“A educação é um processo sócio- cultural que se dá na história de uma determinada sociedade, envolvendo comportamentos sociais, costumes, instituições, atividades culturais, organizações burocrático-administrativas”.        

                                                                                                                                  Antônio Joaquim Severino

 

O livro organizado por Naura Syria Ferreira “Supervisão educacional para uma escola de qualidade” reúne produções científicas de intelectuais que pensam e escrevem a respeito do fazer escolar.

No texto de abertura, de Demerval Saviani, intitulado “A Supervisão educacional em perspectiva histórica: da função à profissão pela mediação da ideia”, o autor elabora uma importante reflexão, ao destacar como a ação supervisora passa da condição de função para a de profissão, examinando- a no decorrer da História da Educação.

Desse modo, Saviani expõe como a função supervisora acompanha a ação educativa desde as comunidades primitivas, mantendo-se implícita e indiferenciada até o final da Idade Média.

Nas comunidades primitivas, onde o modo de produção era coletivo, o trabalho acontecia como princípio educativo e, por conseguinte, a função supervisora aparecia no momento em que os adultos educavam as crianças por meio de uma vigilância discreta a fim de orientá-las e protegê-las, ou seja, nas sociedades primitivas a educação acontecia por meio da socialização das atividades cotidianas entre as crianças e os adultos, por essa forma, se educavam.

Da Antiguidade até o final da Idade Média, com o surgimento da propriedade privada e da divisão de classe entre dominante (proprietários e senhores feudais) e dominada (servos e escravos), acontece também uma divisão entre a educação destinada à classe dominante e a educação da classe dominada que era educada pelo trabalho.

É nesse contexto que surge a escola, constituída na relação de um mestre com seus discípulos. Esta escola era chamada de lugar de ócio, onde a classe dominante dispunha de tempo livre para frequentá-la e onde as crianças eram acompanhadas de seus pedagogos. Sendo assim, a função supervisora é encontrada na figura do pedagogo que inicialmente, na Grécia Antiga, era um escravo, que tomava conta da criança e a conduzia até o mestre do qual recebia a lição. Depois, passou a significar o próprio educador, porque passou a se encarregar do ensino das crianças e porque sua função era a de supervisionar todos os seus atos.

As grandes transformações que ocorreram na passagem da Idade Média para a Idade Moderna, com as grandes navegações, com a formação da sociedade capitalista e com o aparecimento da burguesia, há uma diversificação das funções na sociedade, em consequência do processo de industrialização. Nesse sentido, a ideia de Supervisão surgiu, no sentido de melhorar a quantidade e a qualidade da produção, sendo a supervisão compreendida como forma de monitorar e controlar o processo de produção.

No âmbito educacional da época, em decorrência da mudança de paradigma social e cultural, ocasionado pela industrialização, surge a necessidade de uma nova finalidade da educação, que torna- se científica, bem como de sua institucionalização, com a criação de um Sistema de Ensino que determinava os conteúdos, os métodos e a organização das escolas.

É nesse contexto, “nos séculos XVI e XVII que surge a ideia de supervisão educacional, vinculada às propostas religiosas e nos séculos XVIII e XIX às propostas de organização de sistemas estatais e nacionais, até as amplas redes escolares instituídas no século”. (SAVIANI in FERREIRA, 2010, p.19).

Nota-se, a partir do exposto acima, que a educação e a ideia de supervisão escolar têm uma relação muito íntima com as questões e com as necessidades que a sociedade vivencia em determinado momento histórico.

Foi na Idade Moderna, no contexto da expansão comercial que se deu a descoberta do Brasil. (SAVIANI in FERREIRA, 2010, p.20) afirma: “com a vinda dos primeiros jesuítas em 1549 dá-se início à organização das atividades educativas no Brasil”, quando o padre Manuel da Nóbrega funda na Bahia a primeira escola de “ler e aprender”.

O Projeto Educacional Jesuítico, organizado pelo padre Manoel da Nóbrega, foi a primeira pedagogia que utilizava um currículo. Este currículo consistia no ensino enciclopédico, principalmente, da Língua Portuguesa e da doutrina Cristã, objetivando a formação do homem humanista e cristão católico.

Nota-se, que o Projeto Educacional Jesuítica era um projeto de catequização, e também, um projeto que tinha como função propor e implementar mudanças radicais na cultura indígena brasileira, destinando-se à transformação do indígena em “homem civilizado”, segundo os padrões culturais e sociais da Europa do século XVI.

O Projeto Educacional dos Jesuítas fundamentava-se no método de ensino intitulado Ratio Studiorum. Um método que estabelecia o currículo, a orientação metodológica e a administração do sistema educacional, desse modo, direcionava as ações educacionais dos padres jesuítas em suas atividades educacionais.

No Projeto, a ideia de supervisão também se manifesta e a função está presente na escola, a qual se destacava das demais funções e destinava-se ao Prefeito de Estudos. Era ele que dirigia as reuniões, na orientação e formação pedagógica, e acompanhava a vida escolar com visitas periódicas às aulas dos padres jesuítas.

O modelo pedagógico dos padres jesuítas, centrado no enciclopedismo e na doutrina cristã, durou no Brasil por mais de duzentos anos e foi extinto em 1759 com as Reformas do Marquês de Pombal .

As Reformas do Marquês de Pombal consistiram na desestruturação do modelo educacional vigente na época. Com a expulsão dos jesuítas do Brasil, a educação passou a ser questão do estado português.

Desse modo, com a instalação de um novo Sistema de Ensino, controlado pela Coroa, a primeira ação do Marquês de Pombal foi substituir o ensino religioso pelas aulas régias de Latim, Grego, Filosofia e Retórica. O cargo de Prefeito de Estudos também foi extinto, com a criação da figura do Diretor Geral dos Estudos.

A intenção da Coroa com as reformas era uniformizar as ações educacionais na colônia, nesse sentido, a função do Diretor Geral dos Estudos era a supervisão, que envolvia aspectos de direção, fiscalização, coordenação e orientação da ação pedagógica. Nesse sentido, “a ideia de supervisão englobava aspectos político- administrativos em nível de sistema concentrado na figura do diretor geral”. Saviani (in Ferreira, 2006, p.22).

Após três séculos de domínio político e econômico do Brasil por parte de Portugal, a independência brasileira foi conquistada em 1822. Com o Brasil independente inaugura a questão da organização autônoma da instrução pública com a lei de 15 de outubro de 1827, que instituiu as escolas de primeiras letras “em todas as cidades, vilas e lugares populosos do Império”. O artigo 5º dessa lei determinava que os estudos se realizassem de acordo com o “Método do Ensino Mútuo”. Saviani (in Ferreira, 2010, p.22).

No “Método do Ensino Mútuo”, o professor atuava como docente e como supervisor ao mesmo tempo, instruindo os monitores (alunos mais avançados) para auxiliá-los na supervisão das atividades dos demais alunos.

Com a ineficiência do “Método do Ensino Mútuo”, surge, no Império, para remediar a situação deplorável das escolas, a ideia de uma supervisão permanente, que deveria ser exercida por agentes específicos.

No entanto, essa ideia veio a florescer somente em 1854, com as reformas educacionais de Couto Ferraz . Essa reforma estabeleceu como missão do “inspetor geral” supervisionar todas as escolas primárias e secundárias, públicas e particulares. “Além disso, cabia também ao inspetor geral presidir os exames dos professores e lhes conferir o diploma, autorizar a abertura de escolas particulares e até mesmo rever os livros, corrigi-los ou substitui-los por outro”. (SAVIANI in FERREIRA, 2010, p.23).

Até o final do período monárquico, vários foram os debates e discussões, apresentando a necessidade de uma organização de um sistema nacional de educação. Com efeito, a organização dos serviços educacionais na forma de um sistema nacional impulsionou a ideia de supervisão em relação à organização administrativa e pedagógica do sistema. Saviani faz a seguinte colocação:

“ (...) neste contexto, a ideia de supervisão vai ganhando contornos mais nítidos ao mesmo tempo que as condições objetivas começam a abrir perspectivas para se conferir a essa ideia o estatuto de verdade prática”. (SAVIANI in FERREIRA, 2010, p.24).

Pode-se perceber, a partir das considerações de Saviani, a ampliação da função supervisora, pois além de supervisionar as escolas e as atividades docentes no âmbito das unidades escolares, foi conferindo-lhe também a atuação no âmbito político-administrativo.

Com o fim do Império e início da República houve um significativo crescimento econômico em nosso país, que foi favorecido especialmente pela urbanização decorrente da expansão cafeeira, que transita do modelo capitalista agrário-exportador para o modelo capitalista industrial.

Este período foi também muito fecundo para as reformas do sistema educacional, pois sob o ideal republicano, a expansão da rede escolar acompanhou a cultura do café, com a reforma da instrução pública paulista , que instituiu o Conselho Superior da Instrução Pública, implementada entre 1892 a 1896, pioneira na organização do ensino primário na forma de grupos escolares .

Por intermédio dessa reforma foram instituídos também os Inspetores de Distrito com predominância de atribuições burocráticas sobre as técnico-pedagógicas da ação educativa. Porém essa reforma não chegou a se consolidar, em 1897, a Lei nº 520 extinguiu o Conselho Superior de Instrução Pública, ficando a direção e a inspeção do ensino sob a responsabilidade de um inspetor geral, em todo o Estado, auxiliado por dez inspetores escolares, ou seja, voltando à prática anterior à reforma.

Na década de 1920, com a crise da ordem oligárquica e fim da Primeira República, surge a necessidade de um projeto nacional de educação, uma vez que, o problema da educação torna-se uma questão nacional, o que demonstra uma ruptura com o padrão cultural vigente até então.

Nesse sentido, no plano federal, há uma retomada das reformas educacionais com a criação da Associação Brasileira de Educação em 1924, do Departamento Nacional de Ensino e do Conselho Nacional de Ensino em 1925 e do Ministério da Educação e Saúde Pública em 1930. Com essas medidas, começa a se reservar a órgãos específicos, de caráter técnico, o tratamento dos assuntos educacionais, que antes estavam unidos num mesmo órgão, o Conselho Superior de Ensino.

Mas foi

“(...) nos Estados que a tendência indicada se manifesta, institui órgãos próprios de administração do ensino em substituição às Inspetorias de Instrução pública. Essa remodelação do aparelho organizacional empreende a separação dos setores técnicos- pedagógicos daqueles especificamente administrativos”. (SAVIANI in FERREIRA p. 26)

A separação entre a parte administrativa e a parte técnica é condição para a constituição de uma nova categoria profissional, ou seja, dos “técnicos em escolarização”, surgindo assim, a figura do supervisor como distinta do diretor e também do inspetor. Desse modo, nas unidades escolares, cabe ao diretor a parte administrativa, ficando o supervisor com a parte técnica, de orientação pedagógica, em lugar da fiscalização para detectar falhas e aplicar punições, funções antes atribuídas ao inspetor.

Após a Revolução de 1930, o desenvolvimento da sociedade brasileira, num sentido mais capitalista, acelerou o processo de industrialização e urbanização, intensificando as pressões em torno da questão educacional. Essa mobilização, contudo, ganha expressão nacional, passando a ser coordenada pelo poder central. Desse modo, percebe-se uma ampliação das reformas dos anos de1920, quando haviam sido feitas reformas em vários estados.

As reformas Francisco Campos, em 1931, o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, em 1932 e as reformas Capanema, de1942 a1946, dão sequência, em âmbito nacional, ao processo de estruturação do ensino brasileiro que irá desembocar na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em 20 de dezembro de 1961.

O lançamento do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova preconizava a reconstrução social da educação na sociedade urbana e industrializada, para tanto, propunha a organização de um sistema educacional de ensino por meio de uma reforma que definia o papel do Estado em relação à educação do País. Pedagogicamente, apresentava propostas, calcadas em princípios científicos e na pesquisa, o que trouxe um caráter mais técnico para a educação, por meio do desenvolvimento racional, dominado pela ciência, objetivando o progresso da sociedade.

As reformas Francisco Campos previam a implantação da Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras. Essa faculdade tinha a incumbência de formar professores das disciplinas específicas das escolas secundárias, bem como os técnicos de educação.

As reformas Capanema tratavam da organização da burocracia estatal no âmbito da educação, criando e implantando o Ministério da Educação, as Secretarias Estaduais de Educação, bem como as Delegacias, Coordenações e Departamentos da Secretaria da Educação. Esse processo, proposto pelas reformas Francisco Campos e Capanema, desenvolveu-se de forma complementar, pois tratava- se da formação de agentes para operar a complexa máquina burocrática.

Nesse contexto de maior valorização da organização dos serviços educacionais, tendo em vista a racionalização do trabalho educativo, ganham relevância os técnicos, também chamados de especialistas em educação, entre eles, o supervisor.

Na década de 30, a ideia de supervisão encaminha-se à profissionalização das suas atribuições, no entanto, reduziam- se aos aspectos administrativos e de fiscalização, o acompanhamento do processo pedagógico, na prática, ainda não existia.

Com a instalação do Regime Militar, em 1964, no anseio de garantir a eficiência e a produtividade do processo educativo, mudou o modelo de educação, implantando, como Saviani denominou, a Pedagogia Tecnicista, a qual buscava-se ajustar a educação à nova situação, por intermédio de novas reformas do ensino. Nesse contexto é aprovado pelo Conselho Federal de Educação, o Parecer N. 252 de 1969 que reformulou os cursos de Pedagogia.

Por intermédio desse Parecer, pretendia-se especializar o educador numa função particular denominada “habilitação”. Desse modo, com a aprovação das reformas, os cursos de Pedagogia ganham novas habilitações centradas nas áreas técnicas, a saber: administração, inspeção, supervisão e orientação.

Quando Saviani fala da profissionalização da supervisão escolar, posiciona-se da seguinte maneira:

“A nova estrutura do curso de Pedagogia, organizado na forma de habilitações, abria a perspectiva de profissionalização da supervisão escolar. Com isso, o supervisor ganha identidade própria, que o distinguia das demais atividades profissionais, devido à “dimensão política” de suas atividades”. (SAVIANI in FERREIRA p. 26)

A partir da constatação da dimensão política que abarca a função do supervisor, surge o movimento de reformulação dos cursos de Pedagogia no final dos anos 70, uma vez que as habilitações técnicas passam a ser entendidas como mera divisão de tarefas.

Ganha relevância então, a tese de que os cursos de Pedagogia deveriam formar o profissional de educação. A administração, orientação e supervisão seriam tarefas do educador, apto a desempenhar as funções de educador ou pedagogo, ou seja, o supervisor deveria ser capaz de exercer as diferentes atribuições requeridas pelo sistema de ensino e pela escola. Essa discussão em torno da identidade do supervisor educacional, iniciada nos anos 70, se organizou na Primeira Conferência Brasileira de Educação em 1980.

Saviani, ao examinar a profissão do supervisor no percurso dos anos 20 à década de 80, apresenta as tentativas de dar um status profissional à ação supervisora, e encaminha, por fim, sua reflexão histórica considerando as transformações que se processam no mundo atual como sendo um novo cenário que se abre para a supervisão educacional.

De acordo com ele, estamos vivendo a Era da Automatização, cujo trabalho consiste em supervisionar todo o complexo automatizado, mantendo-o e ajustando-o na medida, que as novas necessidades forem se manifestando. Esse quadro traz, como contrapartida, a universalização da escola que deve desenvolver o máximo das potencialidades do indivíduo, ou seja, deve proporcionar a elevação da formação geral, uma das exigências do processo produtivo.

É nesse quadro, situado na contradição da sociedade moderna e na superação do capitalismo, que Saviani conclui que o desafio fundamental que se põe para a supervisão educacional, hoje, extrapola a esfera especificamente pedagógica, situando- se na construção coletiva de suas ações, o que implica, pois, a transformação das relações vigentes. 

Para tanto, a consciência da situação é condição necessária para que o supervisor escolar desenvolva um trabalho educativo coletivo para a realização das transformações necessárias.

Referência

SAVIANI, Demerval. A supervisão educacional em perspectiva histórica: da função à profissão pela mediação da idéia. In: FERREIRA, Naura Syria Carapeto (org). Supervisão educacional para uma escola de qualidade. 8ª ed. São Paulo: Cortez, 2010. cap. 1, p.13-38.