VIVENCIANDO O SUICÍDIO NA FAMÍLIA

 

Bruna Rita Borges Machado [1]

Carina do Carmo Couto [2]

 

 

RESUMO: O tema desenvolvido nessa pesquisa é vivenciando o suicídio na família, onde o mesmo visa discutir sobre a dinâmica familiar das pessoas que precisam lidar com a sobrevivência após perder alguém por suicídio. Com tudo, procurou-se compreender como os familiares que perderam seus entes queridos pelo suicídio lidam com este acontecimento e como o psicólogo pode contribuir frente ao cenário do luto. Como metodologia, foi utilizada a pesquisa bibliográfica feita através de literaturas científicas, onde o levantamento de dados em livros e artigos científicos disponíveis em revistas eletrônicas especializadas, bem como sites de domínio público e gratuito que englobavam o tema apresentado e que foram produzidos entre 2010 a 2020. A presente pesquisa buscou identificar como a atuação do psicólogo pode contribuir de forma positiva para o enfrentamento do luto no caso do suicídio; definir a importância do acolhimento e reconhecimento dos sentimentos e reações que a família pode ter, para que o luto seja vivenciado da melhor maneira possível e compreender e descrever como a família passa pelo luto até a superação de uma perda por suicídio. Dessa forma, através do estudo pode-se concluir que o serviço ofertado pelo psicólogo através do acolhimento, a escuta e as intervenções qualificadas promovem a compreensão a respeito do momento atual, procurando compreender sobre resolução de conflitos e enfretamento  frente ao contexto da perda do familiar pelo suicídio e a retomada da rotina como era antes da perda.

Palavras chave: Suicídio. Atenção psicológica no luto. Psicologia e suicídio.

 

 

1. INTRODUÇÃO 

A presente pesquisa tem como intuito discutir sobre a vivencia do suicídio na família, visto que quando o núcleo familiar de um sujeito se depara com a morte de seu ente querido pelas circunstancias do suicídio podem vir a desenvolver diversas alterações significativas em seu cotidiano famíliar.

A função do psicólogo neste contexto, seja atuando na família com psicoterapia individual ou em grupo, e/ou em um âmbito social com uma gama maior de especialistas ou participantes, é oferecer aos enlutados a escuta clínica, o acolhimento e orientações necessárias a fim de colaborar com todos no sentindo de que consigam digerir da melhor maneira a situação em que se encontram.

Contudo, esta pesquisa tem como tema vivencia do suicídio na famíliapartindo do seguinte questionamento “Qual a importância de se prestar atenção psicológica para a família dos indivíduos que tiraram a própria vida?”.

Deste modo, o objetivo geral foi: Compreender como o profissional de psicologia trabalha as questões de luto por suicídio com as famílias enlutadas. Especificamente: a) Identificar como a atuação do psicólogo pode contribuir de forma positiva para o enfrentamento do luto em decorrência do autoextermínio; b) Definir a importância do acolhimento psicológico para que o luto seja vivenciado da melhor maneira possível, e c) descrever como a família passa pelo e supera o sofrimento.

O tema em estudo se caracteriza como uma pesquisa bibliográfica descritiva  que, conforme Marconi e Lakatos (2019), este modelo de pesquisa de cunho bibliográfico, ou seja, de fontes secundárias, compreende toda bibliografia pública que trata do tema pesquisado. Para proporcionar ao pesquisador um contato direto com o que foi escrito, dito ou possui arquivos de imagens sobre o assunto específico.

De acordo com Garces (2010) a pesquisa bilbiografica é realizada  através da utilização de materiais escritos como textos, livros, publicações periódicas como artigos de jornal, revistas, panfletos, manuscritos, ou até mesmo gravações de áudio e vídeo, páginas da internet, relatórios de seminários ou anais de congressos científicos. Em resumo, o pesquisador não vai a campo para realizar sua pesquisa, pois ela é feita com base em materiais que já foram pesquisados e elaborados por outros autores.

A pesquisa bibliográfica, deve ser produzida seguindo alguns procedimentos e são eles: a escolha de um tema de pesquisa, problematização e elaboração de seus objetivos; em seguida a elaboração de um plano de estudo e a identificação e localização das fontes de pesquisa; leitura crítica dos materiais encontrados pertinentes ao tema estudado; elaboração dos fichamentos de leitura; redação do relatório de pesquisa (elaboração de um texto próprio, organizado por vezes em capítulos, dando prioridade aos assuntos que foram levantados no plano de estudo anteriormente e que constituirão os capítulos da sua pesquisa) (GARCES, 2010).

Para a coleta de material foram utilizados dados secundários através da realização de uma revisão bibliográfica iniciada com pesquisas em artigos científicos publicados em revistas eletrônicas especializadas disponíveis nas bases de dados científicos da área da saúde como Bireme, Scielo, Pepsic, entre outros.

Foram definidos como critério de inclusão materiais publicados em língua portuguesa no período de 2010 até o ano de 2020, para que a produção e desenvolvimeno de conhecimento fossem baseados na atualidade. Contudo foram analisadas teses e dissertações que englobavam o tema e  se encontraram disponíveis nas mesmas bases de dados citadas acima também foram consideradas.

Buscando publicações no âmbito virtual utilizou-se os seguintes termos: Suicídio; luto por suicídio; suicídio e psicologia; Psicologia e o luto por suicídio; Psicologia Social e o suicídio; Terapia Cognitivo-Comportamental e suicídio.

Conforme o levantamento de dados realizado, os artigos nos quais os temas se enquadram nesta pesquisa foram selecionados e lidos primeiramente de forma resumida, e em seguida lidos na íntegra para então identificar e esclarecer questões relativas ao problema levantado e aos objetivos definidos. Assim, após identificar os artigos, realizar a leitura e analisa-los, buscou-se classificar a produção conforme os seguintes critérios: ano de publicação que o  material fora publicado, revista/base de dados em que a obra se encontra; identificar como a atuação do psicólogo pode contribuir positivamente para o enfrentamento do luto no caso específico do suicídio, definir a importância do acolhimento e reconhecimento dos sentimentos e reações que a família pode ter, para que o luto seja vivenciado da melhor maneira possível; buscar compreender e descrever como a família passa pelo luto até a superação da perda por suicídio.

Primeiro a família fica em  estado de choque, depois passam a conviver com o sofrimento e as repercussões do suicídio na vida da família. Configura-se o suicídio como um ato traumático para toda a família, visto que o suicídio deixa marcas muito difíceis de serem apagadas. O familiar que encontra o corpo, por exemplo, apresenta dificuldades em superar e esquecer tal cena, a imagem do familiar morto perpassa pela mente de maneira constante causando angústia e sofrimento.

Esta pesquisa tem relevância para o curso de Psicologia e demais cursos da área da saúde no intuito de que o mesmo possua uma maior gama de produções e pesquisas relacionadas a conteúdos sobre a realidade das famílias que vivenciam o suicídio, o presente trabalho pretende conhecer a visão da família que vivencia o luto por suicídio, voltando o foco da atenção para os que ficam.

 

 

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

 

2.1. Compreendendo o suicídio

Uma pessoa que se concentra no planejamento da própria morte encontra-se em um momento de desespero, sem perspectivas de futuro e em profunda depressão. Por isso, o suicídio ou a tentativa frustrada de se matar, pode ser um pedido desesperado de ajuda, uma forma extrema de chamar atenção sobre si e sobre os problemas e de demonstrar que o nível de sofrimento é insuportável (SPIES E COSTA. 2014. p. 4)

 

A Associação Brasileira de Psiquiatria em 2014, define o suicídio como um ato intencionalmente executado pelo próprio indivíduo, cujo objetivo seja a morte de maneira consciente e intencional, mesmo que ambivalente, onde o sujeito utiliza uma forma em que ele acredita ser letal. Para se realizar a prevenção do suicídio de maneira eficaz também reconhecemos o que faz parte do que chamamos de comportamento suicida: onde são recorrentes os pensamentos suicidas, os planos e a próprias tentativas de suicídio, porém apenas uma pequena proporção dos comportamentos suicidas chega ao conhecimento seja das equipes de saúde, seja dos próprios cuidadores, parentes ou responsáveis.

“A Precedência de tentativas de suicídio e a reincidência do suicídio relacionam-se com fenômenos biopsicossociais e preocupam os profissionais de saúde, considerando as estatísticas oficiais.” (ALMEIDA et al. 2020. p.1)

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a cada ano em torno de 800 mil pessoas tiram a própria vida. Este número representa uma morte a cada 40 segundos no mundo todo. Em relação à esse número tão alto, a OMS chama a atenção para os países que trabalham com a inclusão de prevenção ao suicídio como prioridade dentro da saúde pública, esses são apenas 28 Países que relatam ter uma estratégia nacional que seja direcionada ao tema, além de toda precariedade presente em alguns países, em relação ao fornecimento de dados de qualidade. (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2018).

De acordo com Ores et al (2012) o comportamento suicida envolve, de maneira esporádica ou frequentemente, ideias, desejos e também manifestações relativas à intenção de morrer, assim como fazer o planejamento da forma, de quando e onde irá fazer isso. Além do pensamento de como o suicídio pode impactar outras pessoas, muitas vezes é visto como a única solução para algo insuportável e insolúvel.

Müller, Pereira e Zanon (2017) apontam que a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2014), ao realizar seu primeiro relatório a respeito da prevenção do suicídio, apresentou um alerta sobre os números apontarem que mais de 800 mil pessoas cometem suicídio por ano no mundo, sinalizando o Brasil como o oitavo país com maior índice de suicídio. Para esses autores ainda, ao partirmos do princípio de que o sujeito que realiza ações suicidas de fato não quer se matar, mas sim, acabar com seu sofrimento, torna-se possível realizar ações que favoreçam a vida, sendo assim, se este indivíduo estiver imerso em um projeto de morte, o que deve-se fazer é apostar em ações que potencializem a vida.

Podemos entender conforme os apontamentos de Ores et al (2012) que o risco de suicídio em si, abrange desde a ideação suicida até tentativas cometidas. Portanto, a avaliação do risco de suicídio ainda é um desafio para os profissionais da saúde e, geralmente mais importante do que buscar a causa do suicídio em sí. A avaliação do risco de suicídio em sí, permite que estratégias de prevenção para as condutas de risco sejam desenvolvidas.

De acordo com a cartilha Suicídio: Informando para prevenir da Associação Brasileira de Psiquiatria (2014), podemos compreender que o suicídio é tido como um fenômeno que se faz presente ao longo de toda história da humanidade, e em todas as culturas como um comportamento que envolve determinantes multifatoriais e é o resultado de uma complexa interação de fatores tanto psicológicos e quanto biológicos e inclusive genéticos, culturais e socioambientais de um individuo. Dessa maneira, o comportamento suicida é entendido como o desfecho advindo de uma série de fatores que se acumulam ao longo da vivência do sujeito, não podendo ser considerado de forma causal e simplista apenas a determinados acontecimentos pontuais da vida do sujeito. É a consequência final de um processo.

Facilmente percebe-se que o homem contemporâneo não está habituado com a morte e o morrer. Muito menos com o suicídio. É raro encontrar pessoas dispostas a conversar sobre isso. Mas ele acontece a nosso lado, com vizinhos e conhecidos e em grande número. A sociedade contemporânea não admite certos sinais de fraqueza, como os manifestados no idoso, no deficiente e no suicida. (DAOLIO, 2012. p. 437)

 

Pode-se traduzir a palavra suicídio como sendo a morte de si mesmo, tal termo refere-se à morte intencional, com o objetivo que o sujeito tem de fugir de si ou de um grande sofrimento. Tal entendimento a princípio parece bastar, porém, é possível perceber em uma reflexão mais profunda que os mecanismos e os fatores envolvidos no ato suicida demandam uma conceituação muito mais complexa do termo (MÜLLER, PEREIRA E ZANON; 2017).

Conforme pontuado por Marback e Pelisoli (2014) o suicídio está entre as principais causas de morte no mundo, sendo considerado atualmente um problema de saúde pública em consequência do aumento considerável de casos na população mundial, sabe-se ainda que o comportamento suicida pode ser compreendido como uma série de comportamentos onde se faz presente os pensamentos (ou ideações) suicidas, o próprio planejamento para o suicídio, a tentativa de suicídio por sua vez, é entendida pelos comportamentos autoagressivos que não são fatais, mas que podem deixar sequelas, graves ou não, e por último, o suicídio que se caracteriza pela intencionalidade, pelo planejamento e pelo comportamento altamente danoso, que resulta na morte.

Sabe-se que o suicídio é um fenômeno complexo, que sofre influencias de vários fatores, e que partindo de uma análise de contextos torna-se possível compreender quais são as situações de maior risco. O estigma que se tem em relação ao tema do suicídio acaba por impedir a procura de ajuda, que pode vir a evitar mortes. Desta mesma forma, sabe-se também que falar de maneira responsável sobre o suicídio opera muito mais como um fator de prevenção do que como fator de risco, e que se pode inclusive, se contrapor a suas causas (BRASIL, 2017).

Compreende-se através de Daolio (2012) que o suicídio é sempre um ato revestido de extrema violência, sendo uma das formas mais cruéis de destruição, por estar envolvido em questionamentos que não encontram respostas seja nas explicações cientificas, acadêmicas e nem mesmo religiosas.

Spies e Costa (2014) apontam que podemos compreender que o  suicídio acontece por sofrer variadas interferências de diversos fatores, como por exemplo, existem situações em que o condicionamento cultural faz com que o sujeito adote comportamentos autodestrutivos. Em diferentes casos, a pessoa utiliza desse método na busca de resolver seus problemas, mesmo não buscando a morte, mas bucando interromper seu sofrimento. A pessoa então entende que a dor é tão imensa que vê o suicídio como a única saída para fugir da crise e da angústia, tirando a própria vida. Portanto, um suicídio que é consumado por sua vez, é entendido como uma consequência de um impulso, quando o indivíduo considera que continuar vivo lhe causaria mais dor do que morrer.

 

 

 

2.2. Atuação do psicólogo mediante luto das famílias sobreviventes ao suicídio

O profissional da saúde também sente o impacto emocional de um suicídio. Ele deverá estar preparado para isso, pois, além de lidar com seus sentimentos, poderá dar assistência aos familiares do falecido ou, em um contexto institucional, a pacientes e a equipe assistencial. Além das reações emocionais que se seguem a um suicídio, consideram-se, neste capítulo, alguns aspectos ético-legais a ele relacionados. (BOTEGA, 2015. p.271)

 

Primeiramente vamos entender como se dá os estágios do luto que de acordo com Basso e Waine (2011) são os estágios de reação à perda escritos por Elizabeth Kübler- Ross em 2005: O primeiro estágio diz respeito à negação e isolamento, que servem como um mecanismo de defesa temporário, um pará-choque que vai aliviar o impacto quando se recebe a notícia, dando espaço à uma recusa a confrontar-se com a situação. Acontece com a pessoa que é informada abruptamente em relação a morte e embora seja considerado como o primeiro estágio das fases do luto, pode aparecer em outros momentos. O segundo estágio fala sobre a raiva, por ser o momento em que se dá espaço para externalizar a revolta que é sentida. Com isso as pessoas tornam-se por vezes agressivas. Pode haver também uma busca por culpados e questionamentos, como: "Por que ela?", isso com o objetivo de aliviar o grande sofrimento e revolta que envolve tal perda.

Conforme autores, no terceiro estágio está a barganha, que é entendida como uma tentativa de negociar ou adiar os temores frente ao luto; as pessoas nessa fase buscam firmar acordos com figuras que de acordo com suas crenças teriam poder de intervir sobre a situação de perda. Geralmente são feitas promessas e acordos direcionadas à seres dividos conforme a religião (caso a pessoa tenha), ou até mesmo aos profissionais de saúde que estão próximos e acompanhando. No quarto estágio falamos sobre a depressão, essa é dividida em duas partes a  preparatória e a reativa. A depressão reativa ocorre quando surgem outras perdas relacionadas à perda por morte, como por exemplo, a perda do emprego e, como consequência, um prejuízo financeiro. A depressão preparatória, por sua vez, diz respeito ao momento em que a aceitação está mais próxima, quando as pessoas ficam mais quietas, e passam a repensar e processarem o que a vida fez com elas e o que elas fizeram da vida delas. E por fim, o quinto estágio diz respeito à aceitação, onde as pessoas se encontram mais serenas em relação ao fato de morrer. É o momento em que elas conseguem se expressar de maneira mais clara os seus sentimentos, suas emoções, suas frustrações e as dificuldades que as rodeiam. E entende-se que quanto mais longo for o estágio de negação mais dificilmente as pessoas chegarão a este último estágio da aceitação. Vale ressaltar ainda, que esses estágios não são vistos como um roteiro a ser seguido e que podem sofrer alterações de acordo com cada pessoa e a perspectiva pessoal de cada um.

Podemos compreender que, diversos profissionais da área da saúde se preocupam com essa temática envolvendo as questões do luto, inclusive o psicólogo, que por sua vez, também contribui de maneira importante neste aspecto, por ser uma das áreas nas quais esse profissional realiza intervenções. Segundo Malgarezi et al. (2019, p. 172) “a experiência de um profissional diante de ideação, tentativa e/ou suicídio é um desafio complexo e que exige um preparo técnico e emocional amplo.”

Malgarezi et al. (2019) apontam ainda que além da experiência emocional negativa, como por exemplo a emoção raiva, a culpa e o sentimento de dor, outras expressões afetivas podem se mostrar presentes, por mais que sejam de maneira não tão explícita. As considerações apresentadas pelos profissionais podem indicar negação ou racionalização perante a perda de um paciente. Isto é, o sujeito busca adotar um comportamento ou apresentar uma explicação coerente, e que seja aceitável do ponto de vista moral para a situação vivida, neste caso o luto. Os mesmos autores colocam ainda a ideia de que ninguém, isso inclui os profissionais de saúde mental, pode carregar consigo mesmos, a total responsabilidade pela vida de um individuo potencialmente suicida. É importante destacar que, “a forma com que esse profissional lida com eventos negativos vai repercutir no modo como ele experimenta essa perda.” (MALGAREZI et al. 2019, p. 173)

De acordo com o DSM-5 (American Psychiatric Association, 2014), o luto é configurado como um “anseio intenso ou saudades da pessoa falecida, tristeza intensa e dor  emocional e preocupação  com  a  pessoa  falecida  ou  com  as  circunstâncias  da  morte são  respostas  esperadas” (p. 194).

Conforme Rocha e Lima (2019) após perder um ente querido por suicídio, torna-se importante que os familiares sobreviventes recebam suporte especializado. Pode também serem necessárias atuações de outros profissionais de saúde mental, visto que muitas vezes esses executam um trabalho em conjunto com os psicólogos ou tem a oportunidade de desempenhar seus papéis em algumas situações. A intervenção psicológica por sua vez, deve estar direcionada para o indivíduo, a família e a comunidade; com isso entende-se que o psicólogo pode prestar o atendimento psicoterápico de forma individual ao sujeito enlutado; e dentro do contexto familiar podem ser trabalhados grupos de apoio, de maneira comunitária. Além dos grupos, o psicólogo pode atuar em ações para informar sobre o suicídio e suas implicações, além de realizar divulgação a respeito dos grupos de apoio aos sobreviventes. Betti (2020) corrobora com a ideia de que diferente do luto comum, onde as pessoas conseguem retomar sua vida em um curto tempo, os sujeitos que perderam seus entes por suicídio irão demandar mais tempo para superar e retomar a vida normal novamente, e foi pensando nesse ponto que os grupos de apoio aos sobreviventes foram criados.

A partir dos estudos realizados por Zana e Kovács (2013), foi possível observar que o desejo de morte do paciente é capaz tem provocar sentimentos de impotência no profissional. Conforme entrevistadas realizadas, foi possível mostrar que para os profissionais que trabalham em torno desse cenário do suicídio que, lidar com o desejo de morrer do paciente é também considerar a própria finitude, e que a psicoterapia pode ajudar neste processo. Quando se trata de pacientes que tenham ideação ou realizaram tentativa de suicídio, as entrevistadas realizadas afirmaram que estes vivenciam um sofrimento intenso, a vida por sua vez, passou a não ter sentido, e que a tentativa de suicídio surge como mensagem a ser destinada a alguém, como  se fosse um pedido de ajuda. E para ao profissional que irá trabalhar com esses pacientes em especial, procuram a vida no discurso da morte. De acordo com o estudo destaca-se a nessidade de respaldo psiquiátrico, por se considerar qa impossibilidade de prever se o suicídio será efetivado ou não, e em geral, os pacientes ainda se encontram em sofrimento e fragilidade, onde na maioria dos casos, necessitam também de tratamento medicamentoso.

Existem vários contextos profissionais onde o psicólogo pode exercer o aconselhamento no luto e aplicar os conhecimentos anteriormente referidos de acordo com o contexto que estejam a desempenhar o seu papal. Assim, importa ainda salientar que são diversos os contextos de trabalho no âmbito de luto referidos pelos participante. (GOMES, 2019. p.67)

 

Segundo Fukumitsu et al. (2015) a posvenção diz respeito a qualquer atividade depois de um suicídio que tenha o intuito de prevenir outra tentativa ou ato suicida. Por tanto, o suicídio deve ser considerado como uma questão de conscientização pública e profissional, tanto que um dos fatores que acaba influenciando fortemente na elaboração do luto é a capacidade do indivíduo enlutado de procurar ajuda e ser ajudado, espaço onde o profissional de psicologia encontra abertura para atuar.

Conforme a pesquisa realizada por Fukumitsu et al. (2015) o que os psicólogos podem fazer pelo familiar enlutado, é ajudar com aconselhamento que sejam relativos à assuntos práticos, dando informações de que eles podem estar se sentindo de determinada forma, pois às vezes os enlutados encontram-se muito desorganizados ao ponto de não saberem que o que estão sentindo é de fato o luto, e então o psicólogo precisa realizar essa sinalização. Oferecer suporte, podendo ser por terapia ou qualquer outro tipo de assistência, como um grupo de ajuda e possibilitando a oportunidade de conversar com outras pessoas enlutadas.

Pode-se refletir a respeito do papel do psicólogo inserido em uma equipe multiprofissional, sabendo que nem sempre os demais profissionais que compõem a equipe tem conhecimento a respeito dos processos psicológicos relacionados ao sofrimento e que necessitam de acolhimento e orientação. Destaca-se então, o psicólogo como o profissional mediador, que é capacitado para ampliar a percepção de seus colegas e acolher a dor de quem está tentando o suicídio. Entretanto, acredita-se que é durante o período de formação profissional que a mudança deve ocorrer, passando a incluir no currículo disciplinas que levantem o problema da violência autoprovocada com o objetivo de ampliar a capacitação dos profissionais para lidar, mediar e orientar casos com essa demanda. Portanto, isso vai além do acolhimento, onde o psicólogo deverá ser visto além do que um mecanismo efetivo nas equipes multiprofissionais, e ser visto como parte de uma construção e uma percepção mais abrangente do papel desse profissional dentro do cenário da saúde. (MALGAREZI et al. 2019)

Basso e Wainer (2011) apontam que o tratamento com indivíduos em processo de luto deve ser trabalhada no sentido de se oferecer auxilio ao paciente para que possa se restabelecer uma rotina, que se possa reestruturar a vida de maneira que a faça funcionar de forma inteira e eficaz. O psicólogo que utiliza a TCC vai procurar trabalhar de maneira que busque minimizar os efeitos emocionais causados pela perda do ente querido. O foco da terapia nesse contexto é de facilitar o processo de readaptação do indivíduo compreendendo aspectos indispensáveis no auxilio terapêutico a um paciente enlutado. Destaca-se que um ponto essencial é o de transmitir confiança e oferecer apoio, mostrando que esse paciente será acolhido e não estará sozinho, sabendo que esta terapia terá como objetivo ajudar o paciente na sua resolução de conflitos existentes à separação, buscando facilitar a superação das etapas do luto para elaborar então a perda, com isso torna-se importante considerar outras perdas vividas pelo mesmo.

Betti (2020) aponta que a tarefa de identificar e lidar com pacientes que tenham ideação suicida não é uma tarefa simples, ainda mais quando essas pessoas chegam aos serviços de saúde que não são compostos por profissionais especialistas em saúde mental. Entretanto, existem regras de manejo que, quando são seguidas, facilitam a abordagem do paciente com ideação, como por exemplo, saber ouvi-lo e identificar o que de fato levou o paciente a procurar por ajuda, pois por diversas vezes essas pessoas vão ao médico para falar de outras doenças e acabam não contando o motivo real da procura. A segunda regra diz sobre não fazer julgamentos, “ou cair no mito de quem fala que vai se matar não se mata”, pois todo paciente que faz comentários em torno do suicídio, ou que deixa explícito que a vida perdeu o sentido é um paciente em risco e deve ser ouvido. Essa escuta por sua vez, deve ser realizada de maneira acolhedora fazendo com que o paciente se sinta aliviado e consiga estabelecer algum vínculo com o profissional que o está atendendo. Por último, é importante questionar o paciente sobre suas intenções e planos de se matar, após identificar que o mesmo está correndo risco de tentar contra sua própria vida.

Gomes (2019) corrobora com a ideia de que a TCC tem como base a centralidade nos problemas que por sua vez, são expostos pelos sujeitos no momento em que este procura a terapia, tendo como objetivo ajudá-lo a descobrir novas estratégias para interagir no ambiente de uma maneira que o mesmo se adapte às mudanças necessárias. Outro objetivo dessa abordagem é a modulação no sentido de aumentar as características adaptativas e auxiliar o paciente na tomada de decisões, assim como na procura de estabelecer novas atividades e relacionamentos com o intuito de melhor a superar a perda.

“O psicólogo tem como objetivo auxiliar a pessoa na capacidade de encarar a perda do ente querido de uma forma adaptativa e encorajar o sobrevivente a criar novos laços relacionais.” (GOMES, 2019. p. 16).

Para Krüger e Werlang (2010) as famílias que são inseridas no contexto do suicídio necessitam de auxílio para que possam se reconstruir como um sistema de apoio e proteção. Recomenda-se ao terapeuta atuante nesse cenário que expresse empatia, respeito e que se adeque ao  ritmo do paciente, principalmente no decorrer do uso das estratégias e técnicas terapêuticas.Não entrando em confronto direto com ele, para que o paciente não desenvolva uma certa resistência ao tratamento (BASSO E WAINER, 2011).

Botega (2015) aponta sobre a atuação do profissional de saúde, onde esse por sua vez, deve se preparar para oferecer apoio emocional aos parentes que se encontram enlutados, a fim de propiciar um ambiente em que esses recebam apoio, além de identificar as pessoas que mais precisam de ajuda e providenciar o atendimento que seja mais adequado. Logo após a morte, algumas intervenções podem ser sugeridas aos familiares e que futuramente, poderão facilitar o processo de luto como:

Dizer a verdade sobre a causa da morte eliminará problemas futuros, evi‐ tando-se disfarces ou dúvidas fantasiosas sobre o ocorrido. O detalhamento do método usado para o suicídio não é necessário e nem sempre é apropriado. Se possível, deve ser dada oportunidade de visualização do corpo durante o funeral. Se houver mutilação ou desfiguração, talvez o melhor seja manter o esquife fechado. Nesse caso, é aconselhável que algum membro da família mantenha a posse de fotos tiradas do cadáver. Isso, futuramente, poderá desfazer fantasias de erro na identificação do corpo ou de traumas sofridos na morte. Pode haver futuro arrependimento se a família decidir não realizar um funeral. Essa decisão impede que pessoas próximas ao falecido iniciem seu processo de luto durante o funeral. (BOTEGA, 2015. p.277-278)

 

A família do suicida ainda tem crenças de que podem ser acusadas ou hostilizadas, devido ao sentimento de culpa e a responsabilização pela morte do ente. Com isso Botega (2015) conclui que em um momento oportuno é aconselhável convidar os familiares para uma reunião com objetivo de conversar sobre o ocorrido, um dos pontos importantes é que a confidencialidade precisará ser mantida, pois muitas perguntas e questionamentos poderão surgir. Todavia, podem ser levados em conta aspectos positivos do paciente, principalmente no que se refere à sua preocupação com a família e suas tentativas de superar as dificuldades. Isso reforça a aliança do terapeuta com a família e levanta informações que ajudam a ponderar, dentro do processo de luto, os vários aspectos relativos à vida da pessoa falecida.

 

2.3. O suicídio sob a ótica dos familiares

Conforme Silva e Marinho (2017) quando nos deparamos com a morte e essa nos leva um ente querido, se é esperado, que isso seja encarado como um acontecimento avassalador e imprevisto, ainda que se tenha consciência de que a morte um dia virá para todos. Esta vivência faz parte de um processo composto por etapas e que nem sempre irão ser seguidas à risca, além das formas e implicações que são restritas a cada membro da família, que por sua vez irá lidar com a perda de modo diferente do outro, estando de acordo com suas próprias condições na busca de uma reorganização para continuar vivendo e lidando com a ausência de quem se foi.

A solidão, o silêncio, o isolamento, a rejeição e talvez sentimentos de culpa sinalizam ideias suicidas. Muitas vezes, o próprio silêncio pode ser uma forma de se comunicar. No entanto, para os familiares parece ser difícil fazer a devida leitura compreensiva destes sinais. (SPIES E COSTA. 2014. p. 11)

 

De acordo com o estudo de Dutra et al. (2018) quando os familiares acabam de receber a noticia de um óbito de algum familiar é um momento bastante dificil e doloroso. No entanto, quando este é ocasionado por um ato suicida o impacto é ainda maior. Esses familiares à princípio entram em “estado de choque”, desesperando-se com a notícia, pois o suicídio é um ato de surpresa para os familiares, visto que mesmo sabendo que o ente querido apresentava ideações suicidas, não esperavam que o óbito fosse consumado.

Conforme os mesmos autores, os familiares enfrentam dificuldades em lidar com

esta perda repentina e acabam por buscar respostas para o ocorrido. O desespero toma conta desse trágico momento, especialmente porque a maioria dos casos não há uma justificativa única e que seja vista como suficiente para o ato. Com isso, os familiares apresentam dificuldade em lidar com esse tipo de morte, questionando-se à respeito da veracidade da lesão autoprovocada com o intuito de justificar o óbito provocado, por fim, acabam acreditando inicialmente que a morte pode ter ocorrido através de assassinato negando assim, o suicídio.

“A forma como o suicídio é compreendido pela sociedade torna-se uma importante questão a ser discutida, pois pode provocar, naquele que sofre, ou ainda, nos familiares daqueles que cometeram suicídio, grande sofrimento psíquico.” (ALMEIDA et al. 2020. p.7)

 

Na maioria das vezes, não se espera que ocorra o suicídio, uma morte sempre violenta e chocante, que não é vista como uma forma socialmente aceitável de se morrer. A realidade da perda, gradualmente, irá penetrar na vida das pessoas enlutadas, com sentimentos que podem variar de tristeza e vazio a raiva, confusão e rejeição. (BOTEGA, 2015. p.271)

 

Silva e Marinho (2017) apontam sobre como a vivência da perda e do luto por meio do suicídio é mobilizadora e envolve intensos sentimentos. Pode-se atentar sobre a maneira como cada sobrevivente reage ao luto pode estar ligada ao vínculo que era estabelecido com a pessoa que se matou, sendo que pode haver uma dificuldade na aceitação da perda, o que pode causar um impacto significativo na vida do indivíduo.

Conforme Botega (2015) a morte por suicídio, em geral, não é compreendida como uma forma aceitável de se morrer. Por vezes, esconde-se o fato de que a morte se deu por suicídio, e, em outras vezes, são negados os sentimentos mais dolorosos, o que nos leva a considerar que a rotina de quem perdeu um ente querido por suicídio costuma ser silencioso e de isolamento.

Um ponto importante e que acaba agravando toda a situação em torno do luto por

suícidio se dá quando a família não tem sucesso em suas tentativas de ajudar a pessoa que está apresentando sinais negativos, ou sinais de que há algo errado. Essa dificuldade ocorre, diversas vezes, porque a pessoa que cogita tirar a própria vida recusa toda ajuda ou porque o método  pode não ter tido eficácia para auxiliar diante da situação. Há os casos que envolvem dependência química, por exemplo, e que os familiares tentam ajudar o indivíduo conversando com o mesmo no sentido de convencê-lo quanto à necessidade de internação e de um tratamento específico, ou buscar soluções através das intervenções espirituais, entre outras várias maneiras de ajudar o suicida em potencial e amenizar tanto o seu sofrimento quanto todo desgaste familiar. Entretanto, apesar de haver todo um investimento e esforço que a família despende, quando ocorre de fato um suicídio, as pessoas que estavam envolvidas são tomadas por um sentimento de impotência, de culpada, e passam a ter a sensação de que fracassaram, alimentando assim pensamentos disfuncionais, e sobre o que poderiam ter feito para que a tragédia pudesse ter sido evitada. (SPIES E COSTA. 2014)

Botoga (2015) corrobora com a ideia de que para muitas pessoas, suportar a dor que é ocasionada devido a uma morte por suicídio e elaborar o luto pelo falecimento de um ente querido são tarefas existenciais extremamente difíceis, onde a situação em sí fica gravada na memória, pois podem ter ocorrido circunstâncias estressoras que antecederam o suicídio, e que também afetam a família. Com isso, sabe-se que após o choque inicial da notícia, surgem os sentimentos de culpa e responsabilidade pela morte, onde “a ideia universal de que pais são responsáveis pelas ações de seus filhos acrescenta boa dose de culpa aos dilemas morais e sentimentais de genitores e cuidadores.”(BOTOGA, 2015, p.271)

Compreende-se através de Krüger e Werlang (2010) que cabe mencionar a respeito da instabilidade familiar, do rompimento de relacionamentos sociais e do fracasso nos esforços relativos a resolução de problemas nas famílias, que tudo isso nem sempre é uma consequência do comportamento suicida. Com isso, sugere-se que a respeito deste fenômeno também deve-se levar em consideração a possibilidade das características intrínsecas das famílias influenciarem na presença do ato suicida. Nesse sentido, o sujeito, ocupando seu lugar como membro de um grupo onde compartilha significados, e quando este atenta contra sua própria vida, está inserindo a experiência da crise suicida no repertório do sistema familiar.

 

A crença de estar em crise emerge do sujeito a partir de diferentes falas sociais, constituídas na interação. Essa experiência de crise tende a alterar a intensidade dos vínculos emocionais na família e desta com o seu ambiente, limitando a capacidade em distinguir territórios, ideias, pessoas, experiências, umas das outras. (KRÜGUER E WERLANG. 2010. p. 60)

 

Daolio (2012) aponta ainda que a repercussão do suicídio para a sociedade e, especialmente, para a família do suicida é algo que choca. Por levantar a percepção de que algo deixou de ser feito. Constata-se que a sociedade, mesmo sendo possuidora de alta tecnologia e poder, ainda não tem a habilidade necessária e tempo para ouvir, realizar o diagnostico e oferecer ajuda a uma pessoa que se encontra à beira de um ato tão radical como o suicídio.

Ainda de acordo com Spies e Costa (2014) há uma atenção voltada para os membros

das famílias onde houve morte por suicídio pelos mesmos terem sido tomados por intensa angústia. Para encontrar um certo alívio para suas tensões internas, os familiares buscam explicar ou justificar os fatos que se antecederam, na tentativa de se livrar dos sentimentos que os incomodam. Percebe-se também que os familiares do suicida se sentem perturbados emocionalmente e em sofrimento significativo, indo sempre atrás de uma justificativa ou algo que amenize todo o acontecimento. Ademais, outra dificuldade que se pode observar nos sobreviventes é a respeito de poder retomar suas vidas normalmente após o ocorrido (Silva e Marinho, 2017).

Rocha e Lima (2019) contribuem para o entendimento do luto considerando-o como sendo uma resposta natural à perda, que cada indivíduo expressa em variadas dimensões, seja se tratando de uma perda material na qual nos referimos à morte, como uma perda imaterial, como por exemplo, um sonho planejado e que por algum motivo não pôde ser vivido.

Gonçalves et al (2018) apontam que a dor dos familiares acentua-se quando esses acreditam que poderiam ter protegido seu ente querido da morte, poderiam ter identificado os sinais de fragilidade e vulnerabilidade que o mesmo estava sentindo. O fato é que essas sensações ampliam a angústia pois, entende-se que a morte se trata de um vazio, uma lacuna inexplicável, pois a perda abre espaço para uma sensação de impotência e para a ausência.

Os mesmos autores ainda colocam que o suicídio por sua vez, se trata de um ato abrangente que diz respeito não somente aquele que opta por morrer, mas que contagia a família, amigos e a sociedade, que por sua vez ficam e procuram compreender os motivos que levaram o suicida a tomar a decisão de retirar a própria vida (GONÇALVES et al; 2018).

De acordo com luto por suicídio remete ao indivíduo não apenas sentimentos e comportamentos vivenciados num luto por morte natural, mas expõe também a sentimentos particulares, como a vergonha e a outros sentimentos e emoções mais complexas, o que por sua vez, podem estar relacionados ao tabu que se rodeia em torno do suicídio e que abre espaço para um possível desenvolvimento de transtornos psicológicos, como a depressão, ansiedade, dependência química entre outros.

Fukumitsu et al. (2015) afirmam que o suicídio é um ato marcado por uma ambivalência que se dá entre o desejo de viver e o desejo de acabar com a dor, a impulsividade do ato ou tentativa e a rigidez de pensamento, já que o sujeito não encontra outra saída para suas dificuldades. Pode-se destacar ainda a imprevisibilidade do suicídio, pois por mais que o indivíduo expresse a intenção de dar um fim à própria vida, na maioria dos casos não é possível compreender quando ou como irá se concretizar o ato ou a tentativa.

Em relação à inclusão da religião dentro do trabalho terapêutico Gomes (2019) aponta que pode se dar de forma implícita ou explícita, o que depende de vários fatores tanto do terapeuta quanto do utente. Na aplicação implícita, o terapeuta respeita, reconhece e questiona a importância da religião do paciente e discutirá com ele questões voltadas para a religião conforme forem trazidas para a sessão. A forma explícita, por sua vez, diz respeito à levar ativamente a religião para a terapia recorrendo à oração, a escritura, o encaminhamento para grupos religiosos e outras práticas que sejam apropriadas. Porém, de acordo com a mesma autora, ainda existe uma grande dificuldade em relação aos psicólogos quando esses se deparam ao tentar entender a religiosidade do utente, que é a de encarar os seus próprios preconceitos, pois para ter respeito pelas crenças religiosas do sujeito que procura ajuda, é primordial que o terapeuta separe os significados que têm sobre as religiões e más experiências que o mesmo possa ter tido.

Um outro aspeto importante de referir é o de que as crenças pessoais dos psicólogos não devem influenciar ou entrarem em discordância com as do paciente, pois seria um erro ético grave bem como tentar impor uma religião. O psicólogo deve estar apto para questões que não vão ao encontro das suas próprias crenças e saber acolher o paciente de fora a legitimar as crenças do mesmo. O profissional deve também ter atenção quando referir alguma religião ou algo espiritual, uma vez que é necessário averiguar que aquele paciente ou família é crente ou não tem qualquer relação com a espiritualidade ou religião. (GOMES, 2019. p. 27)

 

Após uma perda por suicídio os familiares precisam encontrar uma maneira de encontrar a superação, e para isso acontecer é necessário que se descubra motivos para a superação se tornar algo real. A grande preocupação é que muitos casos de suicídio podem acarretar em outros, pois até que se consiga superar os familiares não conseguem enxergar motivos que fizeram com que seu ente tenha tirado a própria vida e com isso ficam inconsoláveis e acabam por irem na mesma direção. 

 

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo do estudo de diversos autores, podemos compreender que a morte por suicídio ocorre por diversos motivos, o que gera uma maior dificuldade em se traçar um plano único de ação preventiva, pois sabemos que essa temática ainda é visto como um tabu, o que acaba por fazer com que as discussões a respeito aconteçam de forma velada. Contudo, ao estudar sobre o suicídio vê-se a necessidade de um plano de prevenção que seja efetivo em caráter de urgência, pois sabemos que o indice de morte por suicídio em nosso país cresce cada vez mais. Há grupo de pessoas em especial que demanda uma maior atenção, porque sabe-se também que um familiar que um familiar do suicida que se  encontra em luto pode não conseguir lidar sozinho com a perda e de ter outros fatores ligados ao luto pelo suicídio, esse familiar pode vir a se matar da mesma maneira. Sabemos que o suicídio é uma grande e importante questão de saúde pública, porém, ao pesquisarmos tanto sobre a história, quanto a prevalência e o significado do suicídio na sociedade, compreendemos o quanto esse tema ainda é pouco explorado no Brasil.

Esta pesquisa teve como objetivo inicial compreender como os familiares que perderam seus entes queridos através do suicídio lidam com este acontecimento. Foram analisados como a atuação do psicólogo pode contribuir de forma positiva para o enfrentamento do luto em decorrência do autoextermínio, bem como a importância do acolhimento psicológico para que o luto seja vivenciado da melhor maneira possível, e como a família passa pelo luto até a superação de uma perda em decorrência do suicídio. Pode-se comprovar que há grande importância de oferecer assistência psicológica para a família sobrevivente,  por estar num estado em que essas pessoas ficam extremamente fragilizadas e por muitas vezes não se veem capazes de retomar sua rotina normalmente sem um apoio profissional por se tratar de um cenário mórbido que envolve vários sentimentos e emoções negativas.

Inicialmente foi discorrido a respeito do suicicio e de comportamentos suicidas onde ocorre, de forma esporádica, ou frequente, as ideações suicidas, os desejos e as manifestações à respeito da intenção de morrer, bem como fazer o planejamento de tal ato de como seria a maneira e onde o sujeito realizaria o autoextermínio. Com isso,  entende-se que a presença do comportamento suicida  se trata de uma questão pontual decorrente de uma situação gatilho como, por exemplo, a perda do emprego, término de relacionamento, a falta de ocupação entre outros vários motivos.

A pesquisa possibilitou confirmar e entender a importância da assistência psicológica prestada aos familiares sobreviventes, e como estratégias eficazes de intervenções são positivas quando aplicadas de forma correta, o trabalho feito com grupos de apoio visando a promoção de saúde mental e prevenção ao suicídio, bem como o atendimento psicólogo individual para essas pessoas que são impactados por toda uma carga que envolve violência e desgaste emocional que rodeia o ato suicida, pois cria-se uma expectativa em torno aos psicólogos que se encontram inseridos no campo da saúde no sentido de que esses, desenvolvam ações de cuidado integral trabalhando com a pessoa que tentou/se suicidou e com os familiares, pois em geral, sabemos que o luto por suicídio tem uma carga maior de sofrimento quando comparado a morte por doença ou acidente, ademais é visto que é imprescindível a percepção do impacto que uma perda significativa tem não apenas no indivíduo mas também, em todo o sistema familiar e em suas interações.

 Pontua-se também a importância do psicólogo reconhecer suas limitações quando se é necessário trabalhar tais questões que envolvem além da perda do paciente suicida, questões como ética profissional e religião, tanto do profissional quanto quando esse ponto é levantado dentro do atendimento prestado à família sobrevivente.

Acredita-se que o presente estudo contribui para uma melhor compreensão à respeito do suicídio e como os psicólogos podem trabalhar com a família enlutada, agregando conhecimento à formação de novos psicólogos no âmbito do luto assim como, para uma consciencialização do trabalho a ser desenvolvido por toda comunidade académica.

Em contrapartida, encontrou-se uma a escassez tanto na literatura quanto em projetos de pesquisas voltadas para esse espaço de atuação específico do psicólogo, visto que durante a realização deste artigo foi identificado uma grande quantidade de estudos científicos que abordaram o tema do suicídio mas que não compreendiam a participação e importância  do atendimento psicológico para as famílias sobreviventes. A partir disso recomenda-se que sejam realizadas novos estudos, com foco também aborde intervenções psicológicas para as famílias sobreviventes à morte por suicídio, visto que há uma necessidade de se comprometer com a saúde mental destas famílias para que consigam compreender e chegar a aceitação do ato suicida e não acabem por tomar o mesmo caminho, pois a partir do estudo foi possível notar que cada familiar frente a perda de um ente querido, reage de forma singular  e em tempos diferentes, o que pode ser um gatilho para geração de vários conflitos no meio familiar.

Uma maior produção de conteúdo a respeito dessa temática pode contribuir de maneira positiva para as instituições de ensino superior que ofertem o Curso de Psicologia e que essas voltem sua atenção para a carência de conteúdos curriculares específicos, assim como um maior incentivo aos estudantes para que se dediquem à busca de tais conhecimentos

A pesquisa mostra também a grande importância do trabalho dos psicólogos como os psicólogos por serem profissionais capazes tanto de explorar  como de promover uma resposta adaptativa do outro quando nos referimos à perda de alguém, assim como na busca por melhores conhecimentos para possibilitar a diminuição da sintomatologia que é ligada ao luto.

 

 

 

 

 

ABSTRACT: The theme developed in this research is experiencing suicide in the family, where it aims to discuss the family dynamics of people who need to deal with survival after losing someone by suicide. However, we sought to understand how family members who lost loved relatives to suicide deal with this fact and how the psychologist can contribute to the grieving situation. As the methodology, the bibliographic research made through scientific literature was used, where the collection of data in books and scientific articles available in specialized electronic magazines, as well as public and free websites that provided the presented theme and that were produced between 2010 to 2020. The present research approached how the results and discussions to identify how the psychologist's performance can contribute positively to face grief in cases of suicide; to define the importance of welcoming and recognizing the feelings and reactions that the family may have, so that grief is lived in the best possible way and to understand and describe how the family goes through grief until overcoming a loss by suicide. So, through the study it can be concluded that the service offered by the reception of the psychologist, the listening and qualified interventions promote understanding about the current moment, trying to understand about conflicts resolution and the cop in the context of the loss of the family member by suicide and the back to routine as it was before the loss.

 

Keywords: Suicide. Psychological attention in mourning. Psychology and suicide.

 

 

 

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[1] Acadêmica do curso de Psicologia do Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara ILES/ULBRA,e-mail: [email protected]

[2] Professora do curso de Psicologia do Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara ILES/ULBRA, e-mail: [email protected]