Caminhando...

O fato de não mais existir um lugar para estacionar, dar voltas e voltas, e ter que deixar para mais tarde o que poderia ser resolvido na hora, me fez repensar e tomar a decisão de andar a pé. Eu nem mais me lembrava o quanto é bom.

Por volta das 9 horas, visto uma roupa confortável, calço um par de tênis, e lá vou eu percorrer as ruas do meu bairro.

Eu que antes as percorria só de carro, sem ter tempo para ver nada, agora conheço tantas coisas... Tantas lojas interessantes, que eu via só de relance. E sem falar na oportunidade de bater um papinho.

Volto para casa sempre trazendo alguma coisa. O pãozinho doce da padaria da praça, o pão de torresmo, a rosca de nozes... Delícia dos deuses! Afinal, depois de tanto caminhar, que mal há em ter um delicioso lanche da tarde, não é?

Outro dia, em uma dessas andanças, encontrei uma senhorinha que a tempos não via. Tinha sido vizinha de minha sogra. Morava em frente à casa dela. Depois mudou-se, pois precisava de uma casa maior. Perdemos o contato.

Senti uma saudade imensa de um tempo que a muito se foi, levando com ele tantas coisas que fizeram parte da minha vida.

Conversa vai, conversa vem, eu a convidei para tomar um café e podermos conversar mais à vontade.

Você sabe que já tenho 94 anos, disse-me ela. Todos os dias saio para caminhar um pouquinho. Meus filhos não gostam, mas quem manda em mim sou eu. Saio mesmo. Ando devagar, mas está bom, não é? Prá que pressa, se o dia tem tantas horas...Tenho   que ajudá-lo passar.

Perguntei pelos filhos, e ela toda orgulhosa disse que teve dezoito.  Três já se foram... Agora só tenho quinze... Entre netos e bisnetos, setenta!  Nome dos netos não esqueço, mas dos bisnetos... Eu os chamo de menino e menina. Assim não erro.

Velha sábia!

Domingo é meu aniversário, disse-me ela. A partir de sexta- feira ligarei para todos, para lembra-los que domingo iremos à missa das 9 horas. Eu sei que eles não esquecem, mas por via das dúvidas eu ligo.

É tão bonito ver a família toda reunida. O padre, que é muito meu amigo, disse reservará um espaço para nós, como faz todos os anos. Eu costumo sentar no último banco. Assim vejo todos!

Depois nos reuniremos para o almoço em minha casa. Eu não faço nada. Já cozinhei muito. Deixo por conta dos filhos, que capricham no cardápio. Eu como de tudo. Nada me faz mal.

Conversamos durante um bom tempo, até que ela disse que precisava voltar para casa, pois a hora do almoço estava chegando.

Gostaria de revê-la, eu disse.

Melhor deixar por conta do acaso. Certamente nos veremos novamente, disse.

E ela se foi, e eu fiquei a olhá-la, até que virou a esquina, levando um pouco do meu passado.