu patrimônio para se juntar ao do seu pai no inventário.
Deve ser por “toda unanimidade ser burra” que surgiu um Sílvio Romero para atacar e ferir profundamente a superioridade do irretocável Machado de Assis. Nos vãos das vazantes não faltou ataques ao Machadinho, até hoje ressoa nos ouvidos despreparados ter sido ele posseiro em terras de domínios alheios. Tese tão infecunda passou de geração em geração até os dias de hoje. Se houvesse disputa por alguma propriedade foi por domínio, não somente pose. O envio de jagunço para assustar e expulsar é o desespero dos que não se garantiam juridicamente.
Os inventariantes puderam apurar 14 contos em leilão com os bens móveis do inventário de um total de 25 contos. Com esta liquidez o jogo só poderia estar do lado do capitão Machadinho não do tal Carneiro de Mendonça que enviou jagunços.
Lá ao leste Machado de Assis bens não ansiava, a não ser o bem do legado das letras. Apesar de chegar a ser assessor de ministro pagou aluguel por toda a vida.
Qualquer intriga leve, mesmo que pouco tumultuada ia para os seus personagens e através deles ....... Fazia das trivialidades uma vivacidade atraente.
Este estilo do escritor definitivamente não era do Machadinho dos sertões, carregava sempre um chapéu para tampar uma cicatriz no olho de tiro de raspão. Seria este tiro vindo do sogro ou dos cunhados furiosos? Sabe-se que o irmão tenente Joaquim Machado Diniz defendeu no processo de inventário sua honra: "se ele era solteiro e ela solteira e estão casados oficialmente não pode haver caracterização de crime". A vergonha da cicatriz na beira do olho não lhe tirava a impetuosidade. O bispo que derrubou o chapéu com o sermão de que em igreja não usa chapéu foi obrigado a pegar de volta do chão e recolocá-lo no topo da cabeça. Tapava o olho com o chapéu para não escandalizar e escandalizou ainda mais.
Já lá na beira do atlântico, o Machado de Assis inúmeras vezes mordia e feria a língua nas suas crises e convulsões de epilepsia. Procurava ele sempre anotar as crises para evitar o vexame terrível de escandalizar ao cair pelo chão e se contorcer.
Enfim, ambos sofreram no fim da vida, mas ninguém ouviu da boca deles blasfêmia. Tinham a dignidade de uma velha águia ferida de morte.
Nas Memórias Póstumas ..., o Machado de Assis cria o personagem de Brás Cubas e dá a ele posses de 300 contos, mais a passagem como deputado provincial, como ex-proprietário de jornal e et cetera.
Já o Machado Diniz dos ricões de minas, o Joaquim, já que o irmão havia morrido em 1901, continuou empoderando bens móveis e imóveis, pois em 1913 já somava 138 contos e 1924 214 contos. Outro paralelo que se pode fazer é que o personagem Brás Cubas não deixou filho como também não deixou Joaquim Machado Diniz.