Os estudos de psicanálise afirmam que a criança deve aprender melhor a se entender ao passo que se desenvolve, para tornar-se capaz de interagir com outras pessoas de forma satisfatória e significativa do ponto de vista ético. O fato de a literatura em geral estimular facilmente a criatividade, sendo ela fantasiosa ou não, confere-lhe um caráter pedagógico, pois ao se comunicar com o intelecto de uma criança pode influenciar o (e não impor padrões a) seu comportamento.

Para que uma estória realmente prenda a atenção da criança, deve entretê-la e despertar sua curiosidade. Mas para enriquecer sua vida, deve estimular-lhe a imaginação: ajudá-la a desenvolver seu intelecto e a tornar claras suas emoções; estar harmonizada com suas ansiedades e aspirações, reconhecer plenamente suas dificuldades e, ao mesmo tempo, sugerir soluções para problemas que a perturbam. (BETTELHEIM, 1979, p.13)

Mais especificamente falando, a criança precisa de modelos que a guiem sutilmente às vantagens do comportamento moral. Ainda parafraseando Bettelheim, pode-se dizer que as personagens Tipo que aparecem nos Contos de Fada podem transmitir informações tanto ao consciente como ao inconsciente do leitor, pois lidam com problemas humanos universais, "[...] falam ao ego em germinação e encorajam seu desenvolvimento." (BETTELHEIM, 1979, p.14). A mensagem primeira que os Contos de Fadas passam, exatamente por apresentarem o mal de forma onipresente, é que "uma luta contra dificuldades graves na vida é inevitável, é parte intrínseca da [sic] existência humana" (p.14). Bettelheim diz também que "G.K. Chesterton e C.S. Lewis sentiam que as estórias de fadas eram 'explorações espirituais' e, por conseguinte, 'muito semelhantes à vida', já que revelavam a vida humana como é vista, ou sentida, ou adivinhada a partir do interior." (p.32). Como falta às crianças o conhecimento de mundo que as condicionaria a compreender melhor a realidade com a qual precisam lidar, os Contos de Fada podem ser usados como parte de uma estratégia de ensinamento moral, já que os pequenos leitores estarão em contato indireto com a realidade humana ao mesmo tempo em que exercitam a criatividade.

Lewis faz uso desse gênero literário para familiarizar o leitor com as idéias defendidas pelo cristianismo, como já foi dito. Para tanto, ele faz alusão a algumas personagens bíblicas, traz o texto bíblico mascarado pelo elemento fantasioso e, implicitamente, alguns ensinamentos morais a partir das ações (e respectivas conseqüências) das personagens. Lewis afirma em Cristianismo puro e simples (1985), que a lei moral nada mais é que a regra do comportamento correto dos homens, as concepções de certo e errado de cada um, ou de determinado grupo, que independem do ser humano: "[há] uma lei objetiva, que nenhum de nós criou, mas que sentimos que atua sobre nós." (p.11). Para Lewis, o conhecimento que as pessoas têm dessa lei moral está ligado ao conhecimento religioso e à crença, mesmo inconsciente, de que existe um ser superior criador dos homens que espera um determinado comportamento de sua parte.

Lewis diz ainda que a maldade nada mais é do que a bondade corrompida, pois tudo no mundo é originalmente bom e é por isso que o cristianismo defende que o demônio é um anjo caído:

Deus criou seres com o livre-arbítrio. Isso quer dizer que as criaturas podem agir bem ou mal. Alguns julgam que podem imaginar uma criatura que fosse livre, mas que não tivesse possibilidade de agir mal, eu não posso. Se uma coisa é livre para ser boa também é livre para ser má. E o livre arbítrio foi o que tornou possível o mal. (LEWIS, 1985, p.26)

Para falar mais especificamente da lei moral, Lewis enumera as virtudes cardeais (prudência, temperança, justiça e coragem) e as virtudes teológicas (fé, esperança e caridade). As virtudes cardeais, principalmente, deveriam fazer parte de um homem que age de acordo com a concepção do que é certo, pois elas formam a personalidade do indivíduo, moldam o seu comportamento e definem como serão suas relações com o outro.

Fica claro que, para o autor, a moralidade e a crença religiosa estão intrinsecamente ligadas. As lições que ele tenta transmitir a partir de seu texto, portanto, estão ligadas ao comportamento ético em sociedade, e ao simples conhecimento das idéias cristãs, já que ele não impõe padrões, mas tenta mostrar a vantagem desse comportamento.

Está presente, portanto, em As crônicas de Nárnia, a pedagogia de C.S. Lewis.

Gabriele Greggersen (1999) enumera alguns princípios básicos dessa pedagogia, começando pelo aprender pelo sofrimento. Esse princípio está, em certa medida, ligado à vida do autor, pois quando criança, o sofrimento que a morte de sua mãe lhe causou contribuiu para que ele buscasse a alegria (curiosamente sua esposa se chamava Joy[1]) e a fé. Lewis acreditava que, de um modo geral, o sofrimento causado pela dura realidade da vida podia ensinar muito a todos, inclusive às crianças. Para ele, não havia necessidade de mostrar explicitamente às crianças as atrocidades da vida, mas era preciso que elas tivessem contato com alguns aspectos ruins que poderiam representar obstáculos em suas vidas mais tarde, pois dessa forma a criança continuaria a fantasiar, mas não se tornaria ingênua perante a realidade, e mais ainda, não se tornaria uma pessoa com ideais utópicos demais no futuro. Ou seja, uma das missões de Lewis é resgatar a realidade como ela é, doa a quem doer, mas isso deveria ser feito de forma didática, já que a vida não se reduz a coisas ruins. Lewis considera importante apresentar às crianças histórias que lhes causem medo, e critica a atitude de pais ou educadores que queiram privar a criança desse sentimento:

Os que afirmam que as crianças não devem sentir medo podem estar querendo dizer duas coisas. [...] que não devemos fazer nada que possa despertar na criança medos fantasmagóricos [...]. Ou [...] que devemos tentar manter a criança alheia ao fato de que nasceu num mundo onde há morte, violência, ferimentos físicos, aventura, heroísmo e covardia, onde há o bem e o mal. Se querem dizer a primeira coisa concordo com eles; se querem dizer a segunda, não concordo. Esta última é a atitude que dá às crianças uma falsa impressão e alimenta-as de escapismo, no mau sentido da palavra. (LEWIS, 2005, p.748)

O segundo princípio enumerado por Greggersen é o aprender pela razão. Ela constata que esse princípio se baseia na explicação dos fatos reais através da linguagem literária, ou seja, a racionalização da realidade. Aqui há a presença do princípio renascentista "divertir e instruir", já mencionado anteriormente, pois a literatura em si tem como objetivo primeiro o lazer e, levando em consideração a filosofia pedagógica de Lewis, também deveria fazer explanações acerca do real. Gabriele aponta, ainda, o aprender contemplativo, já que Lewis acreditava que olhar a vida como ela realmente é não significava olhá-la com ceticismo, mas com admiração já que a realidade seria um reflexo do Criador.

Em quarto lugar, está o aprender pela imaginação, que é a razão de Lewis fazer uso da literatura imaginativa para ensinar valores: os Contos de Fada em especial, por trazerem dilemas existenciais de toda a humanidade consigo, têm esse poder de transformar a realidade sofrida do homem em sabedoria para a vida por intermédio da fantasia.

Greggersen (1999) assinala que "Nessa linha de pensamento, G.K. Chesterton diz que a postura certa é a que, com moderação, considera os dois lados, da razão e bom senso e da imaginação e criatividade", pois a fantasia alcança o mistério, os desejos humanos, enquanto a razão transporta os aprendizados para a realidade.

O segredo da pedagogia de Lewis, portanto, parece residir em sua tentativa de traduzir a realidade em literatura imaginativa, apelando também à razão e impelindo as crianças ao entendimento das coisas da vida. A metodologia proposta por Lewis parte sempre do real e se lança ao imaginário, o que pode, em As crônicas de Nárnia, familiarizar o leitor com questões morais e direcionar a criança à educação cristã.



[1]Palavra inglesa que significa Alegria


Referências

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fada. 2ªed. São Paulo: Paz e Terra, 1979.

GREGGERSEN, Gabriele. "Vivendo e aprendendo com C.S. Lewis: princípios norteadores da educação cristã no século XXI". Revista Reformata, São Paulo, v. 4, n. 1, pp. 41-56, jan./jun. 1999.

LEWIS, Clive Staples. "Três maneiras de escrever para crianças". Ensaio. In: ______. As crônicas de Nárnia. Volume único. São Paulo: Martins Fontes, 2005. pp. 741-751.

LEWIS, Clive Staples. Cristianismo puro e simples. 2ªed. São Paulo: ABU, 1985.