IVANILDA ALVES DE SOUZA GOMES

 ANA DE SOUSA CELESTINO SILVA SANTOS

            Na percepção de Nóvoa (1999, p. 21), “A compreensão contemporânea dos/das professores/as implica uma visão multifacetada que revele toda a complexidade do problema. As questões sociais nunca são simples. Muito menos as que dizem respeito à educação e ao ensino”. Se a crise argumentada pelo autor vem de longa data, pode-se afirmar que ela se estende até os dias atuais. Por mais que o/a professor/a implemente em sua prática profissional elementos diferentes - metodologias e recursos, por exemplo -, ele sempre será questionado, confrontado. Isso se deve à “existência de uma brecha entre a visão idealizada e a realidade concreta do ensino. É nesta falha que se situa o epicentro da crise na profissão docente.” (NÓVOA, 1999, p. 22).

            Nas palavras de Nóvoa (1999), as transformações dos sistemas educativos devem ser sempre revistas, pois, o que se tinha como “ideal” há cinco anos, por exemplo, pode não mais servir de orientação à ação pedagógica docente. O que se construiu no passado serve como experiência, mas, não constitui um modelo único ao trabalho do/a professor/a. Não se afirma que os saberes da experiência, a tradição deva ser esquecida, mas sim, transformada, aprimorada, atualizada. “Os professores têm de encontrar novos valores, que não reneguem as reminiscências mais positivas (e utópicas do idealismo escolar), mas que permitam atribuir um sentido à acção presente.” (NÓVOA, 1999, p. 29).

            No que se refere à formação docente, para que seja capaz de atuar em um mundo cada vez mais complexo, requer-se uma formação que seja abrangente, que valorize tanto os aspectos cognitivos, instrumentais quanto os comportamentais, preparando-o para agir como transformador da realidade sócio-educativa.

            Segundo Lück (2005), no enfoque da formação profissional inicial e/ou continuada, as competências servem como referenciais fundamentais para o desenvolvimento curricular e metodológico da formação, determinando mudanças substanciais nas tradicionais práticas de formação. As competências profissionais não são habilidades estanques, são totalidades de difícil decomposição, e não se deduzem delas etapas cujo percurso a ser percorrido possa ser estabelecido a priori. São construídas processualmente, em movimentos singulares de atuação, numa dinâmica dialética e contínua, que transforma prática e conhecimento, capacidade de ação e de reflexão (BRASIL, 1998). Na prática, as competências correspondem fundamentalmente aos objetivos da formação.

            Facci (2004) analisa que desde as últimas décadas do século XX, ante as privatizações de empresas públicas e de instituições de ensino, a globalização e seus efeitos, muitas mudanças ocorreram negativamente, desencadeando a desvalorização profissional, ainda maior, do/da professor/a, ao exercício profissional permeado de violência,  precárias condições de trabalho e também de formação continuada. Pondera que sobre o/a professor/a recai a responsabilidade de, em meio à competitividade exigida no mundo globalizado, ser agente ampliador/a do conhecimento e da informação, com qualidade. Praticamente muita coisa chega ao/à professor/a de maneira imposta. Facci (2004, p. 13) afirma:

 

Defrontamo-nos, portanto, com duas condições que estão presentes na atuação dos professores: por um lado, as condições objetivas e, por outro, as condições subjetivas. [...] Basso (2002, p. 02) entende que “as condições subjetivas são próprias ao trabalho humano, pois este constitui-se numa atividade consciente.”. Estas condições subjetivas referem-se, principalmente, à formação do professor, que inclui a compreensão do significado da sua atividade. Já as condições objetivas remetem-se às circunstâncias efetivas da realização do trabalho, englobando desde a organização da prática – participação no planejamento escolar, preparação de aula etc., até as políticas educacionais e a remuneração dos professores.

 

            Nos dizeres de Facci (2004), em quase tudo os/as professores/as sofrem retaliações, além de serem desvalorizados/as em todos os aspectos: sociais, econômicos  - salário defasado - , profissionais - formação, condições de trabalho -  e até mesmo pessoais. De seu trabalho é esperado, com cobranças que “faça de tudo para que o aluno se aproprie do conhecimento” (FACCI, 2004, p. 17). Tudo isso lhe causa mal-estar docente que se reflete na desmotivação pessoal, esgotamento e estresse, depressão e outras reações que, em alguns casos, levam os/as professores/as a abandonarem a profissão e/ou a desenvolver doenças graves.

            Essas circunstâncias nas quais se realiza o trabalho docente e entre uma série de exigências somadas à desvalirazação profissional, à falta de incentivo e de investimento em formações continuadas em serviço, ainda imputam ao/à professor/a o papel que vai além do ato de ensinar. Podemos dizer que é enfrentando desafios dessas ordens  que o/a professor/a reflexivo/a busca as formações continuadas.

            Para Pimenta (2009, p. 26) a reflexão sobre a prática deve ser a essência da formação continuada, assim como o saber ensinar. Para a autora, “o futuro profissional não pode constituir seu saber-fazer senão a partir do seu próprio fazer” Acreditamos que os/as profissionais da educação, especialmente, os/as docentes assumam uma atitude reflexiva em relação ao processo de ensino e de aprendizagem, bem como acerca da construção contínua de sua identidade profissional.

            O exercício da docência implica em ensinar e aprender. Roldão (2007, p. 36) argumenta que o termo ensinar merece especial destaque, por se tratar de um aspecto o qual denomina de ontológico. “Qual é o traço essencial que distingue a função, a tarefa, a responsabilidade, o que é específico, próprio do professor?”, questiona a autora.

            O ensino é função própria do profissional docente. Não se trata de simples transmissão de conhecimentos, ainda (sic) que exista certa distância entre o trabalho do ensino e o da aprendizagem. Roldão (2007) interroga o conceito de ensinar e anuncia que do jeito que vem sendo entendido, trata-se de um conceito retrógrado, dado às inúmeras transformações pelas quais vem passando o magistério. Nesse sentido, Roldão (2007, p. 36) alega que

 

A função específica, definidora do profissional professor, não reside na passagem do saber, mas sim na função de ensinar, e ensinar não é apenas, nem, sobretudo, “passar” um saber [...]. A especificidade da função de ensinar situa-se em fazer com que o outro aprenda. E essa é a essência da profissionalidade docente.

            Roldão (2007) reforça que muitos dos desafios do exercício docente esbarram na sua formação. Até porque, o resultado do exercício docente é fruto de uma totalidade que, segundo Rios (2010), surge do diálogo, respeito e compromisso entre aluno/a e professor/a, que abre caminho para o questionamento, que nutre e incentiva a superação da realidade posta e assume a construção do novo, o que faz parte do trabalho docente. Não se pode descartar que o trabalho docente está estreitamente relacionado ao conhecimento, ao desejo de saber; uma relação estabelecida no processo de ensino e aprendizagem, de natureza imaterial. Entende-se que é impossível comprar conhecimento, mas há a possibilidade de o/a professor/a provocar o desejo de o/a aluno/a buscá-lo/la, mesmo sem a garantia de que tudo que foi ensinado será aprendido, pois o conhecimento não é mercadoria.

            Para Bezerra e Silva (2006), a função do/a professor/a não está centrada na valorização da prática, da técnica, nem nos ready-mades pedagógicos, mas na elaboração do conhecimento, na disposição em recriá-lo, criticá-lo, situá-lo historicamente, ao invés de simplesmente transformá-lo em mercadoria.

            Na opinião de Rios (2010, p. 96) é preciso que a técnica de ensino ampare a “determinação autônoma e consciente dos objetivos e finalidades, pelo compromisso com as necessidades concretas do coletivo e pela presença da sensibilidade, da criatividade”. Seja qual for a forma de apresentação do conteúdo, ela requer dos/as professores/as a organização de uma aula diferente, criativa, com uso de materiais diversos. Segundo Sacristán (2008, p. 155): “O professor pode utilizar quantos recursos sentir necessários para auxiliá-lo, mas a dependência dos meios estruturadores da prática é um motivo de desqualificação técnica em sua atuação profissional”.  Significa que a ênfase na técnica, no fazer, empobrece sua docência e identidade. Vira instrumental.

  

 

 

 

REFERÊNCIAS 

 

BEZERRA, Ciro; SILVA, Sandra Regina Paz da. Mercadorização e precarização do trabalho docente: contradições entre prática pedagógica e trabalho pedagógico. Anais eletrônicos. VI Seminário REDESTRADO - Regulação Educacional e Trabalho Docente. Rio de Janeiro, 2006. Disponível em:. Acesso em: 17 out. 2020.

 

 

 

FACCI, Marilda Gonçalves Dias. Valorização ou esvaziamento do trabalho do professor?: um estudo crítico-comparativo da teoria do professor reflexivo, do construtivismo e da psicologia vigotskiana. Campinas – SP: Autores Associados, 2004.

 

LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli A. S. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. 15ª ed. São Paulo: EPU, 2014.

 

 

NÓVOA, António. Profissão Professor. Capítulo I: O passado e o presente  1999. p.13-34.dos professores. 2. Ed.Porto:  Porto Editora,

 

 

PIMENTA, Selma Garrido. Saberes pedagógicos e atividade docente. Textos de Edson Nascimento Campos – (et. al.); Selma Garrido Pimenta (Org.). 1. Ed. São Paulo: Cortez, 2009.