BLINDAGEM DE PATRIMÔNIO É SUFICIENTE À DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA? PARA O STJ E NA ATUAL REDAÇÃO DA REFORMA DO CÓDIGO CIVIL, SIM!

Por Milton Biagioni Furquim | 16/09/2024 | Direito

Soa recorrente nos tribunais a discussão afeta à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica nos casos em que terceiros, pessoas físicas ou jurídicas, se valem de mecanismos para proteção patrimonial.

Trata-se, em síntese, da famosa tática de “blindagem”, que por décadas vem sendo empregada por operadores do direito, no afã de proteger seus clientes endividados, inviabilizando a imediata constrição de patrimônio em medidas executivas das mais variadas.

E, no último dia 03/07/2024 restou publicado o acórdão nº 2.095.942/PR, da 3ª Turma do STJ, que, por maioria de votos, reformou acórdão do E. TJPR, para o fim de reconhecer que a hipótese de blindagem de patrimônio é suficiente à desconsideração pretendida.

No caso em questão, a cooperativa credora, manejou incidente processual, pelo qual solicitou a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo que as dívidas das pessoas físicas passassem a ser objeto de responsabilização numa empresa agropecuária, criada pelos filhos dos executados.

Assim, instaurou-se o incidente com a alegação de que citada agropecuária estava sendo usada para ocultar o patrimônio dos devedores. O fundamento precípuo se materializou na venda de um imóvel em 1999, por um valor abaixo do mercado, o qual foi posteriormente utilizado para integralizar o capital social da Suscitada.

As instâncias de origem rejeitaram o incidente processual, não encontrando evidências suficientes de que a sociedade foi usada para ocultação de patrimônio. O Tribunal do Paraná destacou que a compra e venda do imóvel, realizada em 1999, não demonstrou fraude ou blindagem patrimonial.

No entanto, o C. STJ, seguindo outras decisões assemelhadas, através do voto do eminente relator, ministro Humberto Martins, deu provimento ao recurso da credora, sendo acompanhado pelos ministros Moura Ribeiro e Marco Aurélio Bellizze.

O ministro concluiu que houve uso da empresa para ocultação de patrimônio em detrimento dos credores e deu parcial provimento ao recurso especial, reconhecendo a possibilidade da desconsideração inversa da personalidade jurídica da recorrida.

Em resumo, assim deliberou aquele julgador:

 

“(…)3.  Embora se reconheça que a desconsideração inversa da personalidade jurídica seja medida excepcional, no presente caso, ficou suficientemente comprovada a finalidade fraudulenta das negociações envolvendo a empresa recorrida, especialmente quanto ao imóvel em questão.

 

  1. Demonstrados os requisitos de desvio de finalidade e o abuso da personalidade jurídica, utilizada para ocultar e desviar bens pessoais dos executados, ficam preenchidos os requisitos legais para desconsideraçãoda personalidade jurídica, na conformidade do art. 50 do CC.

 

(…) Com efeito, de acordo com a doutrina, ‘a fraude que a desconsideração Invertida coíbe é, basicamente, o desvio de bens. O devedor transfere seus bens para a pessoa jurídica sobre a qual detém absoluto controle. Desse modo, continua a usufruí-los, apesar de não serem de sua propriedade, mas da pessoa jurídica controlada” (COELHO, Fábio Ulhôa, Curso de Direito Comercial, Volume 2: Direito de Empresa. 20ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, pág. 70).

 

Assim, no caso em exame, entendo que estão suficientemente demonstrados os requisitos de desvio de finalidade e o abuso da personalidade jurídica utilizada para ocultar e desviar bens pessoais dos executados, com prejuízo à Cooperativa exequente. Também ficou comprovado que o executado (…) (manteve-se na propriedade de fato da Agropecuária “X”, seja pelo depoimento da testemunha transcrito no acórdão, seja pelo documento de ‘Contrato de Parceria Agrícola’, firmado em cartório em 2.015 (fl. 2.050, Ap 1).

 

Nesse contexto, cabe reformar o acórdão recorrido, pois está claro que houve uso da empresa recorrida pelos executados para ocultação de seu patrimônio em detrimento dos credores e que a titularidade da pessoa jurídica pelos filhos dos executados só reforça a presunção de que ela é usada para ‘blindagem’ do patrimônio da família, antecipando-se apenas os efeitos da futura sucessão.”

 

O digno relator, ainda, sopesou a aplicação, ao caso concreto, do Enunciado 283 do Conselho da Justiça Federal, em que se delimita: “É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada ‘inversa’ para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros“.

Há que se destacar, por outro lado, que a Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi e o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva discordaram da citada orientação. Eles avaliaram que não estavam presentes os requisitos para a desconsideração inversa.

No entanto, soa oportuno destacar que essa orientação majoritária da 3ª turma, que culmina na procedência do incidente quando há comprovação de blindagem patrimonial, serve a robustecer, ainda mais, a nova previsão do §3º do art. 50 do Código Civil, caso reste mantida a atual redação fixada pela comissão do Senado Federal, que assim dispôs:

“§ 3º É cabível a desconsideração da personalidade jurídica inversa, para alcançar bens de sócio, administrador ou associado que se valeram da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros.”

 

Como visto, a blindagem patrimonial, por si só, na possível reforma do Código Civil, será objeto de parágrafo específico, de modo a se consolidar a orientação já recorrente dos Tribunais, robustecida pelo recente julgado da 3ª Turma do STJ, no sentido de que a atuação ilícita, materializada na tentativa de ocultação de patrimônio de fato ou de direito do devedor, culmina na responsabilização dos atores de tal empreitada fraudulenta.

Milton Biagioni Furquim