A BOLHA IMOBILIÁRIA E A CRISE DO SUBPRIME

Henrique de Melo Campos

  

Resumo

Com a globalização, as economias dos países se interligam e ficam mais expostas aos agentes internacionais e ao capital especulativo. Três principais fatores de risco advêm desta situação: o aumento da volatilidade dos capitais, devido à intercomunicação instantânea; a interligação do sistema financeiro internacional; e os novos agentes internacionais, além do controle dos Bancos Centrais. A composição destes fatores com fundamentos macroeconômicos enfraquecidos pode levar os países a grandes crises financeiras. Este artigo tem como objetivo descrever a crise do subprime e seus desdobramentos nas principais economias do planeta.

 

Palavras-chave: Bolha Imobiliária. Crise do Subprime.

 

Introdução

            Uma crise financeira é causada por um desequilíbrio no sistema, por uma grande oscilação da moeda, déficit público elevado, dependência elevada do capital estrangeiro, descredibilidade internacional, gerando insegurança nos investidores e especuladores, que acabam por retirar seus ativos financeiros do país, causando uma forte e rápida perda de riqueza e de liquidez no mercado afetado. É importante diferenciar uma crise financeira de uma crise econômica. A crise financeira é momentânea, enquanto a crise econômica se caracteriza pela incapacidade do sistema em gerar riquezas.

            A Crise do Subprime é a maior crise da história do capitalismo moderno, superando até mesmo o Crash de 1929. Desregulamentação, instrumentos sofisticados de derivativos crédito fácil, taxa de juros artificialmente baixas e comportamento irracional dos agentes econômicos são alguns dos fatores que explicam as origens da crise.

  

  1. Antecedentes

           

            A Grande Depressão que atingiu os EUA em 1929 e se estendeu por toda a década de 1930, deixou marcas e transformações no sistema financeiro global. Como parte deste legado, a lei de Glass-Steagal impedia os bancos de participar de investimentos de risco com depósitos de seus clientes, além de restringir fusões e aquisições de instituições financeiras. Com a superação da crise, a economia norte-americana teve 40 anos de crescimento, amparada por um sistema fortemente regulamentado.

            Porém, a partir dos anos 80, este cenário começou a mudar. Com o apoio de lobistas financeiros e economistas, a administração Reagan, que assumiu o governo em 1981, iniciou um longo período de desregulamentações. Em 1982, as empresas de poupanças e empréstimos se viram livres das leis que as proibiam de fazerem investimentos de risco com o dinheiro de seus clientes. Durante a década de 1980, ocorrera uma série de aberturas de capitais dos bancos nacionais. Os investidores começaram a enriquecer e o setor financeiro decolou!

            Já nos anos 90, as crescentes desregulamentações aliadas a inovações tecnológicas, desencadearam o crescimento de produtos financeiros complexos chamados derivativos. Sob a administração de Bill Clinton, Alan Greenspan, presidente do FED e Robert Rubin, secretário do Tesouro, foram defensores veementes da não necessidade de regulamentação dos derivativos. Economistas e banqueiros afirmavam que eles deixavam o mercado mais seguro.  Em maio de 1998, o Commodity Futures Trading Commission apresentou uma proposta de regulamentação dos derivativos, que foi prontamente negada pelo Tesouro, sob pressão dos grandes bancos, que auferiam grandes ganhos com este tipo de atividade.

            Em 1999, a lei de Glass-Steagal foi violada quando houve a fusão entre Citicorp e Travelers, criando a maior instituição financeira do mundo, o Citigroup. A nova corporação recebeu do FED, isenção à lei por um ano. Em dezembro de 2000 o congresso aprovou a lei de modernização dos mercados futuros, chamada lei Glemm-Leach-Billey, que derrubou a lei Glass-Steagal, dando mais autonomia ao setor bancário e permitindo a união de bancos para a formação de grandes organizações fortes e globais.

            Escrita com a ajuda de lobistas da indústria financeira, a nova lei baniu a regulamentação dos derivativos. Após sua aprovação, o uso destes instrumentos e de inovações financeiras explodiu!

            Em 2001, quando George Bush tomou posse, o setor financeiro era amplamente mais concentrado, mais poderoso e mais rentável que nunca. Dominavam a indústria cinco bancos de investimentos (Goldman Sachs, Morgan Stanley, Lehman Brothers, Merrill Lynch e Bear Stearns), três conglomerados financeiros (Bank of America, Citigroup e JP Morgan), três companhias de seguros (AIG, MBIA e AMBAC) e três agências de classificação de risco (Moody's, Sandard & Poor's e Fitch). A queda de qualquer uma delas poderia ameaçar todo o sistema.

 

  1. As transformações do Crédito Imobiliário

 

            A indústria da construção civil está inserida num setor fundamental para o desenvolvimento de um país, representando uma grande fonte de emprego, renda e geração de riqueza. Amplamente atrelado ao crédito, o setor imobiliário faz parte do ‘Sonho Americano’ de oportunidades, prosperidade e sucesso, no qual se insere a conquista da casa própria.

            Na forma tradicional e regulamentada de crédito imobiliário, o comprador de uma casa, pagava sua hipoteca mensalmente e o dinheiro ia diretamente para o credor. Os empréstimos eram de longo prazo e cuidadosamente acompanhados por credores e devedores.

            No novo sistema, os credores passaram a vender as hipotecas a bancos de investimentos, que combinam milhares de hipotecas e outros tipos empréstimos criando derivativos chamados CDO (Collateralized Debt Obligation). Os CDO’s são títulos de crédito garantidos pelas securitizadoras e avaliados pelas agências de classificação de risco, contratadas pelos bancos de investimentos. Completando o ciclo, estes títulos são então vendidos para investidores de todo mundo em busca de melhores rendimentos.

            A enorme liquidez do sistema financeiro mundial no início dos anos 2000 aliada a baixa taxa de juros praticada pelas grandes potências, fez os CDO’s se tornaram rapidamente populares e amplamente difundidos na indústria de fundos de investimentos e de aposentadoria. O mercado imobiliário iniciou assim um período de forte crescimento e toda indústria lucrava.

            Num cenário de crédito abundante, a maioria dos clientes que tinham boa classificação de risco já haviam financiado suas casas e eram cada vez mais raros. Visando manter o crescimento, os bancos decidiram diminuir suas exigências e passaram a conceder empréstimos para clientes de maior risco, chamados de créditos subprime. A falta de regulamentação permitia que mais e mais empréstimos fossem feitos, sem a preocupação com a capacidade de pagamento dos devedores. Havia a certeza de que as casas continuariam se valorizando e todos lucrariam com o movimento.

  

  1. A Formação da Bolha Imobiliária

 

            Por serem mais arriscados, os títulos de empréstimos subprime cobravam juros mais altos, tendo assim a preferência dos bancos e dos fundos de investimentos, que viam seus lucros crescendo enormemente. A venda destes títulos rendiam rechonchudas comissões aos corretores. Os subprimes eram combinados com títulos saudáveis formando CDO’s, sendo que muitos deles recebiam altas notas risco.

            As agências de classificação de risco recebiam milhões de dólares por suas avaliações. Quanto “melhores” fossem as notas, maiores eram os ganhos e as classificações AAA se tornaram abundantes.  As agências enfatizavam que suas classificações expressavam apenas suas opiniões e se isentavam da responsabilidade por suas avaliações. As agências não falavam de valor de mercado de um ativo, a volatilidade de seus preços, nem sua adequação como investimento.

            As companhias de seguros vendiam grandes quantidades de derivativos, chamados swaps de crédito. Para investidores que possuíam CDO's, os swaps de crédito funcionavam como uma apólice de seguro. Porém, especuladores também podiam comprar estes seguros, de forma a apostar contra CDO’s que eles não possuíam. Assim, vários swaps de créditos eram vendidos, todos eles segurando o mesmo CDO. Se um CDO desse o calote, milhares de swaps de créditos teriam que ser honrados.

            Bilhões de dólares ao ano fluíam através da cadeia hipotecária, levando a um maciço aumento nos empréstimos predatórios. Como qualquer um podia obter uma hipoteca, os preços das casas dispararam. Clientes eram empurrados para caríssimos financiamentos, e muitos empréstimos eram dados para pessoas que não poderiam pagá-los.

            Os bancos de investimentos haviam feito pesados empréstimos para comprar mais hipotecas e criar mais CDO's. Em 2004, os bancos de investimentos fizeram um pesado lobby visando relaxar os limites de alavancagem, permitindo aos mesmos aumentar drasticamente seus empréstimos. O grau de alavancagem do sistema financeiro chegou a inimagináveis 33 por 1 em 2007, significando que uma queda de 3% nos ativos das instituições financeiras as deixaria insolventes.

            A bolha imobiliária havia se formado e estava a ponto de estourar!

 

  1. O Estouro da Bolha Imobiliária

             O mercado imobiliário norte americano estava crescendo fortemente. Todos estavam construindo, comprando ou vendendo. A bolsa de valores estava atingindo recordes atrás de recordes. Mutuários haviam financiado, em média, 99% do valor das casas, ou seja, já não havia exigência de pagamento de uma entrada para conseguir o financiamento. Em outras palavras, os devedores haviam pago cerca de 1% do valor dos imóveis e se algo desse errado eles simplesmente fugiriam da hipoteca.

            O ambiente de crédito fácil, desregulamentação e valorização imobiliária havia criado um ciclo sombrio de rolagem de dívida, no qual os subprimes eram pagos a partir de novos financiamentos para o imóvel. À medida que o imóvel se valorizava, novos empréstimos eram feitos, sendo o dinheiro utilizado para liquidar o empréstimo anterior. Este ciclo mascarava a real situação dos devedores em dificuldades e contribuía para o crescimento exponencial da bolha imobiliária.  

            Com o ambiente econômico extremamente aquecido, a inflação havia se elevado consideravelmente, levando o FED a iniciar um movimento de alta da taxa de juros, que se repetiu por 17 vezes seguidas, elevando-a de 1% a.a. a 5.25% a.a., máxima atingida em junho de 2006.  

            A disparada da taxa de juros desencadeou uma série de situações, dentre as quais:

  • Uma forte diminuição da demanda por imóveis, causando uma inicial desaceleração dos preços e posterior queda dos mesmos;
  • Um forte aumento no nível de inadimplência, devido à disparada das parcelas da maioria das hipotecas, que tinham suas prestações pós-fixadas.

            Com a queda nos preços dos imóveis, a dívida não podia mais ser rolada, interrompendo bruscamente o ciclo dos empréstimos predatórios. Ao mesmo tempo, os “bons” devedores, aqueles que realmente apresentavam baixo risco de crédito, percebendo que deviam muito mais que o valor do imóvel, passaram a suspender os pagamentos de suas dívidas.

            Em 2007 o nível de inadimplência havia chegado a níveis alarmantes, com mais de 30% das hipotecas em atraso. Diante do cenário extremamente ameaçador, o banco de investimentos Goldman Sachs passou a comprar swaps de crédito da AIG e a apostar contra os CDO’s que o próprio banco vendia. As compras de swaps de crédito haviam chegado a 22 bilhões de dólares e a possibilidade de falência da seguradora passou a ser cogitada. Neste sentido, o banco foi ainda mais longe e pagou 150 milhões de dólares para se segurar de uma potencial quebra da AIG. O banco Morgan Stanley também fazia operações semelhantes de forma a se proteger da situação desastrosa que ajudara a construir.

            As execuções hipotecárias dispararam, levando a indústria da titularização ao colapso. O mercado de CDO’s quebrou, deixando os bancos de investimento com centenas de bilhões de dólares em empréstimos, CDO’s e imóveis que não conseguiam vender.

            A bolha imobiliária havia estourado!

 

  1. A Crise

             Em março de 2008, o banco Bear Stearns quebrou! A instituição foi então adquirida por dois dólares por ação pelo JP Morgan, operação apoiada por 30 bilhões de dólares em garantias de emergência do FED.

            No dia 7 de setembro de 2008, o governo dos EUA se viu obrigado a comprar os bancos Fannie Mae e Freddie Mac, dois gigantes credores hipotecários à beira do colapso. Dois dias depois, o banco Lehman Brothers anunciou prejuízo recorde de 3,2 bilhões de dólares e suas ações despencaram. Merril Lynch, outro grande banco de investimentos, também estava a beira da falência e foi adquirido pelo Bank of America. Todo setor financeiro estava afundando rapidamente.

            A quebra do Lehman Brothers foi anunciada na noite de domingo, 14 de setembro de 2008. As contas foram congeladas e todas as transações pararam. Os ativos custodiados pelo banco não podiam ser resgatados. Diversas empresas que dependiam do movimento com o banco se viram obrigadas a parar totalmente seus negócios.

            Como consequência da falência do Lehman Brothers, o mercado de crédito congelou. As bolsas do mundo inteiro derretiam. A confiança no sistema financeiro americano já não existia. O medo de uma saída maciça de todos os bancos de investimentos era imenso. O pânico estava instalado. A interrupção do crédito podia destruir a economia mundial de maneira rápida e definitiva!

            Na mesma semana a AIG anunciava uma dívida de 13 bilhões de dólares junto aos detentores de swaps de crédito e não tinha como honrá-la. Metade dos bancos do mundo tinham grandes negócios com a AIG e estavam altamente expostos a ela. A falha no resgate do Lehman Brothers não podia se repetir. Se a AIG quebrasse todo o sistema iria a ruína. Então, em 17 de setembro de 2008, a AIG foi assumida pelo governo norte americano. No dia seguinte os donos dos swaps de crédito, sendo o principal o Goldman Sachs, receberam $ 61 bilhões. A ajuda total a AIG custou $ 160 bilhões.

            Em 18 de setembro de 2008 foi levada ao congresso dos EUA uma proposta de ajuda aos bancos, que somava 700 bilhões de dólares, proposta esta aprovada quatrodias depois.  O objetivo principal a esta altura era fazer com que os bancos voltassem a emprestar. A proposta foi injetar dinheiro nos bancos fazendo do governo sócio dos bancos, uma solução encarada como temporária e como única forma de estabilizar o sistema e tirá-lo da beira do abismo. De forma rápida, 125 bilhões foram injetados nos grandes bancos através da compra de ações preferenciais e, até que o dinheiro voltasse ao Tesouro, restrições foram impostas em deduções de impostos e programas de aposentadoria.

            Após a aprovação do plano, os bancos continuaram fazendo poucos empréstimos e o mercado continuou em queda. A ajuda aos bancos não ajudaram a conter a onda de demissões e despejos. O desemprego aumentou 10% nos EUA e 10 milhões de famílias perderam suas casas na execução das hipotecas. A recessão acelerava-se e alastrava-se globalmente.

            Somente a partir de 2009, os mercados começaram a se estabilizar e a tendência de a recessão global passou a dar sinais de que estava se revertendo. Porém, os efeitos da Crise do Subprime ainda marcam presença

 

Considerações Finais

             A história recente evidencia que a instabilidade no mercado financeiro de alguns países afeta outros mercados, sendo os países emergentes os mais impactados:

            No curto prazo, a realocação de ativos financeiros em nível internacional, provoca flutuações em diversos mercados, incluindo bolsas de valores, renda fixa, taxa de juros, taxa de câmbio, etc.

            Nos médio e longo prazos, são alteradas as perspectivas de crescimento, investimentos, balança comercial, enfim, todas as principais variáveis que influenciam o desenvolvimento econômico dos países.

  

REFERÊNCIAS

 

GREENSPAN, Alan. Epílogo sobre a Crise Financeira. Elsevier, 2008

SOROS, George. O Novo Paradigma dos mercados Financeiros: A Crise Financeira de 2008 e seus Significado. Almedina Brasil, 2009.

KRUGMAN, Paul. A crise de 2008 e a economia da depressão. Elasevier, 2009.

RIBEIRO, Cesar. Os Megabancos e as Crises Financeiras: Uma Análise Teórica e Jurimétrica da Regulação e do Direito Concorrencial. Almedina Brasil, 2015.

BROOKS, Mick. Economia Mundial Em Crise - Onde estamos agora? Marxism, 2008. Disponível em <http://www.marxist.com/financial-panic-where-are-we-now-portuguese.htm> Acesso em 18. abr. 2017.