Cambia, todo cambia

CAMBIA, TODO CAMBIA

 

Dizem que cada um de nós traz, ao nascer, um destino, uma vocação que justifica a passagem por esta terra. Igualmente dizem que a grande tensão da vida está na busca por descobrir a razão da própria existencia. Se tais afirmações são verdadeiras pode-se dizer que boa parte da humanidade passa pela vida e dela sai sem nunca descobrir para que existe. Outra parte descobre finalmente, na maturidade, a justificativa de está na terra. Pouquissimos tomam consciencia disso durante os anos da adolescência.

Pois bem, Haydée Mercedes Sosa pode ser incluída entre estas rarrimas pessoas que descobriram sua vocação e, portanto, a razão da sua existencia, em plena adolescencia. Aos 15 anos, ao vencer um concurso de canto em San Miguel, capital da Província de Tucumán em Argentina e sua cidade natal, Mercedes Sosa sabia a quê e para quê veio: para trazer alegrias para outros. E assim o fez até aos 74 anos, quando no dia 04 de outubro passado (2009) a mulher patriota, guerreira, determinada, defensora da integração dos povos da América Latina, ativista política e critica ferrenha do sistema imperialista predominante, do consumismo e das desigualdades sociais, depois de haver recebido a ministração da “extrema unção” por um sacerdote cristão, entregou-se nos braços do Grande Mistério do Universo.

“La negra” com sua voz suave, doce e gostosa de ouvir foi transportada para cantar em outra dimensão. Daqui saiu com o coração cheio de “gracías a la Vida” por tudo que aqui viveu e que aqui recebeu.

Suas orações-canções foram atendidas: Não mergulhou no “Grande Mistério da vida” seca, com as mãos vazias – enquanto entre nós, não foi indiferente à dor causada pelas injustiças, não se deixou iludir pelo monstro do capitalismo nem pelo apelo do consumismo que esmaga a gente pobre e inocente, nem fechou os olhos as guerras e às inocentes crianças esmagadas. 

Como cantante-profeta popularizou o pensamento de Heráclito de Éfeso (540 a.C.) anunciando aos quatro ventos que “cambia, todo cambia”. Cria que tudo está em constante mudança: a nossa forma de pensar, o clima, o sol, os conceitos de superficial e profundo, o cabelo do ancião...

Ah! Como ficou tão mais fácil compreender o “Devir” heracliano com sua harmonia dos contrários. Ah! Como tornou-se menos complicado entender a fluidez continuamente dos saberes e dos sabores, das dores e dos prazeres, do trabalho e do lazer, da alegria e da tristeza, da juventude e da velhice... Desta maneira é que “lo que cambió ayer tendrá que cambiar mañana, así como cambio yo...”.

“Cambia, todo cambia”. Entretanto, enquanto Heráclito defendia ser o “fogo” o governador de todas as coisas, Mercedes Sosa cantava o amor como constante. Para ela o amor por seu povo, por sua gente sofrida esse não “cambiava”. Talvez possamos sintetizar o pensamento de Heráclito y Mercedes Sosa afirmando que “o amor é fogo que não se apaga”, que não se consume e nem se deixa consumir.

Sim, como Heráclito, Mercedes Sosa tinha razão: “Cambia, todo cambia”. Nosso universo é “cambiante” e nós mesmos estamos sendo transformados diariamente. Cambia as brincadeiras inocentes, mas infantis, a contestação adolescente (“si hay gobierno, soy contra”), a certeza da juventude, as expectativas dos adultos, a ilusão dos anciãos... 

Sim, Mercedes Sosa  tinha razão: “Cambia, todo cambia”. Como disse Paulo, apóstolo e filósofo cristão, o conhecimento “cambia”, as profecias “mudam”, as fortunas se “acabam”, as injustiças caminham para o fim, a fé para sua inutilidade, a esperança para o seu desvanecimento, entretanto o AMOR NÃO CAMBIARÁ. Esse permanecerá para sempre. Portanto, apeguemo-nos ao que não cambiará.

 

Janeiro de 2010.

 

Maruilson, PhD.