CÃES DE BRIGA
Publicado em 05 de junho de 2010 por Luciano Machado
CÃES DE BRIGA
Nunca fui de provocar ou de comprar briga, mas também nunca agüentei desaforos.
Minha primeira briga aconteceu quando eu tinha dez anos e estudava no terceiro ano primário. Um colega na hora do recreio estava cuspindo em todo o mundo. Era um filhinho de papai protegido pela professora. Quando ele tentou me acertar um cuspe, dei-lhe uma cotovelada na boca do estômago que o fiz vomitar sangue. Resultado: Fui chamado à sala da diretora e expulso da escola.
Mais tarde, quando eu tinha uns catorze ou quinze anos, estava assistindo a um filme, no cinema Colombo, e o sujeito que estava sentado atrás de mim começou a empurrar a poltrona com os dois pés. Pedi que retirasse os pés e ele me mostrou uma sevilhana (uma espécie de canivete automático que havia naquela época). Ele continuou empurrando a poltrona com os pés e quando olhei de novo para trás, fez um gesto, como quem diz "vou te cortar a garganta".
Como vi que não adiantaria continuar protestando sem armar uma confusão, levantei e me mudei para uma fileira adiante. Mas perdi o gosto de olhar o filme. Antes de terminar, louco de raiva, me levantei e saí. Fui esperar lá fora. Quando o sujeito ia saindo e viu que eu estava esperando, quis desviar, mas eu lhe barrei o caminho. Acionando o seu canivete, quis me dar um pontaço. Segurei-o pelo pulso com a mão direita, coloquei o antebraço esquerdo na sua garganta e o dobrei para trás, apoiando a sua espinha dorsal no meu joelho, enquanto ao mesmo tempo lhe pressionava ao contrário o braço direito. Quando o camarada sentiu que eu ia lhe quebrar o braço, gritou e largou o canivete. Soltei-o e ele se afastou segurando o braço e me olhando com cara feia. Nunca mais vi aquele sujeito. Mas acho que aprendeu a lição.
Outro incidente foi num carnaval. Eu teria uns dezoito ou dezenove anos. Mas desta vez perdi feio. Ia na multidão com um grupo de amigos e sem querer dei um encontrão num sujeito. Quando me virei pra pedir desculpa, o sujeito me deu uma bofetada, tão violenta, que me derrubou e não enxerguei mais nada.
A vida nos ensina muita coisa. A nossa e a dos outros. Tenho visto muita gente valente e corajosa, por seu orgulho, vaidade e ignorância, estrepar-se ou dar com os burros n?água. Certa vez alguém disse que a valentia é uma coisa que se deve guardar no bolso de trás das calças e só usar quando absolutamente necessário. Lendo sobre a vida de guerreiros, antigos e modernos, pude constatar que a coragem e a ousadia, quando aliadas à vaidade e à presunção, botam tudo a perder. Desde Alexandre Magno, passando por Aníbal, Júlio César, Napoleão, Rommel e George Patton, constatamos isso, que a guerra e o confronto levam ao desgaste e à derrota, de ambos os lados, mesmo aos que se julgam vencedores.
No final da década de 60, em Porto Alegre, estudando com o professor Edson Kassia a teoria, a filosofia e a prática de algumas modalidades de artes marciais, e estando consciente de sua importância, de seus princípios e regulamentos, e sabendo do que somos capazes com instrumentos de ataque em nossas mãos, passei a evitar qualquer confronto, a não ser no plano das idéias. Assim, quando verbalmente me ?pisam nos calos?, procuro revidar com palavras mais ou menos adequadas, conforme a gravidade do insulto ou das acusações. Tenho tido a sorte, ou o outro, de ficar só nisso. Porque eu sei que somos, quase todos, uns cães de briga, com raríssimas exceções.
(Luciano Machado)
Nunca fui de provocar ou de comprar briga, mas também nunca agüentei desaforos.
Minha primeira briga aconteceu quando eu tinha dez anos e estudava no terceiro ano primário. Um colega na hora do recreio estava cuspindo em todo o mundo. Era um filhinho de papai protegido pela professora. Quando ele tentou me acertar um cuspe, dei-lhe uma cotovelada na boca do estômago que o fiz vomitar sangue. Resultado: Fui chamado à sala da diretora e expulso da escola.
Mais tarde, quando eu tinha uns catorze ou quinze anos, estava assistindo a um filme, no cinema Colombo, e o sujeito que estava sentado atrás de mim começou a empurrar a poltrona com os dois pés. Pedi que retirasse os pés e ele me mostrou uma sevilhana (uma espécie de canivete automático que havia naquela época). Ele continuou empurrando a poltrona com os pés e quando olhei de novo para trás, fez um gesto, como quem diz "vou te cortar a garganta".
Como vi que não adiantaria continuar protestando sem armar uma confusão, levantei e me mudei para uma fileira adiante. Mas perdi o gosto de olhar o filme. Antes de terminar, louco de raiva, me levantei e saí. Fui esperar lá fora. Quando o sujeito ia saindo e viu que eu estava esperando, quis desviar, mas eu lhe barrei o caminho. Acionando o seu canivete, quis me dar um pontaço. Segurei-o pelo pulso com a mão direita, coloquei o antebraço esquerdo na sua garganta e o dobrei para trás, apoiando a sua espinha dorsal no meu joelho, enquanto ao mesmo tempo lhe pressionava ao contrário o braço direito. Quando o camarada sentiu que eu ia lhe quebrar o braço, gritou e largou o canivete. Soltei-o e ele se afastou segurando o braço e me olhando com cara feia. Nunca mais vi aquele sujeito. Mas acho que aprendeu a lição.
Outro incidente foi num carnaval. Eu teria uns dezoito ou dezenove anos. Mas desta vez perdi feio. Ia na multidão com um grupo de amigos e sem querer dei um encontrão num sujeito. Quando me virei pra pedir desculpa, o sujeito me deu uma bofetada, tão violenta, que me derrubou e não enxerguei mais nada.
A vida nos ensina muita coisa. A nossa e a dos outros. Tenho visto muita gente valente e corajosa, por seu orgulho, vaidade e ignorância, estrepar-se ou dar com os burros n?água. Certa vez alguém disse que a valentia é uma coisa que se deve guardar no bolso de trás das calças e só usar quando absolutamente necessário. Lendo sobre a vida de guerreiros, antigos e modernos, pude constatar que a coragem e a ousadia, quando aliadas à vaidade e à presunção, botam tudo a perder. Desde Alexandre Magno, passando por Aníbal, Júlio César, Napoleão, Rommel e George Patton, constatamos isso, que a guerra e o confronto levam ao desgaste e à derrota, de ambos os lados, mesmo aos que se julgam vencedores.
No final da década de 60, em Porto Alegre, estudando com o professor Edson Kassia a teoria, a filosofia e a prática de algumas modalidades de artes marciais, e estando consciente de sua importância, de seus princípios e regulamentos, e sabendo do que somos capazes com instrumentos de ataque em nossas mãos, passei a evitar qualquer confronto, a não ser no plano das idéias. Assim, quando verbalmente me ?pisam nos calos?, procuro revidar com palavras mais ou menos adequadas, conforme a gravidade do insulto ou das acusações. Tenho tido a sorte, ou o outro, de ficar só nisso. Porque eu sei que somos, quase todos, uns cães de briga, com raríssimas exceções.
(Luciano Machado)