Auto-Liderança (Self-Leadership)
Por Kauam Sarabi Moreira | 20/04/2016 | AdmLidere a si mesmo antes dos demais.
"O homem não serve aos interesses de nenhuma criatura se não os dele"
(George Orwell - A Revolução dos Bichos)
Com o passar dos anos, cada vez mais essa célebre frase de George Orwell passou a ser interpretada quase que literalmente (até pelo contexto da obra em que se apresenta) como um símbolo das características egocentristas do ser humano, como espécie coletiva e dominante.
No entanto, como tudo na obra de Orwell é dotado de dupla interpretação e estamos falando do homem que contestava, em outra obra (1984), a insanidade de se tornar uma "minoria de um", não podemos ignorar a ressaltada importância que se dá a algo quase que instintivo, embora tão mal desenvolvido, no ser humano em si, a "Auto-liderança".
Afinal, o que é a Auto-liderança, esse preceito intangível que é base para qualquer busca por liderar, gerir ou empreender?
Primeiramente se faz necessário compreender a verdadeira origem dos interesses pessoais de cada um. As teorias são diversas, mas talvez a mais completa, e ao mesmo tempo uma das mais simplificadas, seja a "Pirâmide (ou Hierarquia) das Necessidades", de Abraham Maslow. Não nos parece, de forma nenhuma, estranho admitir que nossos interesses estejam ligados diretamente às nossas necessidades primárias, certo?
O que Maslow faz é uma análise sobre a variação cíclica das nossas necessidades, priorizando-as de forma temporal, de acordo com a variação dos cenários da vida de cada um. São necessidades básicas que estão sempre presentes na construção motivacional do ser humano, mas que são separadamente priorizadas em relação ao momento/cenário em que se vive. Essas necessidades são classificadas entre fisiológicas, por segurança, sociais, da estima e, por fim, por nossa auto-realização.
É justamente a identificação dessas prioridades momentâneas, provinda do esforço pelo auto-conhecimento, e, principalmente, do planejamento dos diversos ciclos de satisfação seletiva dessas necessidades, que nos permite qualificar e desenvolver nossa Auto-liderança.
Expressa em definição, por Bryant & Kazan, a Auto-liderança se desenvolve com a influência intencional dos próprios pensamentos, sentimentos e comportamentos de forma a atingir seus objetivos ou, também por definição, satisfazer aos seus interesses e, potencialmente, suas necessidades.
Ainda de acordo com esses dois renomados autores no campo da Liderança e Auto-liderança, os Auto-líderes tendem à autonomia, são tomadores de decisões, ainda que simples, em detrimento à procrastinação das mais complexas, são criativos e, acima de tudo, resilientes (persistem, mesmo que em face de adversidades).
Dentro dessas duas teorias, destacamos algumas características e comportamentos chave dos Auto-líderes: Como dito, o auto-conhecimento; a auto-percepção; a auto-avaliação e, por conseguinte, a auto-crítica; o auto-desafio; a auto-motivação (não que exista outro tipo de motivação, mas entramos mais nessa questão quando falarmos da liderança de equipes); o auto-incentivo; a comunicação assertiva; a busca pelo conhecimento; a habilidade para dar e receber feedbacks, além da de filtrar, com humildade, e agir após a recepção de um; e a adaptação a diversos cenários.
É preciso que se entenda que a Auto-liderança é um processo contínuo e permanente, e exercê-la implica em apegar-se a esses conceitos, sabendo quando abrir mão de suas posições, ainda que parcialmente, em prol de um planejamento de longo-prazo, sem abrir mão, no curto, de seus princípios e valores morais (a diferença entre moral e ética será abordada no nosso artigo sobre a liderança de organizações) e, claro, sem comprometer a busca, de curto ou longo-prazo, pela satisfação de suas necessidades, primária na construção desse planejamento.
Os benefícios dessa postura são diversos. O primeiro deles, certamente, é a ampliação da capacidade de liderar como um todo. A chave da liderança de pessoas, processos, equipes, projetos, estratégias, organizações, enfim, de qualquer coisa, é o aprofundamento do auto-conhecimento e, consequentemente, da Auto-liderança.
É claro que esse acréscimo na capacidade de liderar afeta, positiva e diretamente, as organizações, que passam a ter uma força de trabalho mais comprometida e resiliente, um planejamento muito mais eficiente no que tange ao atingimento dos objetivos comuns, um processo criativo, inovador, rápido e otimizado para tomada de decisões e um trabalho em equipe cada vez mais colaborativo e enriquecedor.
Certamente a Auto-liderança, também como versam Bryant & Kazan, deve ser a fundação de qualquer programa ou estratégia organizacional. "Pular" os preceitos da Auto-liderança é "deixar de lado" uma parte significativa e fundamental do desenvolvimento de uma organização e de suas lideranças estratégicas, criando e incentivando líderes "desconhecedores de si" e, portanto, incapazes de identificar reais interesses, necessidades e fatores motivacionais de outrem. Seriam, então, líderes, se não lideram nem a si mesmos?
A Auto-liderança, associada às estratégias organizacionais (ou pessoais, oriundas do já citado planejamento estratégico), são capazes de "sustentar" todos os níveis de liderança, desenvolvimento de equipes (ou times, grupos sociais, famílias) e planejamento de novas estratégias, alimentando um também contínuo e permanente, potencial, ciclo virtuoso em qualquer aspecto da vida pessoal, familiar, sociopolítica ou profissional.
Parafraseando nosso nome/modelo de gestão, não há "Life Management" sem o desenvolvimento primário da Auto-liderança.
Reconheçamos o nosso cenário e conheçamos nossas virtudes, deficiências, vantagens, desvantagens, desejos, interesses, reais necessidades e valores morais, consolidando-os na construção de um "eu" (ego) focado e resiliente, indomável às dificuldades e desafios da vida, porém sob total auto-controle e direcionamento, em constante adaptação e crescimento.
Liderem-se, e já terão feito o mais difícil. Continuar liderando, a que ou quem quer que seja, nada mais é do que a continuidade de um instinto natural desenvolvido.