AUXÍLIO-DOENÇA PARENTAL: A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO PARA OS SEGURADOS DO RGPS

PEREIRA, Stephanie Cherubin Gonçalves[1]

BONINI, Luci M M [2]

SILVA, Paulo Leandro[3]

 

RESUMO: Esta pesquisa tem como tema o benefício do auxílio-doença parental, uma vez que o cenário brasileiro contemporâneo não prevê expressamente a concessão deste benefício aos segurados do RGPS. Os objetivos deste trabalho foram: a) identificar a hipótese de concessão do benefício; b) estudar a possibilidade de implementação do benefício; c) buscar casos concretos em que houve a concessão. Esta pesquisa teve como método a revisão da doutrina, da(s) Lei(s) e da jurisprudência emanada de diferentes tribunais. Os resultados mostraram que, apesar da ausência legislativa quanto ao tema, é possível garantir aos segurados do RGPS efetivamente o benefício.

Palavras-chave: Dependentes; Previdência Social; Regime Próprio; Servidores públicos.

 

1 INTRODUÇÃO

O benefício de licença por motivo de doença em pessoa da família é previsto, inicialmente, somente para os servidores públicos da União regulados pela Lei 8.112/90. Refere-se às prestações mensais, em substituição ao salário, nos períodos em que os familiares dos servidores estão acometidos de sérias doenças e estes necessitam ausentar-se do trabalho a fim de acompanhar os tratamentos médicos dos entes queridos. Ocorre que os trabalhadores ligados à Previdência Social também passam por este tipo de situação, mas não são garantidos por tal benefício.

De forma geral, a ausência de equidade no tratamento entre trabalhadores públicos e privados ensejou o presente trabalho. Assim, analisou-se as possibilidades de igualar os direitos destas duas classes de trabalhadores. Observar-se-á em quais ocasiões poderá o benefício ser concedido, os segurados beneficiários, limites referentes ao grau de parentesco, procedimentos e requisitos de concessão.

Como ainda não há lei que garanta de forma expressa o benefício de auxílio-doença parental, em que pese já exista projeto, a solução necessita advir de outras fontes do direito. Assim, buscou-se pelo instituto da analogia estudar as possibilidades de concessão do benefício para os trabalhadores abrangidos pela Previdência Social. Em uma última análise, houve pesquisas de casos concretos a fim de identificar se já a aplicação desta tese pela justiça brasileira.

 

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA SEGURIDADE SOCIAL E PREVIDÊNCIA SOCIAL

O mundo pós Segunda Guerra, apresentava-se de forma fragilizada, com muita destruição, pessoas sem emprego, viúvas, órfãos e enfermos. A partir deste quadro social surge, o Estado Social de direito, ou seja, o Estado garantidor da população. Diante da necessidade apresentada pela sociedade enfraquecida pela guerra, o Estado, efetivamente, passou a amparar a sua população no que chamamos de direitos fundamentais de segunda dimensão, são eles, os sociais, econômicos e culturais. (GARCIA, 2015).

Este período pós-guerra ficou conhecido na história como o “Estado do Bem-Estar Social” (Welfare State). Passava-se a entender que a proteção social era dever da sociedade como um todo, apresentando o caráter de solidariedade até hoje presente, pelo qual todos contribuem para que os necessitados de amparo possam tê-lo. Este conceito é fundamental para a noção de seguro social, já que sem o caráter de proteção de todos por todos, mediante a cotização geral dos indivíduos, não se pode falar em previdência social. (CASTRO, 2017).

A Seguridade Social, foi instituída no Brasil com o advento da Constituição Federal de 1988. Possui amplitude máxima, pois responsabiliza-se não só pela previdência social, mas como pela saúde e assistência social.

3 A PREVIDÊNCIA SOCIAL

Prevista na Constituição Federal de 1988 nos artigos 201 e seguintes, a Previdência Social integra a Seguridade Social é o órgão responsável pela proteção dos seus filiados em ocasiões especiais da vida, como a velhice, doença, reclusão, tempo de serviço, morte de familiares e maternidade.

Importante consignar que a Seguridade Social abrange também a proteção à saúde, bem como a assistência social a todos àqueles que dela necessitarem. Em contrapartida, a Previdência resguardará somente aos indivíduos que reverterem contribuições pecuniárias ao seu sistema e aos seus dependentes.

A Previdência Social é constituída por dois regimes básicos. O RGPS (Regime Geral da Previdência Social) e o RPPS (Regime Próprio de Previdência Social). Ressalta-se que além desses regimes, existe a possibilidade de instituir-se um regime complementar.

 

3.1 O Regime Geral da Previdência Social

O RGPS possui caráter compulsório para toda pessoa que exerça atividade remunerada e facultativo para os maiores de 14 (quatorze) anos que não exerçam trabalho remunerado. A administração fica por conta da autarquia federal, o Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS).

O sistema previdenciário atua com duas espécies de prestações ao segurado e seus dependentes. São elas: a prestação pecuniária, que consiste em um valor determinado pago ao segurado que possui o direito a algum benefício e a reabilitação, programa destinado a recapacitar o segurado para o retorno à vida laboral. (AGUIAR, 2017)

Há um tipo de benefício específico para cada situação e segurado, ou seja, não é todo segurado que faz jus a todos os benefícios existentes. No presente trabalho será estudado especificamente o Auxílio-doença, mas outros podem ser citados. Em benefício do próprio segurados temos as Aposentadorias por Idade, Tempo de Contribuição, Invalidez, Rural e Especial, Salário-família. Já em relação aos dependentes, estes poderão se beneficiar do Auxílio-reclusão, Pensão por Morte e Salário-Maternidade. (AGUIAR, 2017)

Quanto à forma de custeio da Previdência Social, há um dos princípios da Seguridade Social, a Diversidade na Base de Financiamento, que dá azo ao sistema. Extrai-se da inteligência de tal princípio que a Seguridade Social como um todo, deverá ter diversas fontes financiadoras. Basicamente no que tange a Previdência Social, o financiamento será realizado não só pelo trabalhador segurado, mas também como pelo empregador, cada qual incidindo em uma base de cálculo. Há também outros financiadores, como o próprio Estado, Instituições Financeiras, Associações Desportivas com grupo de Futebol Profissional, entre outros. A Lei 8.212/91 regulamenta toda a parte de financiamento e custeio da Previdência Social.

 

3.2 O Benefício de auxílio-doença

Dentre os benefícios garantidos pela Previdência Social, está o Auxílio-doença previsto no artigo 59 da Lei 8.213/91.Trata-se de um benefício concedido ao segurado da Previdência Social que, preenchidos os requisitos legais, ficar incapacitado temporariamente de exercer sua atividade habitual. A incapacidade pode ser proveniente de acidente ou doença, existindo pequenas diferenciações nos requisitos a depender da origem da incapacidade. (AGUIAR, 2017)

No que tange ao Auxílio-doença decorrente de moléstia, este, em regra, exige que o segurado tenha cumprido uma carência mínima de 12 (doze) meses. Todavia, há casos de acidentes de qualquer outra natureza e algumas doenças específicas elencadas no artigo 151 da referida lei que dispensam o cumprimento de tal exigência.

Quanto ao Auxílio-doença acidentário, o empregado que estiver exercendo sua função e decorrente dela se acidentar, terá direito ao benefício. Não há carência a ser cumprida, basta a qualidade de segurado. Ademais, este tipo de benefício garante a estabilidade de 12 (doze) meses no emprego após o benefício ser cessado e a manutenção do pagamento do FGTS durante a percepção.

Todos os segurados da Previdência Social fazem jus ao benefício. Ocorre que os segurados empregados ficam sob a responsabilidade do seu empregador na primeira quinzena da incapacidade, sendo o INSS o responsável pela concessão do benefício somente após este período. Os demais segurados, como o facultativo e o contribuinte individual, são, desde o primeiro dia de incapacidade, amparados pelo INSS.

O requisito da incapacidade é apurado perante o próprio órgão, através de perícias realizadas por médicos privativos do INSS. Importante observar que nem toda doença incapacita o segurado, há de ser levado em conta o grau da doença, bem como o labor desenvolvido pelo mesmo.

 

4 O REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL

O RPPS é obrigatório para o servidor público do ente federativo que o tenha estabelecido. A União o instituiu como forma de amparar seus servidores civis e o regulamentou através da Lei 8.112/90.

Vale observar que os entes federativos não são obrigados a instituir um Regime Próprio. Na ausência deste, os servidores públicos de cargos efetivos serão amparados pelo Regime Geral da Previdência Social. Outrossim, os demais funcionários públicos, como os empregados públicos, ocupantes de cargos em comissão e servidores temporários também serão abrangidos pelo sistema previdenciário de responsabilidade do INSS, conforme disciplina o § 13º, do artigo 40, da Constituição Federal. (AGUIAR, 2017)

No que tange ao custeio, o artigo 40, “caput”, da Constituição Federal, informa sobre as características gerais dos Regimes Próprios, são elas: o caráter contributivo e solidário. A contribuição realizada não somente pelos servidores ativos, mas também como pelo ente federativo, pensionistas e servidores inativos.

Diferentemente do RGPS, o RPPS instituído pela União, possui alguns outros tipos de benefício. Para o próprio servidor há a aposentadoria, auxílio-natalidade, salário-família, licença para tratamento de saúde, licença à gestante, à adotante e paternidade, licença por acidente em serviço, assistência à saúde. Em relação aos dependentes poderá ser instituído a pensão vitalícia e temporária, auxílio-funeral, auxílio-reclusão e assistência à saúde. (AGUIAR, 2017)

 

4.1 Da Licença para Tratamento de Saúde                                                   

Em especial abordaremos o benefício da Licença para Tratamento de Saúde, previsto no artigo 202 da Lei 8.112/90 e regulamentada pelo Decreto n. 7.003/09. Através da interpretação analógica entre este e o benefício de Auxílio-Doença do Regime Geral, iremos analisar a hipótese de concessão do Auxílio-Doença parental em âmbito de RGPS. (AGUIAR, 2017)

Inicialmente, cumpre esclarecer que trata-se de um benefício concedido ao servidor que necessitar se afastar do trabalho por motivos de saúde, como o próprio nome sugere, em igualdade com o objetivo do benefício de Auxílio-doença da Lei 8.213/91.

Tal benefício será reconhecido após a perícia médica oficial admitir a sua necessidade, se a licença não exceder o prazo de 120 (cento e vinte dias no período de doze meses). Sendo a licença necessária por tempo superior, deverá ser realizada perícia por uma junta médica. Todavia, se no correr de um ano, o benefício for requerido somente uma vez por período inferior a 15 (quinze) dias ou não exceder a 5 (cinco) dias, a perícia poderá ser dispensada, conforme artigo 4º do Decreto 7.009/09.

 

4.2 Da Licença por Motivo de Doença em Pessoa da Família

Previsto no artigo 81, inciso I e artigo 83 da Lei 8.112/91, esta licença permite que o servidor público se afaste de suas atividades quando seu cônjuge ou companheiro, pais, filhos, padrasto ou madrasta, enteado ou dependente esteja acometido de alguma moléstia que necessite de assistência direta. (AGUIAR, 2017)

Observa-se que a mera necessidade não é apta o suficiente para ensejar a concessão da licença. A necessidade da assistência do servidor deve ser indispensável àquele ente. Ademais, caso esta possa ser prestada simultaneamente com a atividade pública, assim deverá o ser.

São requisitos para a concessão da licença a dependência econômica do familiar molestado, bem como que conste no assentamento funcional o nome. A doença será avaliada por perícia médica oficial, a fim de comprovar a necessidade de cuidados.

Quanto ao período de concessão, a licença será de até 60 (sessenta dias), consecutivos ou não, sendo mantida neste período a remuneração ou até 90 (noventa dias), consecutivos ou não, com o ônus de ser suspensa a remuneração. Observa-se que transcorrido tais prazos, uma nova licença só poderá ser concedida após o período de 12 (doze) meses, contados da data do deferimento da primeira licença concedida.

 

5 O BENEFÍCIO DE AUXÍLIO-DOENÇA PARENTAL

O benefício de auxílio-doença parental decorre de uma construção doutrinária e jurisprudencial. Tem por finalidade garantir aos segurados do RGPS, o direito de manterem-se afastados de seus trabalhos, recebendo o valor do benefício, quando seus familiares estiverem acometidos de doenças que necessitam de cuidados daqueles.

Trata-se de uma aplicação analógica do benefício de auxílio-doença previsto pelo RGPS combinado com a licença para tratamento de saúde, bem como a licença por motivo de doença em pessoa da família, estes últimos, previstos no RPPS.

Na obra de Ibrahim (2015, p.642), o autor mostra com clareza a razão de existir do benefício de auxílio-doença parental:

...um segurado, fisicamente apto, tem o pesado encargo de cuidar de um parente em estado terminal, com curta expectativa de vida. Havendo elevado sentimento para com essa pessoa, estará ela, muito provavelmente, incapacitada de dedicar-se ao seu mister, possivelmente colocando em risco sua integridade física e das pessoas a sua volta. Obviamente, se coagida a trabalhar, sob pena de indigência, irá exercer alguma atividade, mas isso não é argumento aceitável para excluir-se essa pretensão, pois até mesmo o segurado com doença grave irá se arrastar ao trabalho, se essa for a única saída para a sobrevivência. É justamente para erradicarmos essa situação que a previdência social existe.

 

 

Ainda neste sentido, Gouveia (2015, p. 111) explica o seguinte:

Sem contar que a incapacidade para o trabalho não precisa se dar em razão de problemas físicos/mentais, pode se dar através também de problemas psíquicos, pois a doença no ente querido provoca uma incapacidade ricochete no segurado; embora a patologia coadunadora não ocorra nele, esta provoca naquele um estado de incapacidade por elemento externo, tornando-o absolutamente incapaz de conseguir desempenhar a atividade que lhe garantia subsistência.

 

Destarte, percebe-se que a família, como um todo, base da sociedade, reconhecida constitucionalmente, deverá ter o amparo previdenciários nas situações de doenças. Quando um ente querido está enfermo, consequentemente, todos aqueles a sua voltam passam por preocupações e estresses, principalmente quando não podem dar o auxílio necessário a recuperação. Acarretando assim, como mencionado no trecho acima, uma queda na capacidade laborativa comum.

Os segurados que se veem na necessidade de amparar algum de seus familiares nos momentos de doenças, em um primeiro momento poderiam, por serem os únicos, em tese, responsáveis aos cuidados do enfermo, cogitarem a ideia de se afastar definitivamente do emprego. Todavia, sabe-se que as doenças trazem maiores encargos financeiros. Assim, estaria o segurado em uma situação delicada, pois ao mesmo tempo que se faz mister dispensar tempo aos cuidados do familiar, o valor auferido no emprego se torna ainda mais indispensável.

A Constituição Federal de 1988 prevê como um dos seus princípios a igualdade. Na lição de Celso Antônio Bandeira de Melo (2014, p. 9), “o princípio não se restringe a nivelar os cidadãos diante da norma legal posta, mas que a própria lei não pode ser editada em desconformidade com a isonomia”.

O tratamento desigual entre trabalhadores abrangidos pelo RGPS e RPPS foi de encontro ao princípio constitucional. Assim, a fim de igualar as duas classes de trabalhadores, a doutrina e a jurisprudência socorreram-se da analogia.

Assim como a lei, outras fontes são utilizadas para aplicar o Direito ao caso concreto, pois na ausência daquela ou na sua deficiência, as situações jurídicas não poderão ficar ao limbo.

Na analogia ocorrerá a aplicação de lei elaborada para caso semelhante ao caso sub judice, tendo em vista a ausência da lei para o caso específico. Isto ocorre, pois, o legislador não teria capacidade de formular leis aptas a abranges todas as situações, tendo em vista a constante evolução da sociedade, bem como os diversos fatos e suas peculiaridades no caso concreto.

Segundo lição de Carlos Roberto Gonçalves (2017, p. 73), existem três requisitos para a aplicação da analogia: “a) inexistência de dispositivo legal prevendo e disciplinando a hipótese do caso concreto; b) semelhança entre a relação não contemplada e outra regulada na lei; c) identidade de fundamentos lógicos e jurídicos no ponto comum às duas situações”. Todos estes requisitos são verificados no caso se concessão do benefício em comento.

Outrossim, os direitos à vida, à saúde e a uma vida digna, além da proteção integral prevista em favor da criança pela Constituição de 1988, coaduna com o objetivo deste benefício. Ademais, na seara da seguridade social, o princípio da universalidade da cobertura também vai ao encontro do auxílio-doença parental.

Assim, conforme dispõe o art. 227 da Lei Maior, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à dignidade, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência. Portanto, a concessão de auxílio-doença parental nos moldes da licença remunerada do trabalhador na hipótese de doença de pessoa da família, prevista nos artigos 81, I e 83 da lei 8.112/90, dá máxima efetividade ao Texto Constitucional.

No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente, corroborando os preceitos estabelecidos na Lei Maior, em seu art. 3º estabelece, entre outras coisas, que a criança goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

O Senado Federal também já reconheceu a necessidade do benefício, editando o projeto de lei sob n. PLS 286/14, que ainda hoje tramita perante o Congresso Nacional. Esta inovação legislativa acrescentaria à Lei 8.213/91, que dispões sobre os planos de benefício da Previdência Social, o artigo 63-A, instituindo taxativamente o denominado “auxílio-doença parental”. Assim o novo dispositivo contaria com a seguinte redação:

Art. 63-A. Será concedido auxílio-doença ao segurado por motivo de doença do cônjuge ou companheiro, dos pais, dos filhos, do padrasto, da madrasta ou do enteado, ou de dependente que viva a suas expensas e conste de sua declaração de rendimentos, mediante comprovação por perícia médica, até o limite máximo de 12 (doze) meses, nos termos e nos limites temporais estabelecidos em regulamento.

 

Atualmente o projeto de lei encontra-se na Câmara dos Deputados, aguardando votação. Na justificação à Lei, a senadora Ana Amélia, argumenta que a interpretação legislativa deve ser no sentindo da função social que esta disciplina. Neste caso, a cobertura dos riscos sociais.

Vale observar que não se desconhece do artigo 195, § 5°, da Constituição Federal, onde está previsto o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema, ou seja a precedência do custeio. Em que pese não seja um princípio expresso no texto constitucional, tal regra, conhecida como regra da contrapartida, prevê que a criação, instituição, majoração ou extensão de benefícios e serviços devem estar calcadas em verbas já́ previstas no orçamento.

Em um primeiro momento, diante a omissão legislativa, através da analogia, o benefício do auxílio-doença parental estaria sendo concedido apenas com uma abrangência maior daquela já prevista em lei para o auxílio-doença “comum”. Destarte, como os beneficiários, são, em tese, os mesmos que já teriam direito à concessão, portanto, já há a previsão orçamentária.

Ademais, conforme todo o explanado acima, sequilíbrio financeiro e atuarial do sistema.

Posteriormente, resolvendo o legislador regulamentar expressamente o benefício de auxílio-doença parental, a lei que de fato instituir o benefício deverá, a partir de então, cuidar para que seja previsto no orçamento.

Ademais, ainda nesse sentido, o Juiz Federal, José Antonio Savaris, em entrevista para a revista da Defensoria Pública da União sobre o benefício do auxílio-doença parental, explana:

...É importante, antes de tudo, lembrar que o juiz não deve se limitar a decidir um problema concreto de acordo com o que está expressamente disposto no texto legal, como propunha a escola exegética e outras correntes metodológicas positivistas redutoras da tarefa judicial. Dizer isso hoje é incorrer em um lugar comum, pois ninguém mais sustenta seriamente que, no atual contexto metodológico, o juiz deve pautar-se apenas pelo que expressa a letra da lei, desconsiderando a eficácia normativa dos princípios. Especialmente no campo da seguridade social, é importante recusar o argumento mais elegante, mas que é irmão gêmeo do velho postulado positivista da subsunção. Refiro-me ao argumento falacioso de inviabilidade de concessão de benefício em contrariedade ao princípio constitucional da precedência do custeio. Segundo a metodologia que predominou no século XIX, seria inviável a concessão de benefício previdenciário quando não cumpridos todos os pressupostos e condições que se encontram expressas no texto legal. Mas essa metodologia está presente ainda atualmente, quando se nega a proteção social ao argumento de que inexiste fonte de custeio específica a lhe corresponder. Ora, dizer que não é viável a pretensão, sob o argumento de violação à precedência do custeio, é a mesma coisa de dizer que não é devida a proteção por ausência de expressa previsão legal. Falei sobre isso em artigo que disponibilizei na internet e que tinha como objetivo criticar o que chamei de interpretação perversa do princípio da precedência do custeio, que se tornou um argumento de ouro da procuradoria federal (argumento alakazan, chamei). É preciso sempre lembrar que a disposição segundo a qual “nenhuma prestação da seguridade social será criada, majorada ou estendida, sem a correspondente fonte de custeio” não leva à compreensão de que o juiz, quando da solução de problemas concretos, deva limitar-se a aplicar o texto legal. Mesmo porque essa disposição constitucional não se destina ao magistrado, mas às instâncias políticas...

 

5.1 A concessão do benefício em casos concretos

Atualmente, alguns segurados já obtiveram, perante o primeiro grau, a concessão do benefício.

É o caso de Rosana, residente no município de Salesópolis, estado de São Paulo. Seu filho, João Gabriel, portador de leucemia necessitava de cuidados diários da genitora. Assim, buscou auxílio jurídico para que obtivesse o direito de amparar seu filho durante os diversos tratamentos em que seria submetido. Houve o ajuizou a ação requerendo a concessão do benefício do auxílio-doença parental.

A concessão do benefício foi efetivada em sede de tutela provisória. A decisão judicial, proferida pelo juiz Alexandre Miura Iura, destacou a necessidade de cuidados em tempo integral, em razão do seu estado de saúde. Ademais, afirmou ainda que: "A autora possui uma remuneração baixa [...]. Logo, caso não puder cuidar ela própria de seu filho, não terá condições de contratar alguém que o faça."

As decisões judicias a favor do benefício são raras, além desta acima citada, encontramos mais uma com notória fundamentação, proferida pela Turma Recursal de Santa Catarina, in verbis:

Para ilustrar tal situação, vejam este caso, que é digno de lágrimas pela situação e de palmas pela saída encontrada com base na tese do advogado, no laudo médico-perito e na excepcional decisão do Julgador: [...] Pelo que se extrai dos documentos juntados com a inicial e da análise da perícia judicial realizada, a enfermidade que acomete a filha da postulante bem como a expectativa de sobrevida é o limite de 1 ano de idade, em razão de complicações pulmonares, sendo que no caso a criança já conta 1 ano e 3 meses de vida, criando para a autora um quadro tal em que, ao mesmo tempo em que acredita na possibilidade de recuperação da filha, também tem conhecimento de que não existe possibilidade médica de cura e o pior, que a cada dia passa mais próximo está de uma notícia desalentadora. Evidente assim que, apesar de fisicamente a postulante não ter qualquer limitação para o trabalho, sob o ponto de vista psicológico, conforme destacado pela perícia judicial, não vislumbra qualquer possibilidade de que a autora possa desenvolver atividade profissional. No caso, não se pode desconsiderar o fato de que a criança necessita de um acompanhamento individualizado que é feito pela mãe já que a UTI tem apenas atendimento coletivo, conforme consta da perícia. Já a contratação de uma enfermeira para atendimento individualizado até poderia suprir a necessidade médica da criança, mas sem o contato afetivo mãe-filha que, nos termos da perícia médica, gera à criança “maior possibilidade de sobrevida, segurança e conforto familiar”. Dessa forma, tanto pelo lado psicológico da mãe, que não conseguiria qualquer rendimento satisfatório indo trabalhar e deixando a vida de sua filha esvair-se no hospital, quanto pelo lado da criança, que tem maior expectativa de vida ao receber o atendimento materno, verifica-se que não existe a mínima capacidade laboral por parte da requerente. [...] Em sendo assim, a conclusão desse juízo é que existe direito à concessão do benefício auxílio-doença, a ser mantido enquanto persistir o quadro fático noticiado nos autos [...][4]

 

Infelizmente, a concessão ao benefício vem encontrando barreiras perante os órgãos superiores. Entendem os MM. desembargadores que o óbice à concessão do benefício se dá pela ausência legislativa sobre o tema. Neste sentido:

 

TERMO Nr: 9301172164/2016 PROCESSO Nr: 0001155-37.2016.4.03.6344 AUTUADO EM 23/06/2016 ASSUNTO: 040105 - AUXÍLIO-DOENÇA (ART. 59/64) - BENEF. EM ESPÉCIE/CONCESSÃO/CONVERSÃO/RESTABELECIMENTO/COMPLEMENTAÇÃO CLASSE: 16 - RECURSO INOMINADO RECTE: SEBASTIAO AUGUSTO DE BARROS ADVOGADO (A)/DEFENSOR (A) PÚBLICO (A): SP287826 - DEBORA CRISTINA DE BARROS RECDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - I.N.S.S. (PREVID) ADVOGADO (A): SP999999 - SEM ADVOGADO DISTRIBUIÇÃO POR SORTEIO EM 23/08/2016 10:45:30 JUIZ (A) FEDERAL: OMAR CHAMON I- VOTO-EMENTA PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA TERMINATIVA. RECURSO DA PARTE AUTORA. PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO PARA ADENTRAR O MÉRITO E JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL. 1. Trata-se de ação em que a parte autora pretende a concessão de benefício que o denomina de “auxílio-doença parental”, terminologia utilizada no projeto de lei que tramita perante o Congresso Nacional iniciada no Senado Federal sob n. PLS 286/14, que inclui dispositivo à LBPS prevendo a concessão “auxilio-doença ao segurado por motivo de doença do cônjuge ou companheiro, dos pais, dos filhos, do padrasto ou madrasta e enteado, e dependente que viva a suas expensas e conste da sua declaração de rendimentos, mediante comprovação por perícia médica, até o limite máximo de doze meses, nos termos e nos limites temporais estabelecidos em regulamento.” 2. A r. sentença deixou de apreciar o mérito, nos seguintes termos: Trata-se de ação em que o autor requer provimento jurisdicional para receber o benefício de auxílio doença parental. Alega que sua esposa se encontra doença e necessita de sua ajuda permanente, o que o incapacita para o trabalho. Decido. O benefício pleiteado não encontra previsão legal no ordenamento jurídico pátrio. O Juiz - que não dispõe de função legislativa - não pode conceder, ainda que sob fundamento de isonomia ou analogia, beneficio em favor daquele a quem o legislador, com apoio em critérios impessoais, racionais e objetivos, não quis contemplar. Entendimento diverso, que reconhecesse aos magistrados essa anômala função jurídica, equivaleria, em última análise, a converter o Poder Judiciário em inadmissível legislador positivo, condição institucional esta que lhe recusou a própria Lei Fundamental do Estado. Isso posto, reconhecendo a impossibilidade jurídica do pedido, julgo extinto o feito, sem resolução do mérito, a teor do artigo 485IV do CPC[...]ACÓRDÃO Decide a Quinta Turma Recursal do Juizado Especial Federal Cível da Terceira Região - Seção Judiciária de São Paulo, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto da Juíza Federal Relatora. Participaram do julgamento os Senhores Juízes Federais: Omar Chamon, Kyu Soon Lee e Luciana Ortiz Tavares Costa Zanoni. São Paulo – SP, 25 de novembro de 2016. (data do julgamento).

 

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Seguridade Social está prevista no ordenamento brasileiro para amparar a todos que dela necessitarem. Quando o benefício de auxílio-doença parental é indeferido pelos motivos acima expostos, em especial a ausência de previsão orçamentária, observa-se que outros princípios ainda mais importantes, como a dignidade da pessoa humana, acabam sendo menosprezados.

O instituto da analogia encontra-se positivado no ordenamento jurídico justamente para suprir as lacunas existentes na lei. Assim, o julgador não estaria exercendo função legislativa, pois não estaria criando um benefício inexistente, tampouco lhe concedendo a pessoas que o legislativo não pretende. Ao contrário, estaria apenas dando maior abrangência a lei existente para pessoas já determinadas pela mesma. No que tange ao custeio, não vemos como ausência de previsão legal, seguindo o norte que já a previsão orçamentária para o auxílio-doença, apenas estendendo-se aos segurados que possuem seus familiares incapacitados, causando por via reflexa a sua própria incapacidade.

Em uma análise final, diante das divergências apontadas e encontradas, tendo em vista a existência do projeto legislativo, já em tramite, para a concessão do benefício, a sua aprovação encerraria, em um primeiro momento, com os óbices à concessão do benefício encontrados por alguns de nossos magistrados. Assim, por fim, a Seguridade Social atingiria a plenitude de seus objetivos nesta seara, concretizando todos os seus princípios e em especial a dignidade da pessoa humana.

 

 

Referências

AGUIAR, Leonardo. Direito Previdenciário: curso completo. 1 ed. Minas Gerais: Instituto Lydio Machado.

 

BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado. Disponível: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=118676. Acesso em: 26 de fevereiro de 2018.

 

BARBOSA, Maiara. Mãe conquista direito previsto em lei apenas para servidores públicos federais para cuidar do filho. G1, Mogi das Cruzes, 25/04/2017. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/mogi-das-cruzes-suzano/noticia/mae-conquista-direito-previsto-em-lei-apenas-para-servidores-publicos-federais-para-cuidar-do-filho.ghtml. Acesso em: 28/02/2018.

CASTRO, Carlos Alberto Pereira e LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 20 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

 

 

GARCIA, Leonardo. Coleção sinopses para concursos Direito previdenciário. 5. Ed. Salvador: JusPodivm, 2015.

 

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral. 15. ed.São Paulo: Saraiva, 2017.

 

GOUVEIA, Carlos Alberto Vieira de. Benefício por Incapacidade & Perícia Médica: Manual Prático. 2. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2015.

 

MELLO, Celso Antônio Bandeira. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2014.

 

SANTOS, Marisa Ferreira. Direito Previdenciário Esquematizado. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

 

SAVARIS, Jose Antônio. Entrevista concedida ao Jornal da Escola Superior da Defensoria Pública da União. Ed, n 4, ano 2. Disponível em: http://www.dpu.def.br/esdpu/forumdpu/4-edicao. Acesso em: 09 abril 2018.

 

[1]Bacharelanda do Curso de Direito da Universidade de Mogi das Cruzes,. [email protected]

[2]Luci M.M. Bonini, Dra. em comunicação e Semiótica pela PUC-SP, docente na Universidade de Mogi das Cruzes, [email protected]

[3] Paulo Leandro Silva, Juiz Federal, docente da Universidade de Mogi das Cruzes, [email protected]

[4] Processo 2006.72090007861/SC – Sentença Publicada em 23.06.2006. Trânsito em Julgado em 09.11.2006 – Turma Recursal de SC – confirmou por unanimidade a sentença a quo.