Bases Filosóficas da Psicologia de Vygotsky

Robson Stigar

A relação mente-cérebro ou Espírito-Matéria O embate dualístico que ainda há na psicologia envolve a pergunta: a mente é um produto secundário da atividade cerebral, um epifenômeno? Ou ela teria uma autonomia específica em relação ao sistema nervoso central?Dentre as várias concepções filosóficas, temos dois grandes grupos: os monistas e os dualistas.

Dualismo paralelista: Alma e corpo representam duas espécies de realiades totalmente distintas e autnomas, independentes e ininfluenciáveis entre si.

Dualismo Epifenomenista: O cérebro produz ou causa os fenômenos mentais que, por sua vez, seriam epifenômenos do cérebro, mas que não retroagem sobre ele.

Dualismo Interacionista: Há a possibilidade de ação recíproca e de influência mútua entre mente e cérebro. Também é conhecida esta tese por dualismo psicofísico pois há interação constante entre "alma" e "corpo".

Monismo Materialista: Só a matéria e o movimento são reais e eternos (séc. XIX). Não existe nada fora da natureza, a imaterialidade da alma é um mito e os estados mentais são estados físicos. Outra vertente deste materialismo, chamada de Teoria do Duplo Aspecto, afirma que o organismo é unitário, porém revela dois aspectos, um físico e um mental e que não se reduzem um ao outro e nem um é mais válido que o outro. Não há duas realidades, mas dois aspectos de uma só realidade, que é material.

Há ainda o monismo eliminativo e o monismo espiritualista, mas para efeito deste estudo sobre o psicólogo Vygotsky interessam as concepções acima e, aindaIdentidade matéria-espírito: Tese sustentada pelo filósofo Baruque de Espinoza. Os fenômenos naturais e espirituais são a mesma coisa, tendo-se diferentes vias de acesso a uma mesma substância.

Vygotsky: entre o ideário soviético e o Filósofo Espinoza. Na ex-URRSS da época de L. S. Vygotsky é palpável a presença de considerações meteóricas, ideológicas e filosóficas na elaboração da psicologia soviética. Havia um governo sob um partido único com uma ideologia clara e eloqüente (MARX & HILLIX, p. 657) e uma submissão à herança filosófica de Marx, Engels e Lênin. O marxismo-leninismo seria polivalente:

1. uma teoria da realidade e do conhecimento - materialismo dialético. 2. uma filosofia da história - materialismo histórico. 3. uma teoria socioeconômica do capitalismo, socialismo e comunismo. 4. uma teoria tática do movimento comunista internacional.

Uma psicologia que se amparasse nos pressupostos marxista-leninistas não poderia admitir conceitos tais como o princípio da unidade psicofísica, onde a mente formaria uma unidade dialética dupla. Psicólogos tais como Rubinshtein, no início da década de 1950, teve de responder à crítica de que os fundamentos filosófico-teóricos de sua psicologia eram inadequados por afirmarem tal unidade psicofísica. Tratava-se de se buscar uma reconstrução pavloviana da psicologia, buscando-se substituir o princípio da unidade psicofísica pelo monismo materialista, acentuando o material, inclusive os processos fisiológicos do cérebro. O princípio da unidade psicofísica foi considerado dualista, ou seja, uma concepção influenciada pelo ideário idealista.

Vygotsky, em 1924, apresenta uma palestra denominada "Consciência como objeto da Psicologia" no II Encontro de Neuropsicologia realizado em Leningrado e causou impacto ao parecer ir contra a ordem e a autoridade estabelecida (MACIEL: 2001, 60-61). Com sua excelente formação cultural e intelectual, Vygotsky teve acesso, na juventude, à filosofia hegeliana e, mais tarde, foi professor de literatura e psicologia (1917-1923). Sua formação acadêmica incluiu Direito, aulas de História e Filosofia na Universidade Popular de Shanyavskii e ganhou referenciais teóricos no âmbito da Neurologia e Fisiologia. Era de seu interesse conhecer o substrato neurofisiológico das funções psicológicas não se afastando do materialismo histórico e de pensadores humanistas, mas é sua preferência por Baruque de Espinoza que lhe custará perseguições políticas por parte de funcionários do Stalinismo.

A importância de Vygotsky na psicologia moderna foi o destaque do papel determinante da cultura no desenvolvimento humano (idem, p. 63) e nele percebe-se o reconhecimento do primado da linguagem. Aqui vemos o pressuposto marxista de que as mudanças produzidas na sociedade e na vida material interferem na natureza humana. Daí que se questione o conceito de "natureza humana" a partir do marxismo até o Estruturalismo, e no âmbito da Psicologia Evolucionista, fala-se de uma "natureza humana" segundo paradigmas neodarwinianos. O humanismo de Vygotsky não o colocará entre os chamados anti-humanistas, entre eles, o próprio Karl Marx.

Em Vygotsky é clara a interatividade do sujeito com a cultura e como esta cultura vai produzindo o sujeito social. O sujeito é um efeito da cultura se queremos aproximar Vygtosky das assertivas de Foucault (efeitos dos discursos) e de Althusser (efeitos de sujeito), pois que o psicólogo destaca o lugar das interações sociais como espaço privilegiado de construção de sentidos e, portanto, da linguagem como criação do sujeito, a linguagem torna-se o veículo da construção da subjetividade. O pensamento e a linguagem são a chave para a compreensão da natureza da consciência humana. As palavras, segundo Vygotsky, desempenham um papel central no desenvolvimento do pensamento e na evolução histórica da consciência como um todo.

A obra "Pensamento e Linguagem" de Vygotsky pode ser considerada uma contribuição antecipada aos psicolingüistas (MARX & HILLIX, p. 678). No desenvolvimento mental da criança, na interiorização do comportamento manifesto, é crucial o desempenho deste no diálogo esterno transformado em fala interna e pensamento. Não há aqui pensamento sem forma, nem inteligência sem conteúdo.

Podemos verificar que a base filosófica encontrada em Vygotsky admite o humanismo marxista, a dialética hegeliana - comum nos marxismos anteriores a Althusser, o monismo materialista, a metateoria marxista-leninista, e um importante desenvolvimento apontando para o primado da linguagem. Há de se refletir sempre nestes aspectos quando se avalia a psicologia de Vygotsky e se busca utilizá-la criticamente na ação (psico) pedagógica. Não só com relação a Vygotsky, mas com relação a qualquer desenvolvimento e Ciências Humanas, os fatos observados são interpretados segundo diversos pressupostos para serem, enfim, estruturados como paradigmas. É a Ciência que define seu objeto através do paradigma.