O conceito de Lugar está presente no cotidiano das pessoas, de modo que todos conseguem explicar o Lugar, ainda que não academicamente. Na Geografia, muitas vezes o conceito de Lugar acaba ficando em um plano secundário, especialmente no contexto da Geografia Crítica (Materialismo histórico-dialético). Para a Geografia Clássica, segundo o teórico Paul Vidal de La Blache, o conceito de Lugar definia a Geografia: “a Geografia é a ciência dos lugares e não dos homens” (LA BLACHE, 1985). Por vezes o conceito de Lugar é tratado com um sentido locacional, e não em relação ao seu contexto subjetivo.

Com a busca pela objetividade, ligada à concretização da Geografia enquanto ciência, há a opção pelo método positivista, e o conceito de Lugar deixa de ter relevância. Os estudos, nesta linha, devem restringir-se aos aspectos visíveis do real, mensuráveis, palpáveis. Os aspectos da natureza passam a ter maior importância no âmbito da Geografia, o conceito de região emerge.

Carl Ortwin Sauer foi quem desvinculou o conceito de Lugar da ideia puramente locacional, levando o conceito ao campo cultural. Fred E. Lukermann, juntamente com Sauer, introduziram as ideias de “consciência do Lugar”, bem como a noção de percepção nos estudos sobre o Lugar.

Anne Buttimer (1976) foi pioneira em relacionar a Geografia com a Fenomenologia, entendendo que cada pessoa possui um “Lugar natural”. No contexto da Geografia Cultural, onde o conceito de Lugar ganha maior importância, o autor de maior destaque é Yi-Fu Tuan, com sua famosa obra “Topofilia”.

Para Tuan, "todos os lugares são pequenos mundos: o sentido do mundo, no entanto, pode ser encontrado explicitamente na arte mais do que na rede intangível das relações humanas. Lugares podem ser símbolos públicos ou campos de preocupação [...], mas o poder dos símbolos para criar lugares depende, em última análise, das emoções humanas que vibram nos campos de preocupação” (TUAN, 1983, p. 421).

Ainda, conforme o mesmo autor: “o Lugar é uma unidade entre outras unidades ligadas pela rede de circulação; [...] o Lugar, no entanto, tem mais substância do que nos sugere a palavra localização: ele é uma entidade única, um conjunto 'especial', que tem história e significado. O Lugar encarna as experiências e aspirações das pessoas. O Lugar não é só um fato a ser explicado na ampla estrutura do espaço, ele é a realidade a ser esclarecida e compreendida sob a perspectiva das pessoas que lhe dão significado" (TUAN, 1983, p. 387).

A preocupação dos geógrafos humanistas, seguindo os preceitos da fenomenologia, foi de definir o Lugar enquanto uma experiência que se refere essencialmente ao espaço como é vivenciado pelos seres humanos. Um centro gerador de significados geográficos, que está em relação dialética com o constructo abstrato que denominamos "espaço".

A Fenomenologia é uma atitude de reflexão do fenômeno que se mostra para as pessoas na relação que estabelecem com os outros no mundo. São características desta corrente a inspiração dos filósofos gregos pré-socráticos do século VI a.C; a ideia de que o homem, a natureza e o mundo são interdependes, se correlacionam em uma "teia tecida pela vida”; a noção de que a experiência é única para o homem, bem como que o mundo afeta o homem e o homem afeta o mundo; ainda, que o pensar não é somente razão, mas um refletir sobre o mundo sensível.

“Nas Ciências Humanas e na geografia, em particular, o problema da redefinição do Lugar emerge como uma necessidade diante do esmagador processo de globalização, que se realiza, hoje, de forma mais acelerada do que em outros momentos da história. Nesse contexto, é possível, ainda pensar o Lugar enquanto singularidade? O Lugar é uma noção que e se desfaz e se despersonaliza diante da massacrante tendência ao homogêneo, num mundo globalizado?” (FANI, 2007, p. 16).

Para Milton Santos o Lugar visto “de fora“ a partir de sua redefinição, resultado do acontecer histórico. O Lugar visto de “dentro”, o que implicaria a necessidade de redefinir seu sentido. Para este autor, o Lugar poderia ser definido a partir da: densidade técnica (que tipo de técnica está presente na configuração atual do território), densidade informacional (que chega ao Lugar tecnicamente estabelecido), densidade comunicacional (as pessoas interagindo), densidade normativa (o papel das normas em cada Lugar como definitório). À esta definição seria preciso acrescentar a dimensão do tempo em cada Lugar que poderia ser visto através do evento no presente e no passado.

Uma possível definição ao conceito de Lugar seria a de que “o Lugar é a base da reprodução da vida e pode ser analisado pela tríade habitante - identidade - Lugar. A cidade, por exemplo, produz-se e revela-se no plano da vida e do indivíduo. Este plano é aquele do local. As relações que os indivíduos mantêm com os espaços habitados se exprimem todos os dias nos modos do uso, nas condições mais banais, no secundário, no acidental. É o espaço passível de ser sentido, pensado, apropriado e vivido através do corpo” (FANI, 2007, p. 17).

Há uma relação do corpo com o Lugar, “a tríade cidadão-identidade- Lugar aponta a necessidade de considerar o corpo, pois é através dele que o homem habita e se apropria do espaço (através dos modos de uso). A nossa existência tem uma corporeidade pois agimos através do corpo. Ele nos dá acesso ao mundo” (FANI, 2007, p. 18). O Lugar é, portanto, sentido por meio do corpo.

Quanto a cidade e o Lugar, a metrópole não pode ser considerada como um Lugar, pois ela é vivida apenas parcialmente. Os lugares são pautados em laços profundos de identidade. São as relações que criam os lugares. “São os lugares que o homem habita dentro da cidade que dizem respeito a seu cotidiano e a seu modo de vida onde se locomove, trabalha, passeia, flana, isto é, pelas formas através das quais o homem se apropria e que vão ganhando o significado dado pelo uso” (FANI, 2007, p. 18).

Basicamente, “o Lugar é produto das relações humanas, entre homem e natureza, tecido por relações sociais que se realizam no plano do vivido o que garante a construção de uma rede de significados e sentidos que são tecidos pela história e cultura civilizadora produzindo a identidade, posto que é aí que o homem se reconhece porque é o Lugar da vida” (CARLOS, 2007, p. 22).

Quanto ao Lugar, concebe-se como “espaço percebido e vivido, dotado de significado, e com base no qual desenvolvem-se e extraem-se os ‘sentidos de Lugar e as ‘imagens de Lugar” (SOUZA, 2013, p. 114). No caso do Lugar prioriza-se a “dimensão cultural-simbólica e, a partir daí as questões envolvendo as identidades, a intersubjetividade e as trocas simbólicas” (SOUZA, 2013, p. 115).

O Lugar é um espaço social. Espaço dotado de significado, um espaço vivido. Nem todo espaço social é um Lugar. Espaço produzido socialmente, fruto das transformações e apropriações da natureza.

Quanto a Topofilia e o Lugar, os lugares só existem pela e na Topofilia. Para Tuan (2012), o Lugar é marcado por três palavras-chave: percepção, experiência e valores. A Topofilia tem relação com o laço afetivo com o ambiente, percepção (visão, audição, tato, olfato...). Sentimento de que a Terra é um relicário de lembranças e (res)guarda a esperança. A Terra é uma obra de apreciação estética e, ao mesmo tempo, substrato da vida, parte do ser, Lugar da vida. Beleza de ver e estar no mundo. Sem os sentimentos e as imagens que se produzem e reproduzem na comunicação e nos discursos, o que há é o substrato material, não o Lugar!

Sobre o “não-Lugar”, Marc Augé foi o antropólogo responsável pela criação e disseminação do conceito. Não-Lugar é todo o Lugar considerado vazio de identidade histórica, vivencial, cultural e resulta da perda da relação afetiva entre o indivíduo, bem como uma comunidade, com o espaço. O não-Lugar não cria uma identidade singular, não é relacional, e é um espaço simultaneamente de solidão e semelhança. O não-Lugar de uns, é Lugar de outros!

Portanto, o Lugar é um recorte espacial vinculado ao sentimento que um indivíduo possui em relação àquela delimitação. Podem ser sentimentos negativos ou positivos. A casa é uma construção social materializada no espaço. O lar é um recorte espacial, dotado de sentimentos, e que se caracteriza como um Lugar. Recorte espacial que denota sensações: primeiro beijo, assalto, memórias da infância, acidente, etc. Lugar é a dimensão afetiva que você tem com o espaço.

Referências

AUGÉ, Marc. Não Lugares. São Paulo: Papirus, 2004.

BUTTIMER, Anne. Lar, horizontes de alcance e o sentido de Lugar. Disponível em: http://www.academia.edu/27089501/Lar_horizontes_de_alcance_e_o_sentido_de_lugar. Acesso em 11 dez. 2018.

CARLOS, Ana Fani Alessandri. O Lugar no/do mundo. São Paulo: Labur Edições, 2007.

LA BLACHE, Paul Vidal de. As características próprias da Geografia. In: CHRISTOFOLETTI,

Antonio (org.). Perspectivas da Geografia. 2ª ed. São Paulo: DIFEL, 1985.

SOUZA, Marcelo Lopes de. Lugar e (re[s])significação espacial. In: SOUZA, M. L. de. Os conceitos fundamentais da pesquisa sócio-espacial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013. p. 111-134.

TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: Difel, 1983.

TUAN, Yi-Fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente.

São Paulo: Difel, 1980.