Livro clássico sobre a natureza das línguas nativas da América do Norte, nesta obra Franz Boas aponta para novos métodos pioneiros de pesquisa e expõe sua fonética e princípios gramaticais nos estudos de línguas indígenas e a necessidade do domínio do conhecimento dos estudos linguísticos para coleta de análise de dados etnográficos por parte dos etnógrafos.
O livro, escrito originalmente em inglês está dividido em cinco capítulos, sendo I - Race and language; II - The characteristics of language; III - Classification of languages; IV - Linguistics and ethnology; V - Characteristics of American languages.
Sobre o autor
Franz Boas, antropólogo, nasceu na cidade Prussiana de Minden – Alemanha, em 1858. Entretanto, ele foi para os Estados Unidos em 1884 e ingressou no curso de expedições ao Ártico e British Columbia, onde desenvolveu seus trabalhos de pesquisas antropológicas. Ele tornou-se o antropólogo mais influente de seu tempo, uma força importante no desenvolvimento académico e profissional da ciência, considerado por
muitos o pai da antropologia moderna. Para Boas pode ser creditada uma reconstrução crítica da antropologia e seus principais ramos, bem como o surgimento do conceito moderno de cultura, um conceito central para a integração da antropologia como o estudo do homem "como membro de grupos sociais" e, fundamentalmente influente com respeito a todo o pensamento moderno em ciências comportamentais. Boas levou a antropologia física da taxonômica classificação de "raça" em um campo de pesquisa viável na biologia humana eliminando ambiguidades tradicionais na área de raça e estudo da cultura. Sua liderança no estudo das línguas indígenas americanas tornou-se o ponto de referência estabelecido para o desenvolvimento da linguística estrutural e para as questões da relação entre linguagem e pensamento e da cultura. Sua crítica de unilinear do século XIX (ortogenética) evolução cultural estabelecida tanto a historicidade da evolução cultural e o papel primordial da cultura na história humana.
Sobre a obra
No capítulo I, sobre raça e língua, o autor discute as tentativas iniciais para determinar a posição da raça americana, com base na comparação do conhecimento de raças já existentes em outros continentes com as raças encontradas na América. Deste modo, segue as tentativas de classificações baseadas no biótipo, língua e costumes, nas relações entre característica física, língua e costumes, na permanência de biótipo, mudanças na língua e cultura, na permanência da língua e mudanças de característica física, nas alterações da língua e biótipo, na permanência do biótico e língua e, mudança de cultura, na hipótese de correlação original do biótipo, língua e cultura e, no caráter artificial de todas as classificações da humanidade.
No capítulo II, as características da língua, o autor discute os traços de caráter mais microlinguístico sobre a definição da língua, o caráter da fonética, o número ilimitado de sons, cada língua exibe um número limitado de sons, a alegada falta de diferenciação de sons em línguas primitivas, a breve descrição da fonética, a inconsciência de elementos fonéticos, as categorias gramaticais, as diferenças nas categorias de diferentes línguas, a limitação do número de grupos fonéticos que expressam ideias, os processos gramaticais, a palavra e a sentença, o prefixo e o afixo, a discussão das categorias gramaticais, as categorias nominais, os pronomes pessoais, os
pronomes demonstrativos, as categorias verbais e a interpretação das categorias gramaticais.
No capítulo III, em classificação das línguas, o autor discute sobre a origem dos dialetos, a comparação de línguas distintas, as influências mútuas das línguas, as influências fonéticas, as influências gramaticais, as influências lexicográficas, a origem das semelhanças pela disseminação ou pelo desenvolvimento paralelo, a influência do ambiente sobre a língua, a influência de características psíquicas comuns e a incerteza da definição de famílias linguísticas.
No capítulo IV, sobre linguística e etnologia, o autor discute a necessidade prática de estudos linguísticos para fins etnológicos, a importância teórica dos estudos linguísticos, a língua como parte dos fenômenos etnológicos em geral, a língua e o pensamento e, o caráter inconsciente dos fenômenos linguísticos.
No capítulo V, em as características das línguas americanas, o autor trata das tipologias das línguas em isoladas, aglutinantes, polissindéticas e flexionais, citando como exemplo o chinês como língua isolada, aglutinantes línguas do Norte da Ásia, polissindéticas línguas da América e flexionais línguas europeias e semitas. A partir da observação de estudos anteriores das línguas no mundo, Boas vai investigar as tipologias das línguas indígenas da América.
Buscou-se destacar neste trabalho de resenha o aspecto dos estudos de Franz Boas da inserção da língua na antropologia. Para Boas, é necessário entender a realidade social (que é constituída a partir do que é vivido) e, compreender a língua da qual o nativo está fazendo uso. O autor (1911) ressalta que é importante não apenas reconhecer o significado da palavra, mas entender o contexto etnográfico no qual determinada expressão esta inserida, ou seja, Boas parte do princípio de que a língua é significativa na ação, tendo seu uso como fator importante na compreensão da realidade etnográfica.
Franz Boas foi um dos idealizadores pela inserção das discussões de linguagem na antropologia, trazendo a necessidade de pensar o contexto da aplicação desta, relativizando assim as hierarquias culturais até então em destaque na área da antropologia. Desta forma, Boas produz a necessidade de a antropologia, a partir de sua definição de cultura, voltar-se para a linguagem enquanto constitutiva das perspectivas nativas sobre o mundo.
Mesmo em seu pensamento inicial, Boas interpretou a visão evolutiva da etnologia do século XIX em termos históricos. Para ele o desenvolvimento da etnologia é em grande parte devido ao reconhecimento geral do princípio da evolução biológica. É uma característica comum de todas as formas de teoria evolutiva que cada ser vivo é considerado como o resultado de um desenvolvimento histórico. O destino de um indivíduo não influencia somente si mesmo, mas também todas as gerações seguintes. Este ponto de vista introduziu uma perspectiva histórica para as ciências naturais e revolucionou os seus métodos. O desenvolvimento da etnologia é em grande parte devido à adoção do ponto de vista evolutivo, porque ele impressionou a convicção sobre nós que nenhum evento na vida de um povo passa sem deixar o seu efeito sobre as gerações posteriores.
O trabalho de Boas estabeleceu a autonomia relativa dos fenómenos culturais, nas quais formas culturais não são expressões de diferenças no ambiente externo, a biologia interna, ou alguma força diretiva na cultura em si; eles são diversas evoluções históricas, cada resultado de uma história anterior em que muitos fatores e eventos culturais e não culturais têm desempenhado um papel. A cultura, por sua vez tornou-se fundamental para o estudo do homem.
Além deste trabalho, Boas acrescentou novas dimensões para a compreensão da relação entre culturas e homem: considerações psicológicas, que definiram culturas como os ambientes de pensamento e comportamento humano; e em considerações biológicas, que estabeleceram o papel de ambientes culturais (e fatores hereditários) em biológico humano de vida, crescimento e variação. Essa concepção de culturas deu antropologia sua integração moderna: "Todos os vários aspectos da vida humana: forma corporal, língua, cultura, bem como o ambiente em que o homem é colocado, estão inter-relacionados e, a forma de cultura é resultado dessa integração".
É difícil superestimar a importância central do trabalho de Boas. Suas contribuições romperam bruscamente com a tradição filológica, abrindo novos horizontes e estabeleceram uma moderna antropologia linguística. Boas viu línguas, como culturas, como diversos produtos de diversas histórias, cada uma configuração essencialmente única em um determinado momento. Ele encontrou na linguagem um modelo da maneira em que o tradicional e o habitual no comportamento humano tornou-se praticamente automático e inconsciente em mentes individuais. Boas viu o
problema científico da linguística, o entendimento profundo das línguas e sua evolução histórica e o papel intrincado da linguagem no pensamento e na cultura humana chamada para um esforço de pesquisa imensa no estudo de línguas individuais e, especialmente das línguas não escritas ignoradas em filologia tradicional. Ele dedicou-se incansavelmente ao longo de sua vida no esforço de estudar muitas línguas, inspirando a participação de outros por preceito e exemplo e encontrar fontes de apoio à investigação linguística. As línguas indígenas americanas tiveram grande parte de sua atenção, muitas estavam à beira da extinção e, tanto em fonologia e quanto em morfologia suas ideias desafiaram os preconceitos da filologia tradicional. Assim, Boas dá as bases reflexivas para as discussões que aspiram levar a linguagem para o âmbito da prática interativa e de sua construção sociocultural e, não apenas como um dispositivo extracultural, localizado no cognitivo humano (e realizador de fontes organizativas da esfera individual e coletiva), como ressalta Saussure, ou enquanto modelos de explicação distribuídos entre duas estruturas, de um lado fixas (que merecem atenção), de outro lado mutáveis (que não exigem atenção dos estudiosos), como propõe Noam Chomsky.
Conclui-se que, o trabalho proposto por Boas transformou os estudos antropológicos, baseando-se na concepção de culturas como os ambientes da vida biológica e comportamental humana e, estabelecendo a autonomia relativa da antropologia física, linguística e etnologia como ramos da ciência em geral. Assim, se destaca três aspectos importantes no trabalho de Boas, a inserção da cultura, da língua e a pesquisa de observação participante, os quais deram uma nova ressigficação para os estudos da etnologia no âmbito da antropologia cultural e social.
Os resenhistas:
Ademar dos Santos Lima possui graduação em Letras pela Universidade Federal do Amazonas - UFAM (2006). É especialista em Metodologia do Ensino Superior pela Universidade Federal do Amazonas - UFAM (2012). Atualmente é mestrando no Programa de Pós-Graduação em Letras e Artes da Universidade do Estado do Amazonas na linha de pesquisa Linguagem, Discurso e Práticas Sociais.
Jéssica Nayara Cruz Pedrosa possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Amazonas - UFAM (2015). É especialista em Psicologia Hospitalar pela Faculdade Martha Falcão - Devry (2016). Atualmente é mestranda no Programa de Pós-
Graduação em Letras e Artes da Universidade do Estado do Amazonas na linha de pesquisa de Teoria, Crítica e Processos de Criação.
Referência bibliográfica
BOAS, Franz. Introduction to the handbook of American Indian languages. Vol. 1, p. 1- 83. Bureau of American Ethnology, Bulletin 40. Washington: Government Print Office (Smithsonian Institution, Bureau of American Ethnology).