BUSCA EM CELA NECESSITA DE ORDEM JUDICIAL

Geraldo do Amaral Toledo Neto

Professor de Direito, História e Teologia.

 

 

Ao iniciarmos nossa leitura da Carta Magna de 1988, observamos imediatamente em seu artigo inaugural que um dos fundamentos basilares do Estado Democrático de Direito é o postulado da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), o qual deve ser considerado como um marco de todo o ordenamento jurídico pátrio.

Os direitos e garantias fundamentais, dentre outros papéis, assumem a função de dar concretude aos pilares sobre os quais se abanca nossa formação como Nação, além de servir de resguardo ao cidadão contra ações ou omissões ilegais e arbitrárias, provenham elas do Estado ou de particulares.

Um dos direitos fundamentais de maior relevo à cidadania é o que estabelece a indevassabilidade dos domicílios (art. 5°, inciso XI, da CF/1988), o qual possui íntima relação com o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas (art. 5°, inciso X, da CF/1988).

Segundo o art. 5º, inciso XI, da CF/1988, a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

Em síntese, uma das exceções ao ingresso em um domicílio é, durante o dia, mediante decisão judicial, a qual se corporifica na expedição de um mandado de busca e apreensão, autorizatório do ingresso forçado em habitação alheia.

Seja um palacete, um barraco de papelão ou uma cela, a casa de um cidadão é seu último reduto e, como regra, deve ser inviolável, de maneira que somente presente alguma das exceções é que será permitido nela ingressar-se forçadamente. Sendo medida excepcional, é sob essa ótica que deve ser visualizada a medida da busca e apreensão através de Mandado Judicial.

Vinda do Direito americano, a necessidade de Ordem Judicial para se perfazer busca domiciliar foi devidamente abraçada pela Constituição Cidadã de 1988 que, inclusive, retirou das autoridades policiais tal medida, devido aos inúmeros casos de abusos que muitos delegados e seus agentes perpetravam contra os cidadãos.

Reza a Carta Americana, em sua quarta emenda:

 

The right of the people to be secure in their persons, houses, papers, and effects, against unreasonable searches and seizures, shall not be violated, and no Warrants shall issue, but upon probable cause, supported by Oath or affirmation, and particularly describing the place to be searched, and the persons or things to be seized.

 

Traduzindo:

 

O direito do povo de que uma pessoa, seu domicílio, documentos e bens se achem a salvo de buscas e apreensões arbitrárias, será inviolável, e não serão emitidos para este fim mandados que não se apoiem em um motivo verossímil, sejam corroborados mediante juramento e descrevam com exatidão o lugar que deva ser objeto da busca e as pessoas ou coisas que devam ser presas ou apreendidas.

 

Domicílio é o lugar pré-fixado pela lei onde a pessoa presumivelmente se encontra e, para questões ligadas à sua inviolabilidade, a Carta Magna e o Código Penal entendem que domicílio é a “Casa” do indivíduo ou o local onde ele exerce suas atividades.

O regramento civil sobre o domicílio encontra-se nos artigos 70 e seguintes do Código Civil, sendo que o artigo 76 impõe o domicílio necessário para o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo e o preso. Estipula o parágrafo único do artigo 76 quais são os domicílios para cada um dos supra mencionados.

O domicílio é o lugar onde as pessoas se responsabilizam e responde por suas obrigações. No ordenamento jurídico brasileiro há três tipos de domicílio: domicílio voluntário, domicílio legal (ou necessário) e domicílio convencional.

O Codex Civil traz, em seu art. 76, o denominado “Domicilio Necessário”. Domicílio necessário ou legal, é o imposto pela lei:

Art. 76.

Têm domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo e o preso.

Parágrafo único. O domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente; o do servidor público, o lugar em que exercer permanentemente suas funções; o do militar, onde servir, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar imediatamente subordinado; o do marítimo, onde o navio estiver matriculado; e o do preso, o lugar em que cumprir a sentença.

 

O domicílio do preso é o local em que cumpre a sua pena e, sua violação, pode acarretar a tipificação do art. 150 do Codex Penal.

O crime de violação de domicílio, previsto no artigo 150 do Código Penal, consiste em crime de mera conduta, pelo qual o sujeito ativo entra ou permanece, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia (domicílio) ou em suas dependências, cuja pena constitui detenção, de um a três meses, ou multa, podendo chegar a 2 (dois) anos se a violação ocorrer à noite, e um aumento de pena de até 1/3 se praticado por funcionário público (agentes penitenciários, policiais, Diretores de Presídios, MEMBROS DO Ministério Público, etc.), o que levaria em até 03 anos de prisão.

 

O Código Penal estende o conceito de domicilio a qualquer compartimento habitado ou qualquer aposento ocupado de habitação coletiva, o que, numa interpretação literal, assemelha-se às Unidades Celulares onde o custodiado cumpre sua Sentença.

Além do mais, caso ele ainda esteja preso, sob a tutela Estatal, em regime aberto, em recolhimento noturno em sua residência/ou de familiar, ou em prisão domiciliar, tal local também é considerado seu domicilio necessário, descrito no art. 76 do Codex Civil.

A Lei penal, em seu art 150, trouxe um rol taxativo do que não se abrange como sinônimo de domicilio (§ 5º - Não se compreendem na expressão "casa"), sendo os mais conhecidos a taverna, casas de jogos, bodegas e hospedarias sem hospedes. Tal legislação não excluiu expressamente a “Cela” dos locais não considerados como Domicilio.

E assim, tendo em vista a Cela ser considerado Domicílio Necessário ou Legal, os funcionários públicos veem se preocupando em agir com cautela quando perfazem buscas em Unidades Celulares no interior de presídios, procurando prévia autorização judicial, através do constitucional Mandado de Busca Domiciliar:

 

“Na manhã dessa sexta-feira (08), a Polícia Civil, em uma ação da Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção a Pessoa de Santa Maria, com o apoio da Delegacia de Polícia da Criança e do Adolescente e da Delegacia de Polícia Regional, cumpriu três Mandados de Busca e Apreensão, sendo um deles na Penitenciária Estadual de Santa Maria. Na ação foram apreendidos celulares, drogas e facas artesanais. Segundo a delegada Luiza Sousa, com auxílio de agentes penitenciários, foram apreendidos três aparelhos de telefone celular, drogas e estoques (facas artesanais)”. (https://www.pc.rs.gov.br/em-cumprimento-de-ordem-judicial-facas-artesanais-e-celulares-sao-apreendidos-em-penitenciaria-de-santa-maria)

Da mesma maneira:

“A Susepe, com apoio da Brigada Militar, realizou nesta quinta-feira uma ação na Presídio Regional de Caxias do Sul, localizada no bairro de Lourdes. Segundo informações da assessoria de imprensa do órgão, cerca de 50 agentes participaram da operação que cumpre mandado judicial. De acordo com a Susepe, o motivo da ação é a manutenção da ordem e disciplina na casa prisional, além de retirar materiais ilícitos sob posse dos apenados. Foram apreendidos 98 celulares, 3,8 quilos de drogas e até uma arma de fogo artesanal.” (https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/cidades/opera%C3%A7%C3%A3o-encontra-98-celulares-no-pres%C3%ADdio-regional-de-caxias-do-sul-1.341079)

Ainda, com observância à Constituição, o Ministério Público, que é o fiscal da Lei, solicitou Mandado Judicial para Buscas num presídio do Ceará, quando foi apoiado pelos órgãos de Segurança, policiais civis, militares e agentes penitenciários:

“O Ministério Público do Ceará realizou uma inspeção no Instituto Penal Feminino Auri Moura Costa. Munidos de ordem judicial da Vara de Corregedorias de Presídios, os promotores de Justiça realizaram inspeção extraordinária de busca e apreensão de drogas ilícitas e celulares.

Todas as celas e alas do presídio foram revistadas durante a operação, sendo apreendidos diversos objetos ilícitos, tais como cossoco, balança de precisão usada para pesagem de drogas, documentos referentes à contabilidade do tráfico de drogas, troças de maconha e papelotes de cocaína. “Também foram encontrados o total de 114 celulares, chips, carregadores, baterias e pendrives”, destacou o promotor de Justiça Humberto Ibiapina.

A operação contou com o apoio da Polícia Militar do Estado do Ceará, a partir do BPChoque, Gate e Cotam, bem como da Secretaria da Justiça e Cidadania, por meio do GAP, NUSED e agentes penitenciários do IPF, e também da Polícia Civil do Estado do Ceará.” (http://cnews.com.br/cnews/noticias/117466/114_celulares_sao_apreendidos_em_busca_em_presidio_feminino)

Da mesma maneira, em Cela de grandes “figurões”, a Polícia também solicitou Mandado Judicial para buscas em Unidades Celulares:

 

“BRASÍLIA  -  A varredura nas celas do ex-senador Luiz Estêvão (MDB-DF) e dos ex-ministros Geddel Vieira Lima (MDB-BA) e José Dirceu (PT-SP), na Penitenciária da Papuda, derrubou integrantes da cúpula do sistema prisional em Brasília. Em nota divulgada nesta segunda (18), a Secretaria da Segurança Pública do Distrito Federal informou que, "consider

Em nota divulgada nesta segunda (18), a Secretaria da Segurança Pública do Distrito Federal informou que, "considerando o cumprimento do mandado de busca e apreensão" no Centro de Detenção Provisória (CDP) da Papuda, durante o qual foram encontrados "diversos itens proibidos", decidiu afastar preventivamente de suas funções o diretor da unidade, José Mundim Júnior.

 (https://www.valor.com.br/politica/5603449/busca-em-celas-na-papuda-derruba-cupula-do-sistema-prisional-do-df)

Os órgãos de Segurança veem evitando que antigas práticas abusivas contra custodiados possam leva-los às Corregedorias e às Varas Criminais e, por isso, estão buscando Mandados Judiciais em Unidades Celulares quando há suspeita de existir ali algum instrumento e crime, armas, drogas, aparelho celular, ou outras questões, com fundadas razões descritas na Lei processual penal:

 

CPP - Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.

§ 1o Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:

a) prender criminosos;

b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;

c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;

d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;

e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;

f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;

g) apreender pessoas vítimas de crimes;

h) colher qualquer elemento de convicção.

 

Mister se faz, portanto, que Buscas em Celas (Domicilio legal do acautelado) sejam prescindidas de prévia autorização judicial, através do competente Mandado Judicial, quando há fundadas razões para tal intervenção.

Processo: 0003115-67.2013.8.19.0002

Réu preso

Classe/Assunto: Procedimento Especial da Lei Antitóxicos - Criminal (Lei 11.343/06) - Tráfico de

Drogas e Condutas Afins (Art. 33 - Lei 11.343/06)

Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Indiciado: EMERSON COSTA DE ARAÚJO "BINHO" OU "GORDO"

Acusado: JOÃO CARLOS DIANO MARQUES, VULGO "JOÃO COROA"

Acusado: JULIANA MARIA FERREIRA

Acusado: LEONARDO DE ALMEIDA E SILVA, VULGO "BULLDOG"

Inquérito 95/09 13/04/2009 81ª Delegacia Policial

 Corroborando todos os elementos de prova coligidos, extraídos, sobretudo, dos diálogos monitorados, após o cumprimento de sua prisão temporária, a quarta denunciada veio a admitir coordenar, junto com "João Coroa", o tráfico de drogas em diversas comunidades da Região Oceânica.

Diante de tantas evidências de que o terceiro denunciado comandava quadrilha de traficância do interior do presídio, procedeu-se, com a devida autorização judicial, à busca e apreensão no interior da cela ocupada por "João Coroa" com o fito de localizar o aparelho através do qual o mesmo se comunicava. Tal diligencia foi cumprida no dia 01 de abril de 2013, tendo sido arrecadado na sua cela um chip de telefonia celular, conforme Auto de Apresentação e Apreensão de fls. 184/187 e Laudo de fl. 189, não se logrando, porém, a apreensão do aparelho em razão de ter sido queimado pelo próprio denunciado.

Niterói, 28 de abril de 2014.

Ricardo Alberto Pereira

Juiz de Direito

Niterói, 14/05/2014.

Ricardo Alberto Pereira - Juiz Titular

 

 

A Lei de Execução Penal diz que o preso, tanto o que ainda está respondendo ao processo, quanto o condenado, continua tendo todos os direitos que não lhes foram retirados pela pena ou pela lei. Isto significa que o preso perde a liberdade, mas tem direito a um tratamento digno, direito de não sofrer violência física e moral e de ter respeitado o seu domicilio necessário, ou seja, a Cela onde ele cumpre a sentença. A Constituição do Brasil assegura ao preso um tratamento humano, com respeito e dignidade.

Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei. (Lei 7.210/84 – Lei de Execução Penal)

 

Portanto, a Busca deve ser feita com antecipada autorização judicial e nos mesmos moldes de respeito e cuidado com que se faz num domicilio comum.

Em julgamento histórico, o Plenário do Supremo Tribunal Federal fixou, em 2015, regras para que a Polícia possa realizar busca domiciliar sem o respectivo mandado expedido pelo Poder Judiciário.

As regras foram decididas durante o julgamento do Recurso Extraordinário RE 603616, com repercussão geral, tendo sido firmada a tese com maioria dos votos.

Entenderam os Ministros da Suprema Corte que “a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados”.

Com isso, o Plenário do STF passa a exigir justa causa para que a polícia possa ingressar em residências, controlável “a posteriori”. Ora, a partir de agora, deverá a autoridade policial (o que se estende ao Ministério Público e Diretoria de Presídios) demonstrar a razão da medida, fundamentando sua decisão e amparando a ação dos agentes de polícia, mesmo que, eventualmente, a diligência não obtenha resultado positivo na conclusão pela prisão em flagrante ou localização de objetos relacionados a crimes.

Tal exigência tem a nítida função de salvaguarda de direito fundamentais das pessoas, mesmo que estejam presas, já que a Busca Domiciliar é considerada medida extrema contra a intimidade, e só deve acontecer se há forte indicativo que naquele domicilio há algo extremamente grave, passível de sua violação pelo Estado.