Aut'orq Mòr
Publicado em 09 de outubro de 2011 por David Guarniery
Se me Dédalo
O quarto for
Aprecio o surgir d’aurora
Na clara noite
Em que devasso-me
Absorto
Na especialidade do dia
Do regresso
Dos meus importantes.
Cedo-me à ansiedade
Quando ausência fez saudade
Decompondo a tacidez
Da diuturna madrugada.
Não indolente
Tento alguns pertences
À porta do quarto
Apanhar
Antes, porém
A luz me sobrevém
Pelo óculos
A melhor enxergar
Mas... nada vejo
Que não... o inane.
Preparo café simples
Pão, manteiga... e pó
Que, da mesa, aparto
Ao novo dia.
Há cadeira vazia
O silêncio de anos
Uma década de solidão
É quase coma.
Um suicídio latente d’alma
E me calo
Ofertando à boca
O que jaz frio
Da mesa... limpo
Os resquícios
Quase hipóteses...
Promiscuo vulto
No fortuito outono
De cada dia.
A graça... dou-me
Em banho hábil
Que não sinto.
Não há xampu
Para quem omite
De àlma lavar
Mas ainda há
Do sabão
Do mês passado
O que, puindo
Iliba-nos
O ufano espírito
E pele frágil
Pela apatia... corroída
Do alívio que limpa
Por mais matar.
Enxugo-me
O corpo
Na camisa de ontem
Visto o que de veste
Serve-me
À carne falsa.
Por sobre o corpo
A calça
Mas não a branca camisa
Deste dia que celebra
Meu oitavo nascimento.
Não ainda
Que a família... vêm.
Um corte... pede
O cabelo.
Na gaveta da sala
Não há tostão algum
Nem debaixo da cama
Nem na lata da cozinha
Na meia... não.
Òfício ofendo
A tesoura... apanho
E dou-me o luxo do corte
Anos oitenta
Quinta, às onze
E lua plena.
E, por instantes
Diuturno átimo
D’angústia feita
Contemplo ao lado
O quarto
Não hoje abrirei
Que hoje é de júbilo... o dia
Do reencontro que exala
A vã lamúria
Da espera
Dos filhos... o abraço
O repulsivo ósculo
Da bela minha esposa
Que me quase um não delírio
Fora
Terei o termo
À compunção
O alentad’olhar de irmão
E o cobiçado perdão de mãe
Que me garante a paz
Do pai... não sei.
Não almoço
Muito embora seja o tempo
A pressa do corpo
E tua fome...
Era apenas hábito
E prioridade do luxo
Da casa... ausente
O feijão cozido
Arroz solto e branco
O santo trigo
Ou caruncho destes
Ao menos...
Mas nada há
Para quem divaga
Exceto... o mesmo pó
Da carne quando só
Por entre o paletó
À espera de mim...
Pó na pia
No fogão quatro bocas
E máquina de lavar...
Pó se me penso
Do corpo a que pertenço
Nas vazias vis gavetas
Do meu cético senso...
E na dispensa... da fome
N’ausência do nome
Pó por sobre a cama
Às ruínas de quem ama...
E no divã
Cinzas... não mais que pó.
Pó só não há do quadro
Que esse é de láudano
Esvaindo-se a lógica
No esmaecer
Do único tom.
A placidez apavora:
Ora... o quarto
Ora... o horizonte
Inalterável
Desta vida
Em forma fútil
Que comigo... padece.
Ora... a saudade
Delatando-me pelo fado
Na mais perpétua aflição
Que me aclama... a voz
Que do quarto... vem
Vou... volto... fico
As unhas mordo
Com cautela
Que alguém pode
Os arcanos desta vida
Descobrir
Nos ensejos póstumos
À morte da insistência:
Filho não veio
Nem esposa
Nem mulher severa
Ou gentilmente meretriz.
O mendigo sim... entrou.
Deitou. Dormiu.
Vomitou na camisa branca
E paletó por sobre este
Sepultado
Naquela mesma aurora.
Contemplo o turvo quarto
Quarto que há muito
Abrir detenho-me
É quarto sórdido
É cheio de terra... não pó
E terra de muito tempo
Lembranças aduz
D’alma lúgubre
Deste vil... e corpo... e só.
Vem do quarto
Òdor da casa fétida
A dor maior da existência:
Um féretro
Rosa negra
Vel’acesa
E defunto.
O segredo pelo qual
Valeu à pena
Mentir...
O tormento das obras
Àlma exposta
Ao fracasso
De um velório indigno
A minha efígie... finda-se
Aquele quarto
Me chama.
Felizes são os vermes
Cuja vida lhes permite
Nutrir apenas um corpo
E nunca um sonho...
Autor: David Guarniery
Idade: 21 anos
Início: 18:00
Término: 18:20
Tempo Gasto: 20 minutos
Dia: Domingo
Data: 22 de julho de 2007
Classificação: Poética Lúgubre
Obra: 003
In Memoriam:
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Brasil/ Paraná/ Cambé