O Código de Defesa do Consumidor é uma norma que possui diversos microssistemas aplicáveis às relações de consumo, ou seja, versa sobre direito material, processual, relação pré e pós-contratual, responsabilidade, dentre outras.

Tal diploma legal trata de uma relação jurídica que pressupõe produtos produzidos, comunicados, distribuídos e com créditos em massa. Nesta relação, as partes não estão em pé de igualdade, diferentemente do que se pressupõe no Código Civil, que adota um ponto de vista liberal.

Neste aspecto, o contrato regido pela Lei Civil faz força entre as partes – pacta sunt servanda -, ou seja, é vinculante (manifestação livre de vontades entre iguais): o Código Civil visa dar segurança jurídica aos iguais e o estrito cumprimento do pactuado (o negócio jurídico perfeito contém: agentes capazes, objeto lícito e forma prescrita ou não vedada por lei).

Por outro lado, as relações de consumo possuem desigualdades latentes, que se manifestam em todas as fases contratuais. Não importa o grau de instrução, os consumidores sempre estarão em posição de vulnerabilidade perante o fornecedor, fato que justifica o arcabouço jurídico protetivo.

Salienta-se a existência de dois aspectos que exercem grande influência no desequilíbrio contratual: a divulgação da mídia e o crédito em massa. Portanto, nas relações de consumo, o Estado intervém para proteger constitucionalmente o consumidor, parte jurídica e tecnicamente inferior ao fornecedor.

O CDC foi criado para defender o cidadão brasileiro quando consumidor. Quando a relação não se classificar como de consumo, será abarcada pelo Código Civil.

O CDC define relação de consumo em seus artigos 2.º e 3.º, trazendo o conceito de consumidor e fornecedor, bem como, esclarecendo o que enquadra-se como produto e serviço.

Alguns autores criticam o Código de Defesa do Consumidor, por conta de, em sua redação, não dizer quais seriam os produtos, como o Código Civil faz (móvel, imóvel, etc). Na verdade, o CDC é adiantado, pois já previa as situações que vivemos hoje. O CDC não impôs limitou, então é possível definir como relação de consumo o que se compra pela internet (não havia esse tipo de relação na época em o código foi feito). Graças aos conceitos abertos é possível essa abrangência.

Mais especificamente, em relação aos serviços, o CDC os define como qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Note-se que o CDC define como serviço, para efeitos de sua aplicação, as relações de natureza bancária, financeira e de crédito.

Importante destacar, inclusive que já em 1990 sabia-se que um dos grandes problemas do mundo era a posição de privilégio dos bancos e que os créditos levariam cada vez mais a abusos, havendo projeto de reforma do CDC no sentido de inserir um capítulo tratando especificamente sobre o super endividamento.

Quanto à atividade bancária em si, é possível destacar que:

“Por atividade bancária entende-se a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros em moeda nacional ou estrangeira. Esse conceito abarca uma gama considerável de operações econômicas, ligadas direta ou indiretamente à concessão, circulação ou administração do crédito. Estabelecendo-se paralelo entre a atividade bancária e a industrial, pode-se afirmar que a matéria prima do banco e o produto que ele oferece ao mercado é o crédito, ou seja, a instituição financeira dedica-se a captar recursos junto a clientes para emprestá-los a outros clientes.”[1]

Destaque-se a existência de vários movimentos dos banco, muitos no sentido de que sempre que o contrato tem relação de consumo, como o cofre, desconto automático em conta, estes concordavam na submissão ao CDC, mas quando envolvesse dinheiro não poderia ser considerado como relação de consumo, pois ninguém é destinatário final do dinheiro.

Efetivamente, pode-se afirmar que os bancos cobram juros remuneratórios, compram dinheiro mais barato e vende mais caro e, acabou se chegando a conclusão que no mundo moderno não existe possibilidade de ter acesso a qualquer bem e serviço sem a utilização de crédito/débito, tornando-se, o serviço bancário, um serviço essencial.

Assim, o serviço bancário é qualificado como destinatário final, mas os bancos ainda insistiram que o sistema bancário tinha que ser regulado por lei complementar e que o CDC seria, assim, inconstitucional.

Por meio da ADIn 2591, formulada pela Confederação Nacional das Instituições Financeiras (Consif), foi suscitada a inconstitucionalidade do §2.º do artigo 3.º do CDC na parte em que inclui, no conceito de serviço abrangido pelas relações de consumo, as atividades de natureza bancária, de crédito, financeira e securitária.

Entretanto o STF afastou essa tese depois de 15 anos de discussão, entendendo pela constitucionalidade do dispositivo em discussão e afirmando que o CDC é aplicável às atividades de natureza bancária.

Ainda, importante expor o que leciona Nelson Nery Junior em relação à atividade bancária:

“O problema da classificação do banco como empresa e de sua atividade negocial, tem-se que é considerado pelo artigo 3.º, caput, do Código do Consumidor como fornecedor, ou melhor, é considerado como um dos sujeitos da relação de consumo [...] O produto da atividade negocial do banco é o crédito; agem os bancos, ainda, na qualidade de prestadores de serviço quando recebem tributos mesmo se não clientes, fornecem extratos de contas bancárias por meio de computador.”[2]

No mais, merece destaque a súmula n. 297 do STJ, veiculada aos 09/09/2004, que dispõe ser aplicável o Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras.

Inclusive, há de se argumentar no sentido de que de acordo com o artigo 51 do Código Civil, dinheiro também é considerado um dentre os bens consumíveis. Senão vejamos:

“Sob esse argumento (ser destinatário final) não se podem excluir da incidência das normas do CDC os contratos de crédito, cujos recursos sejam tomados pelo consumidor para fazer frente as despesas de produção ou de consumo, pois a circunstancia de ‘gastar’ esse dinheiro tomado do banco não o inclui na cadeia de fornecedor.”[3]

Assim, não há de se falar na hipótese de inexistência da relação de consumo que envolva dinheiro, uma vez que, se este é um bem juridicamente consumível, nos termos do diploma supramencionado, a relação que o envolve, por certo, é de consumo.

Ainda, por oportuno pontuar que outro argumento foi levantado pelas instituições bancárias no sentido de que não seria aplicável à elas o Código de Defesa de Defesa do Consumidor.

Trata-se da questão relativa à hierarquia de leis, em razão do que disciplina o artigo 192 da Constituição Federal, ao definir que caberá a lei complementar a regulação do Sistema Financeiro Nacional, entretanto, tal lei complementar nunca foi promulgada.

Surge, então, a indagação quanto a recepção, ou não, das leis n. 4.595/64 (Lei da Reforma Bancária) e n. 4.728/65 (Lei do Mercado de Capitais) pela Constituição Federal e, em caso positivo, estas seriam hierarquicamente superiores ao Código de Defesa do Consumidor, visto que lei ordinária, nos termos do artigo 59, inciso II da Constituição Federal.

Todavia, estes argumentos também não merecem prosperar, uma vez que é plenamente possível que se admita a convivência harmônica entre leis complementares e ordinárias no contexto geral do ornamento jurídico. Uma não necessariamente exclui a aplicabilidade da outra.

Nada impede, portanto, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, desde que caracterizada uma relação de consumo, nos termos delimitados por este diploma legal.



[1] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, 1994, p. 174

[2] NERY JUNIOR, Nelson. Direito do Consumidor. 1992, p.304

[3] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Os contratos bancários e o Código de defesa do Consumidor. In Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, Vol. 18, Abr./Jun. 1996, p. 125 - 132