Cadeiras na calçada.

                Houve um tempo em Belém, Pará, que a vida acontecia nas calçadas. As colunas sociais dos jornais diários ainda não existiam, ou tinham circulação restrita. As calçadas eram os veículos de circulação e propagação das notas sociais e efemérides da urbe.

                Com a precisão de um relógio suíço, as cadeiras tomavam conta das portas das casas de uma Belém provinciana, diziam uns, de uma pequena capital, diziam outros. Mas lá estavam elas. Não as cadeiras brancas de PVC como as de hoje, mas aquelas enormes e pesadas cadeiras de madeira de lei e outras até que nem tanto, de vime e madeira-branca ou bambu. Tinham também aquelas mais modernas feitas em hastes de ferro cujos encostos e assentos de fios plásticos coloridos! Uma novidade para a época!

-- D. Zinha, veja quem vem lá! O “Zeca da Rosca”! -- Falava uma.

-- Ô comadre, tu sabes que a mulher dele tá doente das cadeiras?

-- Num diz, mana. Ontem mesmo eu falei com ela na barraca da Mundica, lá no Ver-o-peso!

E o papo ia acontecendo. Apelidos eram dados, os personagens eram analisados e a cidade vivia com muita chuva e com muito calor, como sempre.

                Cinco, seis, até dez cadeiras formavam um grande círculo na calçada. Quando esta não existia usava-se o leito da rua, que era a mesma coisa. Poucos veículos circulavam.

A molecada saia. Tomados banhos, roupas limpas e lá iam eles jogam petecas, ferrinho, pião ou outra qualquer brincadeira da época.

-- Tu não achas esse cara parecido com um baiacu? – Rosnava a comadre mais velha, balançando a sua cadeira de embalo.

-- Rá, rá, rá! Eras. Parece mesmo! – Respondia a D. Fonça.

E o fulano recebia o apelido que iria acompanha-lo pelo resto de seus dias!

Mas a cidade foi crescendo. Chegaram as estações de televisão, o asfalto na rua, os carros velozes, os ônibus.

                A cidade se recolheu nas suas salas. As cadeiras não saíram mais. Os apelidos transformaram-se em títulos de novelas. Em vez dos diálogos com os vizinhos, comadres e compadres, a telinha respondia com brilhos e sons às indagações.

-- Quem matou o sinhorzinho Malta?

-- Quem colocou veneno na xícara da Sr.ª Astrud Vandenberg?

E assim por diante.

Instalou-se a solidão compartilhada por todos.

A TV passou a ser o mais novo e importante membro da família, para o qual todos prestavam reverência. E ai dela, se escangalhasse!!!