BIOTÔNICO FONTOURA, A BEBIDA QUE FEZ MILAGRE 

O Biotônico Fontoura, com mais de cem anos, ainda frequenta as farmácias brasileiras, mesmo perdendo o status que conseguiu em boa parte do século XX. É um tônico preparado a base de ervas pépticas e aromáticas, além de uma porção de vinho do Porto, na base de 9,5%. Era, segundo o almanaque que vinha com o produto, um santo remédio para a falta de apetite, anemia e outros problemas de saúde. Ainda garoto, ouvi um senhor dizer que era infalível para a vida amorosa num tempo em que o Viagra nem em sonho existia. Se batido no liquidificador com amendoim e ovos de codorna, garantiam que era infalível.

O Biotônico fez a fortuna de Cândido Fontoura Silveira, um jovem farmacêutico de Bragança Paulista, que em 1910, criou a bebida de grande sucesso comercial.  Como ele era amigo do escritor Monteiro Lobato, o convidou para ser editor do Almanaque Fontoura que era distribuído aos milhões, juntamente com o produto. Lembro-me que o almanaque era disputado a tapas em casa, pois todos queriam ler primeiro, apesar da história do Jeca Tatu ser sempre a mesma.

Lá em casa o remédio milagroso estava sempre presente e guardado a sete chaves e o tomávamos diariamente ao lado do insuportável Emulsão de Scot ou óleo de fígado de bacalhau. Um era para abrir oi apetite e o outro como suplemento de cálcio. O tônico parecia tão saboroso que, às escondidas, tomava a segunda dose diária longe dos olhares da mama.  Mal sabia que por conter álcool poderia gerar dependência química, razão pela qual, recentemente o álcool saiu de sua composição por determinação legal.

Aliás, é bom que se registre que nos tempos da “Lei seca” nos EUA, o tônico era exportado em grande escala para esse país, sendo utilizado como um suave aperitivo, já que se apresentava como um inocente tônico fortificante que não atentava contra os “valores puritanos” da sociedade norte-americana.

Ao iniciar um novo emprego na empresa Anakol, fabricante do famoso creme dental Kolynos, na Rua Caetano Pinto, fui surpreendido ao saber que o Laboratório Fontoura, na época vendido para a norte-americano Whitehall Laboratories, funcionava no mesmo prédio, pois ambas pertenciam ao mesmo grupo nos EUA.  No primeiro dia de trabalho, pude então saborear duas doses do tônico servido aos funcionários para estimular o apetite, já que a boia não era das mais convidativas.

Por essas e outras razões, o Biotônico nunca faltava em casa e não por causa das habilidades culinárias da esposa, mas como mera recordação da infância. Um amigo frequentador de nossa casa foi uma vez surpreendido com o tônico como aperitivo, pois aleguei que não tinha nenhuma outra bebida em casa. Ele tomou um cálice e gostou, sem saber que se tratava do famoso Biotônico Fontoura. Esse amigo, o Oscar de Vitto, nunca soube a verdade, pois na época fiquei com receio de comprometer, entre os amigos, a sua fama de conhecedor e apreciador de bons vinhos.  

Há alguns anos, tive uma aluna descendente do criador do famoso tônico. Pelo que pude aferir, os tempos áureos já se foram e os descendentes já não gozam da mesma fortuna. O pai dela era na época um pequeno empresário na área de logística, sem o glamour que o nome teve até os anos 1960.

História parecida, é a da Coca-Cola, que no início tinha a mesma finalidade e seu inventor adicionava uma pequena fração de cocaína, que na época ainda não era proibida. A diferença foi que o criador da bebida mais famosa do mundo, vendeu os direitos por uma ninharia e morreu pobre, enquanto o seu comprador nadou em dinheiro enquanto viveu.

Eis um pequeno aperitivo da fantástica história de um jovem farmacêutico do interior que criou, a partir de uma bebida vendida como remédio, uma grande fortuna. Com o sucesso, o Laboratório se diversificou, produzindo outros produtos farmacêuticos, como antibióticos, antes de ser vendido para o grupo norte-americano. E assim, um produto genuinamente nacional, está nas mãos do Tio Sam, que continua faturando com os royalties da nossa criativa invenção.