A família como toda entidade está sujeita às mudanças, pois esta se encontra interligada com a história da humanidade. A família sempre mudou e continuará modificando. É uma organização mutável, dinâmica, ou seja, acompanha às mudanças da sociedade. As transformações sociais, culturais e econômicas, alteram as estruturas familiares e criam novas formas e modalidades.

[...] não se inicia qualquer locução a respeito de família se não lembrar, a priori, que ela é uma entidade histórica, ancestral como a história, interligada com os rumos e desvios da história ela mesma, mutável na exata medida em que mudam as estruturas e a própria arquitetura da história através dos tempos. Sabe-se enfim, que a família é, por assim dizer, a história, e que a história da família se confunde com a história da própria humanidade. (HIRONAKA, 2000, p.7 apud MILANO, 2008, p. 63).

Sendo a família instituição sujeita as alterações como foi dito, analisaremos tais transformações tendo como foco o papel dos avós dentro deste núcleo. A família já não é mais a mesma, aquela exibida nos filmes, novelas e idealizada por muitos, composta por pai, mãe e filhos tem-se reconfigurado; as causas dessas novas composições são diversas, dentre as quais, cabe destacar: as separações conjugais, a recomposição familiar, ou seja, novo casamento dos separados e a monoparentabilidade. A partir de tais modificações ocorridas neste núcleo os avós têm ganhado novas responsabilidades. Seus papéis são expandidos fazendo parte daquilo que denominamos de novos arranjos familiares. Os avós figuras muitas vezes esquecidas no seio familiar por está situado no espaço de "não-ser", pois já deixaram de produzir tem voltado ao protagonizo na família. Agora já não mais como os bonachões, permissivos e brincalhões; emergem devendo agora impor limites e regras aos seus netos. Novas responsabilidades são conferidas aos avós, demandando destes o auxílio financeiro aos netos ou até mesmo aos filhos, o cuidado com a educação, dentre outros.
A relação entre avós e netos definida até meados dos anos de 1970 caracterizava-se com contatos frenquentes e até mesmo diários, contudo habitando em lugares distintos para que eles se responsabilizassem pelos netos sem ter que lhes impor as regras de disciplina como os pais o faziam; podiam agradar-lhes, satisfazer-lhes as vontades ou até mesmo mimá-los. Depois, os netos retornavam para casa e os pais estavam encarregados de educá-los e impor as normas. Não se pode afirmar que esta relação deixou de existir. Todavia, por fatores já explicitados, têm ocorrido mudanças na estrutura familiar acarretando para os avós o desempenho de funções dos pais. Além das separações, recomposições e a monoparentabilidade; a pobreza, o desemprego, o crescimento da desigualdade social, a escassez de políticas públicas e sociais tem levado a família a acionar seus membros que estão em melhores condições para suprir a carência dos que estão vivendo em mínimas condições.

A pobreza, o desemprego, o aumento da desigualdade social, a insuficiência das políticas públicas e sociais podem ter levado ao aumento de sua contribuição na rede familiar. A precária condição em que vivem os netos tende a mobilizá-los na direção de lhes prestar atendimento. Os avós cuidadores, com sua pouca aposentadoria, procuram ajudar nas dificuldades da família. (VITALE, 2007, p.96).

A rede de proteção social dos membros da família é ativada para a sobrevivência destes. O suporte prestado às gerações mais novas, mesmo que pouco, é uma relevante estratégia frente às expressões da questão social. Os avós possuem rendimentos fixos, aposentadorias, pensões ou benefícios e são com estes rendimentos que prestam o apoio aos filhos e aos netos, ajuda esta que contribui para o não esfacelamento da família.
Segundo Camarano (1999) os idosos estão em melhores condições de vida do que os jovens, com isto a autora não quer dizer que os idosos estão em boas condições em termos absolutos, e sim que a maioria dos idosos possui casa própria e uma renda fixa; esta condição propicia um maior auxílio no orçamento familiar por parte destes. Nos lares cujos idosos chefiam encontra-se uma proporção significativa de filhos morando junto, proporção esta que cresce com o tempo. A autora explica que essa situação ocorre pelas transformações que passa a economia brasileira, culminando em grandes dificuldades na inserção e continuidade dos jovens no mercado de trabalho. Além disso, gravidez precoce, prostituição, violência, drogas são fenômenos que têm aumentado entre o segmento populacional mais jovem e repercutem nos idosos.
Parafraseando com Camarano e El Ghaouri (2003) algumas explicações para a ocorrência da co-residência (co-residência significa morar numa mesma casa com várias gerações) é o fato de que os idosos estão vivendo mais e os jovens estão adiando a idade em que saem da casa dos pais. O período em que os filhos passam como dependentes dos seus pais têm se acrescido, devido à instabilidade no mercado de trabalho, o que dificulta a compra da casa própria e o auto-sustento; o maior tempo despendido nos estudos e a instabilidade das relações amorosas, o que resulta no retorno dos filhos para a casa dos pais juntamente com os netos. A co-residência constitui-se como estratégia de ajuda mútua entre as gerações.
Há uma privatização dos problemas sociais para a esfera privada, a família ganha centralidade para os cuidados dos seus membros, independentemente dessa ter condições matérias para assistir estes. Alencar (2006, p.62) citando Telles (1992; 1996) afirma que a família é uma espécie de garantia ética, moral e material, caracterizada pela lógica da destituição e privação de direitos. Assume-se que as variações na renda dos pais e dos filhos desempenham um papel importante na co-residência.

As dificuldades enfrentadas para a realização dos papéis familiares diante de uniões instáveis e empregos incertos, desencadeiam arranjos que envolvem a rede de parentesco como um todo, a fim de viabilizar a existência da família. (SARTI, 2007, p.29).

A predominância do modelo neoliberal que apregoa o enxugamento das ações do Estado faz com que a família seja cada vez mais requerida para cuidar dos seus segmentos "vulneráveis". A crescente deterioração dos serviços públicos faz com que a família receba responsabilidades antes inexistentes.
A complementaridade família ? Estado parece cada vez mais tênue, depositando-se as famílias uma sobrecarga que na maioria das vezes não conseguem suportar, tendo em vista as precárias condições socioeconômicas em que parcela considerável da população está submetida. Isso se acentua ainda mais quando se trata de configurações familiares que não contam com reconhecimento social e legal, pois, além de todas as questões vividas pelas demais famílias, a elas cabem fazer frente a preconceitos expressos nas relações com amigos, com a vizinhança, com a escola dos filhos e no trabalho, além de não poderem contar, em certos casos, com o amparo legal e previdenciário disponível para as configurações familiares reconhecidas social e legalmente (GUEIROS, 2002, p. 117 apud REZENDE, 2008, p. 54).

As causas citadas trazem consigo diferentes implicações, exigências distintas para os avós. Há avós que cuidam dos seus netos por um período do dia ou durante o dia porque os pais precisam trabalhar não tendo outra opção para deixar as crianças quando estas não estão na escola, outros cuidam em tempo integral, pois toda a família reside no mesmo local.
A maioria deles se dispõe voluntariamente a cuidar dos netos; outros, entretanto, consideram isso uma prestação de serviços e só interferem quando solicitados; outros, ainda, são obrigados a cuidar pela situação que se encontram de dependência econômica dos filhos. Poucos são os avós que não cuidam em alguns momentos de seus netos. (PEIXOTO, 2001, p.? apud VITALE, 2007, p. 95).

O Código Civil coloca como responsabilidade dos avós a prestação de alimentos para os netos, em casos em que um dos progenitores ou os dois não estiverem em condições de prestar alimentos aos filhos, serão convocados os ascendentes, ou seja, os avós. Em seu artigo 1.698:
Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.
Em alguns casos deixam de viver a experiência de serem simplesmente avós adquirindo todas as atribuições dos genitores. É o caso dos avós que obtém a custódia legal dos seus netos; O Código Civil de 2002 elenca três tipos de perda dos pais do poder familiar estes são: suspensão, extinção e perda:
Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.
Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.

Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar:
I - pela morte dos pais ou do filho;
II - pela emancipação, nos termos do art. 5º, parágrafo único;
III - pela maioridade;
IV - pela adoção;
V - por decisão judicial, na forma do artigo 1.638.
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I - castigar imoderadamente o filho;
II - deixar o filho em abandono;
III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.

Os avós que adquirem o poder familiar concedem apoio e assistência aos seus netos. Se não fossem essas figuras, sem dúvida alguma, seria muito maior a quantidade de crianças institucionalizadas ou abandonadas. Outro fator relevante é que o auxílio financeiro prestado aos netos, especialmente entre o mais pobres possibilita o aumento da escolarização das crianças e adolescentes; e ainda contribui para a diminuição do trabalho infantil.
A criança ou adolescente tem o direito tem ser criado e educado no seio da sua família, salvo de ambiente com presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes, é o que afirma o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 19. Já a falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão do poder familiar, artigo 23.

A família põe em evidência a multiplicidade de possibilidades e experiências de vida, organizadas pelos indivíduos com vistas à reprodução biológica e social. Se o desemprego, o trabalho desqualificado e as remunerações insuficientes estruturam o cenário potencial de precariedade da vida, é na família que essas condições ganham materialidade e são transformadas, delineando o modo como às situações adversas, relacionadas à pobreza, se inscrevem no cotidiano familiar. (ALENCAR, 2006, p. 63).

Compreendemos que, nos dias hodiernos, as estratégias de sobrevivência usadas pelas famílias, são criadas e recriadas num contexto muito desfavorável. Se por um lado constatamos que a família, apesar de ter que enfrentar diversas adversidades independentemente de como está constituída hoje continua sendo o melhor lugar para a garantia da sobrevivência, da proteção de seus membros. É ela que proporciona aos seus componentes, suporte emocional, afetivo e material para que os mesmos possam desenvolver suas potencialidades. Por outro lado, as possibilidades que a família tem de concretizar tal amparo são restritas pela realidade social, que é estruturalmente marcada pela desigualdade e pela existência de classes sociais, sendo que muitas vezes o próprio modo de organização familiar configura-se também como uma estratégia de sobrevivência familiar.

Em suma, entendemos que os novos arranjos familiares tendo como foco famílias em que os avós participam como provedores constituem-se uma relação de troca entre as gerações tendo em vista suprir as necessidades dos seus membros. Vemos que os papéis dos avós já não são mais os mesmos, estes agora participam mais ativamente da vida dos seus netos e suas responsabilidades vão desde a simples contribuição com o orçamento familiar até chefiar a família ou mesmo possuir o poder familiar do seu neto. A dinâmica familiar propicia aos avós novas experiências, por mais que em alguns casos a ajuda aos netos seja a única saída para o desenvolvimento das crianças e/ou adolescentes. Os avós sem dúvida alguma ganham um novo status na família, seu papel foi expandido, ampliado e inclusive mudado.