Por: Laércio Becker, de Curitiba-PR 

Nossa intenção é falar sobre a origem das palavras “Brasil” e “brasileiro”. Antes, contudo, uma breve retrospectiva dos nomes anteriores deste país.

Pindorama

Segundo Manoel Maurício de Albuquerque:

“Pindorama parece haver sido a contrafação indigenista de algum tupi, que já conhecesse a concepção burguesa de Pátria e houvesse percorrido as páginas sisudas de Martius e de Barbosa Rodrigues...”

Ilha de Vera-Cruz

Nome dado por Pedro Álvares Cabral, cf. consta na carta de Pero Vaz de Caminha: “o Capitão pôs nome o monte Pascoal, e à terra da Vera Cruz”. Segundo alguns, por influência da Cruz de Cristo que as caravelas traziam no velame.

Terra de Santa Cruz

Nome adotado porque Cabral mandou erguer uma cruz em 03.05.1500, quando se celebrava a invenção da santa cruz em que Cristo morreu.

Terra dos Papagaios

Um dos nomes que os portugueses deram a esta terra, durante o séc. XVI.

De acordo com Sérgio Buarque de Holanda:

“As grandes araras de cores vistosas, que nele [litoral brasileiro] se achavam em abundância e parecem ter impressionado vivamente aos europeus da época, também chegaram a tornar-se objeto de comércio: desse fato deriva um dos nomes com que o Brasil aparece mencionado em certos mapas e em outros documentos contemporâneos.”

 

Brasil

Não há dúvidas de que veio de pau-brasil (Caesalpina echinata), árvore de madeira vermelha que os portugueses extraíram fartamente nos primeiros anos para emprego na tinturaria.

O detalhe é que o nome foi dado antes mesmo da viagem de Cabral, fruto da cartografia imaginária do desconhecido oceano Atlântico. De fato, os cartógrafos medievais especularam a existência de uma ilha lendária entre os paralelos da Irlanda e dos Açores, desde 1339 (cf. cartógrafos como Portulano de Médicis, Solleri, Pinelli, Picignano, Andrés Bianco, Fra Mauro etc.) com nomes como: Bracia, Bracir, Brazir (séc. XIV), Bersil (séc. XIV), Berzil, Brezil (séc. XIV), Braçil (séc. XV), do irlandês Hy Brazail (“Ilha do Atlântico”) – que deu origem à atual Brazil Rock. Dizia-se que nessa ilha misteriosa e fantástica existia um bosque vermelho do qual se extraía uma substância usada para tingir a lã e o algodão. Por quê? Explica Pedro Calmon: porque o pau-brasil era produto muito raro e cobiçado.

Há várias explicações para a etimologia de “brasil”:

  • do sânscrito bradsch ou bradshita (luzente, brilhante – como a cor vermelha extraída do pau-brasil)
  • do grego brazein, “fever”
  • do árabe bakkan (séc. IX), “ardente”, para designar árvore de madeira vermelha que os árabes traziam de Sumatra para comercializar na Europa; parecida com o pau-brasil, difere apenas na altura e na necessidade de adicionar uma substância para obter a cor vermelha desejada
  • também do árabe wars, uma planta corante
  • do latim brachium: brachile ou bracile (cinto usado por monges), ou ainda brachiale (braceletes, eventualmente vermelhos)
  • do baixo latim: brasile (“com aspecto de brasa”), brasilium, bresillum
  • variantes (séc. XI e XII): bresill, brasilly, bracil, presill, pressili, brecillis, brazilis, brazili, brazile, braxilis (um inseto vermelho; por extensão, a tinta dele extraída, ou qualquer tinta vermelha)
  • do tupi paraci (“mãe do mar”)
  • parasil (“terra grande”)
  • do celta breasail, “príncipe”
  • em germânico, bras significava “brasa”
  • em toscano, o pau-brasil empregado na tinturaria era conhecido por verizino, verzino ou bercino
  • em dialeto vêneto, os mercadores chamavam as lascas de pau-brasil comercializadas de verzi ou berzi (séc. XVI)
  • em genovês, brazi
  • do italiano para o português arcaico byrço, birço
  • do italiano para o provençal brezill (“fragmento”), depois para o francês bresil (atual brésil)
  • em francês, braziller (verbo para designar uma luz que o mar emite à noite, quando cortado por um navio)
  • do comércio com a França, os portugueses converteram bresil em brasyll (séc. XV)

Como nome desta terra, começou como Terra do Brasil, para identificar o produto de maior peso econômico – assim como, na África, as colônias Costa do Marfim, francesa, Costa do Ouro, inglesa, e Rio de Ouro, espanhola. Era como os traficantes de pau-brasil – e, depois, todos os demais – se referiam a esta terra, em vez de utilizar o nome oficial – Terra de Santa Cruz.

O nome foi oficialmente consagrado pelo alvará de nomeação de Martim Afonso de Souza, de 1530: “Martim Afonso de Souza do meu conselho capitão-mor d’armada que envio à terra do Brasil”.

Há críticas de cunho religioso à mudança de nome. P.ex., João de Barros (apud Nascentes):

“... pelo qual nome Santa Cruz foi aquela terra nomeada os primeiros anos e a Cruz arvorada alguns durou naquele lugar. Porém, como ao demônio fez o sinal da Cruz perder o domínio que tinha sobre nós mediante a paixão de Cristo Jesus consumada nela, tanto que daquela terra começou de vir o pau vermelho chamado Brasil, trabalhou que este nome ficasse na boca do povo, como que importava mais o nome de um pau que tinge panos que daquele pau que deu tintura a todos os Sacramentos por que somos salvos, pelo sangue de Cristo Jesus, que nele foi derramado: e pois em outras coisas nesta parte me não posso vingar do demônio, admoesto da parte da Cruz de Cristo Jesus a todos os que este lugar lerem, que dêem a esta terra o nome que com tanta solenidade lhe foi posto, sob pena de a mesma Cruz que nos há de ser mostrada no dia final, os acusar de mais devotos do pau-brasil que dela; e por honra de tão grande terra chamemos-lhe Província, e digamos a Província de Santa Cruz, que soa melhor entre prudentes, que Brasil posto por vulgo sem consideração, e não habilitado para dar nomes às propriedades da Real Coroa.”

Podia ser pior. Joaquim Norberto lembra que D. Antonio Caetano de Souza queria que, seguindo o exemplo de “América”, em homenagem a Américo Vespúcio (embora haja controvérsias), o Brasil fosse batizado “Manoélica”, em homenagem a D. Manuel I, que reinava à época do “descobrimento”. Para nossa sorte, a sugestão não foi acolhida.

Brasileiro

Não é só o nome do país que tem origem econômica. O gentílico também. Porque o sufixo “-eiro”, quando forma adjetivos (que podem substantivar-se) para qualificar pessoas, costuma designar: aptidão, hábito, profissão, ofício (Caldas Aulete), p.ex.: pregoeiro, cozinheiro etc.

Como gentílico, os mais conhecidos são “brasileiro” e “mineiro”, sendo que, neste caso, também designa o ofício de quem trabalha com mineração. Fora isso, em rápida pesquisa num dicionário de gentílicos, encontramos os seguintes:

  • berlengueiro – das ilhas Berlengas; mas também quem usa de berlengas (intrujice, lábia), cf. Silva Bastos;
  • cartaxeiro – da vila de Cartaxo, no distrito de Santarém, Portugal;
  • estevaleiro – da localidade de Estevais, Portugal;
  • fangueiro – da localidade de Fão, no distrito de Braga, Portugal;
  • lagoaceiro – de Lagoaça (cf. Luiz Vitória; não encontrei noutros dicionários);
  • sanjoaneiro ou são-joaneiro – de qualquer povoação denominada São João, p.ex., São João da Foz, São João da Madeira, São João da Pesqueira, em Portugal.

De resto:

  • barranqueiro – não é o gentílico de Barrancos, no distrito de Beja, Portugal (barranquenho), mas o morador de ao pé de barranco, ou o habitante ribeirinho do São Francisco;
  • canoeiro – não é o gentílico da cidade de Canoas (canoense), mas o indígena das margens do rio Tocantins;
  • são-pauleiro – não é o gentílico de São Paulo (paulista e paulistano, conforme o estado ou município), mas o sertanejo que vai trabalhar nos cafezais de São Paulo;
  • terranoveiro – não é o gentílico de Terra Nova, Canadá (terra-novense), mas o navio que pesca bacalhau em Terra Nova.

Então, a palavra “brasileiro” surgiu não como adjetivo pátrio, mas para designar quem extraía o pau-brasil e, por extensão, quem atuou na sua comercialização e tráfico – assim como seringueiro, baleeiro, negreiro e pimenteiro (cf. Varnhagen). Na precisa síntese de Therezinha de Castro, “brasileiro era, portanto, termo de caráter econômico e não político, já que se ligava aos que se dedicavam ao comércio do pau-brasil”. Dada essa origem, Bernardino José de Souza diz que o gentílico brasileiro é uma “visível anomalia gramatical”.

Segundo Silveira Bueno, o adjetivo tinha originariamente cunho pejorativo, porque esses profissionais tinham sido criminosos banidos de Portugal, de sorte que ninguém queria ser chamado de “brasileiro”. Até D. Pedro, antes da independência, como se vê neste comentário dele mesmo, relatado pelo padre Belchior Pinheiro (apud Castellani): “As Cortes me perseguem, chamam-me, com desprezo, de Rapazinho e de Brasileiro”.

Todavia, à medida que o tráfico de pau-brasil diminuiu, o uso dessa palavra com esses sentidos – profissional e pejorativo – também desapareceu.

O primeiro a utilizar essa palavra como gentílico foi frei Vicente do Salvador, em sua História da Custódia Franciscana do Brasil. Para Bernardino José de Souza, sua popularização acompanhou a gradual formação de uma identidade nacional. Nesse sentido, segundo Frederico Guilherme Costa, quem popularizou o termo foi Joaquim Gonçalves Ledo, no Revérbero Constitucional, periódico que circulou de 01.09.1821 a 08.10.1822 e pregava a independência do Brasil. O próprio D. Pedro o adotou quando da independência, conforme o já citado relato do padre Belchior, neste trecho: “Brasileiros, a nossa divisa, de hoje em diante, será Independência ou Morte!”.

Até então era mais comum identificar as pessoas pela região (baianos, paulistas, mineiros etc.) e pela raça (índios, mulatos etc.). Para se referir ao Brasil inteiro, falava-se em “brasiliano” (pouco freqüente, cf. Bernardino), “brasilense”, “brasiliense” (gentílico que, hoje, é utilizado para os naturais de Brasília), como no Correio Brasiliense de Hipólito da Costa (que circulou de 01.06.1808 a dez. 1822), e também “brasílico”, como na Academia Brasílica dos Renascidos (1759) e no Regulador Brasílico-Luso do frei Francisco de Santa Teresa de Jesus Sampaio (lançado em 21.07.1822).

Na realidade, pelo que podemos perceber pela legislação da época, a palavra “brasileiro” era utilizada para pessoas, enquanto “brasiliense”, para outros substantivos. Isso fica claro em dois Decretos, ambos com data de 18.09.1922. O decreto que ordena o distintivo “Independência ou Morte” fala na “tranqüilidade de todos os bons Brasileiros”, os “bons e leais Brasileiros”, “todo o Português Europeu ou o Brasileiro”. Já o Decreto que define o tope nacional diz: “Tope Nacional Brasiliense”. Também o Decreto de 03.06.1822 que convoca uma assembléia constituinte a chama de “Assembléia Luso-Brasiliense”. Como se vê, no ano da independência, “brasileiro” se referia claramente às pessoas, enquanto “brasiliense”, às demais coisas.

Até aí, tudo bem, não fosse... Pedro Calmon. Sim, o autor apresenta outra origem para a palavra “brasileiro”. Diz que sua origem é semelhante a de outros viajantes, p.ex.: romeiro (quem vai peregrinar a Roma), santiagueiro (em Santiago de Compostela) e peruleiro (viajantes do Peru). Brasileiro seria, portanto, quem viajou ao Brasil. Daí se explica que Gregório de Matos, em 1861, fale no português “brasileiro” que retorna à terrinha ostentando fartura e generosidade, graças não mais ao pau-brasil, mas ao ciclo da cana-de-açúcar. Também explica que Domingos José Antônio Rabelo, na sua Abreviada história geográfica do Império do Brasil, de 1829, diga que “os habitantes são uma mistura de brasileiros nascidos em Portugal”.

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