BREVES ANÁLISES DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL
Por Margareth Gonçalves Pederzini | 18/07/2011 | PolíticaBREVES ANÁLISES DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL
1 INTRODUÇÃO
A participação da sociedade no contexto da Segurança Pública, determinada na própria Carta Magna de nosso país, logrou-se um grande avanço para o desenvolvimento das políticas públicas de Segurança, vez que a responsabilidade dos cidadãos, conferida no texto constitucional, lhes proporciona a possibilidade de, conjuntamente ao poder público, bem como a outros atores, atuar, direta ou indiretamente, nos processos legislativos, executivos e fiscalizatórios, de forma a garantir e preservar os direitos fundamentais, a dignidade humana, a universalização e a igualdade nesta seara. O artigo, a seguir, não enseja o esgotamento dos tópicos em questão, sobretudo pela importância que estes representam, nos permitindo, portanto, apenas uma breve reflexão sobre o assunto.
2 CONCEITO DE SEGURANÇA PÚBLICA
As conceituações sobre a Segurança Pública durante a história da humanidade foram marcantes. Do latim secure, significa "sem medo", a concepção de Segurança Pública está associada ao poder de polícia.
Já o verbete "segurança" no dicionário jurídico de De Plácido e Silva (SILVA,1963), indica o "[d]erivado de segurar, exprime, gramaticalmente, a ação e efeito de tornar seguro, ou de assegurar e garantir alguma coisa, sentido de tornar a coisa livre de perigos, de incertezas".
A palavra segurança no meio jurídico revela-se como garantia, proteção, estabilidade de situação ou pessoa. Já a Segurança social seria a garantia de condições sociais dignas aos indivíduos.
Em um âmbito mais específico, as penas a serem impostas a quem comete crimes são limitadas e também há limitações quanto à participação de quem a cometeu, oferecendo segurança aos cidadãos.
Neste sentido, ninguém pode receber pena maior do que a preceituada para o crime que cometeu e cada indivíduo terá a sua pena, conforme sua culpabilidade. Além disso, a ampla defesa e o contraditório, a assistência judiciária gratuita, o julgamento por um tribunal, o cumprimento da pena em local salubre, a ressocialização, dentre outros direitos civis, políticos, sociais, culturais e religiosos, são garantias denominadas Segurança jurídica, as quais são contempladas na Constituição Federal de 1988.
Com o Estado de Direito, embora o poder de polícia tenha sido limitado, a Segurança Pública passou a ter uma conotação acentuada, enfatizando valores sociais para tal promoção, a nível nacional e internacional, passando a ser definido como:
[...] atividade administrativa do Estado que tem por fim limitar e condicionar o exercício das liberdades e direitos individuais visando a assegurar, em nível capaz de preservar a ordem pública, o atendimento de valores mínimos da convivência social, notadamente a segurança, a salubridade, o decoro e a estética (NETO, 1998:71).
Em consenso com diversas correntes, NETO (1998:71) identifica o surgimento de uma nova conceituação sobre a Segurança Pública como sendo "ausência de perturbação e disposição harmoniosa das relações sociais", sendo, portanto, a garantia da ordem pública interna:
[...] o estado de paz social que experimenta a população, decorrente do grau de garantia individual ou coletiva propiciado pelo poder público, que envolve, além das garantias de segurança, tranqüilidade e salubridade, as noções de ordem moral, estética, política e econômica independentemente de manifestações visíveis de desordem (NETO, 1998: 81).
Contudo, quando se fala em garantir a segurança do cidadão e no combate à violência, a Segurança Pública, como prestação estatal, ainda é atribuída instantaneamente e tão somente aos órgãos policiais, quando na verdade, este conceito é muito mais abrangente, sendo competência do Estado a tarefa desta garantia.
No artigo "A Constitucionalização da Segurança Pública no Brasil: paradigmas em conflito" (COSTA, 2011), do renomado especialista em Segurança Pública e professor de Pós-Graduação, o então Tenente Coronel Júlio Cézar Costa, salienta que este equívoco se originou no texto constitucional de 1988, o qual teria tratado superficialmente o tema da Segurança Pública, como destaca:
Os constituintes de 1988 foram refratários ao formatarem a arquitetura do sistema de proteção social de modo não holístico, atribuindo não apenas de modo semântico, a responsabilidade pela preservação da incolumidade das pessoas, do patrimônio e da ordem pública exclusivamente aos órgãos policiais, desvirtuando o abrangente conceito de que ao Estado e não somente a uma parte dele ? os órgãos policiais - cabe a tarefa de garantir o socorro, a proteção e a assistência da sociedade.
No mesmo artigo, o especialista observa o enquadramento constitucional do tema da Segurança Pública no mesmo capítulo que trata da defesa do Estado e das instituições democráticas e reprova tal atitude dos constituintes em virtude do conceito de defesa social repressivo em que vivemos, o qual destoa dos preceitos básicos do artigo 144 da CF/1998 (BRASIL, 2011b), como bem assinala:
O enquadramento do capítulo da Segurança Pública no mesmo Título da Constituição Federal que trata da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, a nós parece incorreto, vez que na expressão maior de Lola Anyar de Castro( Prof.ª Dr.ª Lola Anyar de Castro, criminóloga venezuelana, em tese de doutorado publicada em 1969) o conceito de defesa social hoje em uso é repressivo e não condiz com o modelo paradigmático de uma Constituição que abriu, no Caput do artigo 144, o direito e o dever da participação popular.....em vez de estar abrigada no mesmo título que trata do Estado de Sítio, de Defesa e das Forças Armadas, a segurança Pública como atividade multifuncional e também popular deveria ser apropriadamente estabelecida em um espaço constitucional que tratasse da defesa da sociedade e da cidadania.
Certamente que o assunto acerca do enquadramento do tema da Segurança Pública, suscitado acima, é deveras importante para a estruturação e estabelecimento de competências, haja vista a necessidade de medidas urgentes e emergentes para a contenção, controle e diminuição da violência, assegurando, ao mesmo tempo, a promoção, proteção e recuperação da Segurança Pública. No entanto, esse tema não será explorado, em virtude do objeto de estudo deste trabalho.
Com o advento da Constituição Federal de 1988 o Estado passou a não ser o único responsável pela garantia da Segurança Pública, sendo conferido a todos os cidadãos o compartilhamento desta responsabilidade:
Art. 144 ? A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida pela preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos... (BRASIL, 2011b).
Assim, a Segurança Pública passou a ser um dever do Estado, em toda sua plenitude, mas também direito e responsabilidade de todos os cidadãos, que ao zelarem pela sua integridade física, moral e patrimonial, bem como a de outrem, estarão exercendo a tão citada cidadania, ao mesmo tempo em que mantendo a ordem pública.
Em consonância com o que dispõe a Constituição Federal de 1988, e corroborando a afirmativa quanto à necessidade de integração e interação da Sociedade Civil junto às ações da Segurança Pública, bem como em seu controle, segue transcrito o artigo 124 e parágrafo único da Constituição do Estado do Espírito Santo (ES, 2011a):
Art. 124. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, consiste em garantir às pessoas o pleno e livre exercício dos direitos e garantias fundamentais, individuais, coletivos, sociais e políticos estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
Parágrafo único. Fica assegurado, na forma da lei, o caráter democrático na formulação da política e no controle das ações de segurança pública do Estado, com a participação da sociedade civil.
Deve-se entender a definição de cidadania na Segurança Pública não somente como uma cobrança de direitos pelos cidadãos, mas a participação ativa destes indivíduos para analisar, sugerir, denunciar, compartilhar projetos, e se integrar junto aos órgãos públicos de segurança, visando uma pacífica e harmoniosa ordem pública.
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA SEGURANÇA PÚBLICA
No período colonial os capitães-mores, bem como as autoridades locais, eram nomeados pelas metrópoles e num ato de abuso e certeza de impunidade utilizavam-se de funções administrativas, judiciárias e policiais. Em decorrência dos tempos imperiais, os juízes eram nomeados e formavam-se milícias particulares, os quais exerciam também cargos de chefes de polícia com vistas à proteção da aristocracia rural.
Já no período republicano, da República da Espada (1889-1891) e da República Velha (1891-1930), a segurança pública ainda se voltava a atender aos interesses privados das classes dominantes e dos oligopólios políticos no tocante à proteção à aristocracia. Da década de 1930 até o surgimento do Estado de Direito, continuou a proteção aos direitos privados de determinadas castas, tornando o serviço público de segurança uma defesa aos interesses privados, contrariamente ao que deveria ocorrer com esse sistema.
Da era Vargas (1930-1945), do período populista (1946-1964) e do regime militar (1964-1985), quando o autoritarismo político imperava e a segurança pública apresentava cunho de Segurança Nacional militarizada, até a CF/88, pouco mudou em relação ao autoritarismo e abuso de poder. Segundo Maria Glaucíria Mota Brasil (2000), o autoritarismo dessas estruturas de abuso de poder se expande acentuadamente aos organismos policiais, os quais denunciam a prorrogação das práticas ilegais e da truculência no âmbito da Segurança Pública.
Com a redemocratização, ocorrida após 1985, garantiram-se os direitos individuais, políticos, sociais, culturais, porém, as ilegalidades e abusos contra estes direitos continuaram a ocorrer, principalmente no tocante às organizações policiais, cujas reformas não acompanharam o caminhar democrático institucional, conforme afirma ADORNO (1995).
Já com a Nova República, pós-1988, embora diversas mudanças políticas tenham ocorrido como o pluralismo político nas esferas municipais, estaduais e federais, os resquícios da ditadura militar sobressaíam através de alguns desses representantes políticos, mantendo assim práticas de violação aos Direitos Humanos, impedindo a consolidação do Estado Democrático de Direito.
Prova disso é a transferência do poder dos militares aos civis, após 1979, quando com o fim do Ato Institucional Nº. 5 ? AI-5 (BRASIL, 2011a), no plano da Segurança Pública houve resistência, principalmente da Polícia Militar, visto que desde o Decreto Lei Nº. 667/1969 (BRASIL, 2011c), eram diretamente vinculadas ao Ministério do Exército Brasileiro. Somente a partir da CF de 1988 é que as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares passaram a se subordinar aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
Contudo, continuaram sendo também forças auxiliares e reserva do Exército com formação, estatutos, códigos, inspetorias, hierarquia e disciplinamento próprios das Forças Armadas Militares (CF, 1988, art. 144, Inc. IV, § 6º), embora os órgãos auxiliares das forças federais tivessem a missão da repressão política, tendo sido criados centros de inteligência e células de combate à subversão, onde policias militares passaram a ter treinamentos em técnicas de tortura e contenção de violência.
3 CONCLUSÃO
Visto que Segurança Pública no Estado Democrático de Direito objetiva a garantia de direitos e liberdades individuais (respeitada a ordem interna dos grupos, voltada para uma convivência pacífica e harmoniosa, visando a incolumidade física e moral dos cidadãos, bem como a de seu patrimômio), e considerando que esta atividade de proteção no Estado de Direito é reconhecida como uma atividade administrativa do Estado, ainda assim não podemos atribuí-la única e exclusivamente às chamadas forças da ordem - termo usado por Castel (2005) para exprimir o conceito de forças públicas do Estado que visam manter a ordem e o perfeito funcionamento da estrutura estatal. Comunga do mesmo pensamento o renomado Gilberto Cotrim em sua obra Filosofia para uma geração consciente: elementos da história do mundo ocidental (COTRIM, 1988)-, que são organismos policiais, embora legalmente criadas e preparadas para tais ações, pois a Segurança Pública é uma responsabilidade de todos e não somente dever do Estado .
Assim, a partir do levantamento da evolução histórica da Segurança Pública e as políticas públicas aplicadas às épocas, o estudo aqui apresentado limitou-se a analisar a forma de estruturação das políticas públicas de Segurança no decorrer dos tempos, bem como a influência dos aristocratas, burgueses e coronéis nas escolhas dos comandos detentores do poder de polícia, em prol de interesses individuais e privados, quando então, logo identificamos peculiaridades com as atuais políticas públicas de Segurança, as quais apresentam resquícios dos tempos de outrora.
4 BIBLIOGRAFIA
ADORNO, Sérgio. A gestão urbana do medo e da insegurança. São Paulo, 1996. 281p. (Tese de Livre-Docência ? Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo).
BRASIL, Maria Glaucíria Mota. A Segurança Pública no "Governo das Mudanças": Mobilização, Modernização e Participação. São Paulo: PUC, 2000. 325 Págs. Tese (Doutorado em Serviço Social).
BRASIL. Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968. Disponível em