Autor: Rosaria Maria de Castilhos Saraiva 

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Diversos têm sido os problemas enfrentados pela educação brasileira nas últimas décadas. A bibliografia sobre as questões educativas é extensa e denuncia a baixa qualidade de ensino oferecido pelos sistemas escolares. As dificuldades de aprendizagens lideram as estatísticas da evasão escolar, aliadas à indisciplina em sala de aula, as deficiências na formação docente, a inadequação curricular Estes eoutros motivos, vêm concorrendo, em maior ou menor escala, para a produção do fracasso escolar, evidenciado pelos altos índices de abandono da escola.

Em 1954, Moysés Kessel, segundo Patto (2009), publicou uma estatística, apresentando a situação da educação em meados do século passado no Rio de Janeiro. No referido levantamento, ficou constatado que do total das crianças que se matricularam pela primeira vez na primeira série em 1945, apenas 4% concluíram o primário em 1948, sem reprovação. Ainda Ribeiro(1984), afirma que "de uma amostra de 100 alunos matriculados na 1a série, apenas 3% vão se graduar sem nenhuma repetência em sua trajetória escolar, ou seja, em 8 anos" (p.67).

De acordo com o Censo de 1996 do IBGE, existiam aproximadamente 29,4 milhões de indivíduos analfabetos no Brasil, o que colocava o Brasil entre os países com as maiores taxas percentuais de analfabetismo.

            No ano de 2014, os pesquisadores do IBGE registraram o total de 300 mil analfabetos a mais do que em comparação com a amostra de 2011.

O primeiro século do terceiro milênio também não nos oferece razão para otimismo. Talvez, “maquiados” pelo oferecimento de bolsas para os mais carentes, os resultados apresentados pelos Censos, informam uma redução acentuada nos índices de repetência e abandono. Entretanto, estudos mais recentes, realizados por Castilhos- Saraiva (2014), detectaram que dos 280 alunos que iniciaram o sexto ano do Ensino Fundamental, em 2006, em uma escola pública do Rio de Janeiro, apenas 27 alunos,(o que representam 96,43 %) ,conseguiram terminar o nono ano sem sofrer reprovação, números esses que também expressam de forma clara, o fracasso escolar.
 Muitas décadas separam essas estatísticas, mas os dados demonstram que a escola pública permanece sem atender ao propósito para o qual foi criada, isto é, oferecer um ensino de qualidade e condições de satisfação para que os alunos aprendam e nela permaneçam.

Uma conclusão imediata e inegável dessa situação é a de que o fracasso escolar existe e tem a força da exclusão de alunos e alunas da escola e, muito provavelmente, da sociedade. Basta um olhar atencioso nas proximidades dos sinais de trânsito para que seja confirmada a presença de meninos e meninas (provavelmente os evadidos da escola), limpando para-brisas, vendendo balas, pedindo moedas, ou mesmo cometendo pequenos delitos, quando deveriam estar na escola.Novas perspectivas de análise podem, então, ser aventadas para que se possa alcançar um melhor entendimento.

 

            Assim, para auxiliar neste, que talvez seja um dos maiores problemas – dificuldades de aprendizagem - não só do Brasil, mas em níveis mundiais (mesmo que de forma mais amena em outros países), surge a Psicopedagogia assim como o objeto desta investigação: Quais as contribuições do Psicopedagogia Institucional no combate ao fracasso e a evasão escolar de alunos da escola pública de nosso País?

        Autores diversos, tais como Bossa, Fernandez, Paín, Weiss, entre outros, referem-se à Psicopedagogia como uma eficaz alternativa na busca da compreensão dos motivos que subjazem o fracasso escolar e, consequentemente através dela, poderão ser apresentados caminhos para a melhoria do processo educativo.

      Neste sentido, alguns questionamentos foram refletidos pela Psicopedagogia, oferecendo oportunidades para o surgimento da Psicopedagogia Institucional. Estes questionamentos abordam os problemas educativos de forma mais abrangente, diminuindo a ação culpabilizadora do aluno pelo seu próprio fracasso, tais como:         Os problemas de aprendizagem apresentados pelos alunos poderão ter como causa, também, a ação didática do professor? A escola tem oferecido ensino significativo aos seus alunos ou permanece na reprodução de conteúdo de forma mecânica e descontextualizada? Descrições apresentadas pelos docentes referindo-se aos alunos, como “eles não querem nada”, não poderiam estar escondendo problema de rejeição a um modelo escolar que não se atualiza? Profissionais desatualizados dos conhecimentos pedagógicos não poderiam estar contribuindo para o desencanto dos alunos e consequentemente, levando-os ao fracasso e a desistência de estudar?

Por outro lado, enfocando-se a perspectiva dos professores, o sistema educacional mais amplo parece ser o foco principal das queixas, dificuldades e experiências negativas que vivenciam diariamente em seus ofícios. A crença generalizada é a de que o sistema não os ouve, não os deixa falar e que eles se constituem como "vítimas deste sistema".

Em sendo assim, parece difícil, se não impossível, acreditar que profissionais frustrados, desmotivados, aviltados em seus direitos, com baixas expectativas ou injustiçados possam conduzir com êxito o processo de extrema complexidade que é o ato de ensinar.

Não poderia essa resignação ser fruto de fatores emocionais ou ideológicos, que fazem os docentes eximirem-se de qualquer responsabilidade e imputar ao próprio aluno a culpa por seu fracasso? Não estariam, ainda que não conscientemente, auxiliando o aumento do desencanto dos alunos com referência à escola?

Tendo em vista as considerações tecidas, este trabalho tem como objetivo geral analisar e compreender o modus operandi do cotidiano escolar, suas contradições e as contribuições da Psicopedagogia Institucional em escolas públicas, como meio de desvelar os problemas associadosàatividades pedagógicas que possam implicar no fracasso e na evasão escolar.

 Para o atendimento a este objetivo geral, foram traçados os seguintes objetivos específicos: Descrever as considerações tecidas por diversos autores com relação as formas de agir dos professores. Apresentar, de forma propedêutica, a relação complexa das causas das dificuldades de aprendizagem Descrever ações psicopedagógica no cotidiano escolar com vistas a minimizar tal fenômeno. Identificar as implicações dessarelação para o entendimento fracasso/sucesso escolar, como forma de buscar subsídios para a elaboração de programas pedagógicos e psicopedagógicos que, a médio prazo, contribuam para a superação da já tradicional crise do sistema educacional público.

 

 

 

A PSICOPEDAGOGIA A FAVOR DO SUCESSO ESCOLAR

 

           As várias tentativas de explicação das causas que subjazem o fracasso escolar foram os principais motivos do surgimento da Psicopedagogia, ciência esta que supera os limites do pensamento de tratar-se, apenas, de uma conjugação da Pedagogia e Psicologia.

Kessel apud Bossa (2011, p 36), “aventa outra possibilidade quanto ao surgimento da Psicopedagogia ao mencionar as tentativas de explicação para o fracasso escolar por outras vias que não a pedagógica e a psicológica.”

Este autor, ainda segundo Bossa ( 2011) “afirma que fatores etiológicos utilizados para explicar índices alarmantes do fracasso escolar, envolviam quase que exclusivamente fatores individuais, como desnutrição, problemas neurológicos, etc”

           Ao refletirmos sobre as diversas definições que descrevem o objeto de estudo da Psicopedagogia, perceberemos que apesar das diferentes considerações encontramos certo consenso entre as elas. Entretanto, precisamos compreender que a complexidade de tal objeto de estudo, reflete a impossibilidade de um único olhar, ou um único caminho, por tratar-se de uma particularidade da vida humana, e como tal apresentar a complexidade que lhe é inerente.

          Assim, a Psicopedagogia alarga seu horizonte e impõe sua importância no tecido social. Professores, gestores, pais e outros profissionais preocupados com o ato de ensinar e aprender, descrevem o psicopedagogo como aliado na busca de alternativas que favoreçam a melhoria da aprendizagem e consequentemente, apresentam alternativas positivas para aqueles e aquelas que fracassam em suas trajetórias escolares. Porém, no Município do Rio de Janeiro, local onde foi desenvolvido o presente trabalho, este profissional não é encontrado nas escolas públicas, fator que necessita ser revisto, se é que esta realidade – o fracasso escolar  e consequentemente a evasão escolar -  apresente prioridades de mudanças por parte das políticas públicas.

 

         Ao nos referirmos ao Psicopedagogo institucional, podemos afirmar, concordando com Santos  (2012), que este profissional,

 

a partir de uma macro visão da instituição como um todo, poderá tomar decisões mais acertadas nos momentos de crise. (...) A previsão de tais momentos e as estratégias para evitá-los( o fracasso e a evasão escolar) e ainda o adequado planejamento culminarão para o alcance dos objetivos da instituição”. (p.113-125)

 

É importante e necessário compreender que Santos (2010) ao citar “objetivos da instituição” refere-se ao oferecimento aos alunos de uma aprendizagem significativa, para que possam apropriar-se de forma competente dos artefatos oferecidos pela sociedade para uma vida plena e cidadã.

         Vários autores, tais como, Paín, Weiss, Bossa entre outros afirmam que a Psicopedagogia vem se tornando uma das opções mais importantes no tecido social, quando se trata de auxiliar o indivíduo que apresenta dificuldades de aprendizagem, oferecendo novas possiblidades de minimizar tal situação.

          Este auxílio da Psicopedagogia, parece estar centrado, prioritariamente, no viés clínico. Entretanto, as estatísticas vêm informando que no âmbito institucional, esta ação poderá alterar de forma contundente, o quadro do fracasso escolar, principalmente em se tratando de escolas públicas.

      Neste sentido, Weiss (2014, p 27) apresenta o seguinte questionamento:

 

[...] será o problema da não aprendizagem apenas do aluno? Não estará o professor [educador] estagnado em relação à busca de novos conhecimentos? Não estará a escola sendo apenas repetitiva, impondo diariamente uma dose de "conhecimentos prontos", que são "engolidos" pelo aluno e não "digeridos"?

 

 

         Estes questionamentos dirigidos à instituição educacional, demonstram a importância da Psicopedagogia Institucional. Para a autora, o exercício da Psicopedagogia Institucional teria como objeto de estudo todas as relações e inter relações produzidas no cotidiano escolar, uma vez que a partir do movimento do contexto escolar, a aprendizagem poderá ser ou não facilitada.

       Para Porto (2000, p 76) a Psicopedagogia Institucional

 

(...) está vinculada a uma concepção crítica da Psicopedagogia e, consequentemente, da educação, que muito tem a contribuir com as situações de não aprendizagem na escola e com sua consequente superação. Desta forma, a ação do psicopedagogo está centrada na prevenção do fracasso e das dificuldades escolares, não só do aluno como também dos educadores e demais envolvidos neste processo.

 

          Dessa forma, pode-se perceber, que o Psicopedagogo Institucional teria como ação, uma série de atitudes que envolveriam não só o aprendente, mas também os docentes, a metodologia, as relações estabelecidas, a gestão, o contexto sócio econômico, enfim, todo o espaço intra e extra escolar, como afirma Batista (2017)“Perceber-se que a Psicopedagogia é a luz que faltava na busca de soluções aos diversos desafios que a comunidade escolar encontra no dia a dia relacionadas à aprendizagem”.

Assim, para um exercício eficaz e eficiente da ação psicopedagógica, este profissional deverá considerar não só os aspectos físicos – demonstração da não aprendizagem, através de gráficos do desenvolvimento escolar dos alunos -  mas também os aspectos emocionais, psicológicos e sociais de todo o grupo escolar e sempre que possível, estreitando os laços com as famílias dos aprendentes.

         Uma vez tecidas as considerações acima, de forma sucinta serão descritos os fatores do problema de aprendizagem, isto é, a patologia da aprendizagem segundo os autores referidos:

         De acordo com Pain (1985),” A origem de toda aprendizagem está nos esquemas de ação desdobrados mediante o corpo” (p.29 ). Segundo a mesma autora, fatores orgânicos tais como hipoacústica, miopia, transtornos na área da adequação perceptivo-motora entre outros, necessitam ser observados de forma rigorosa, uma vez que crianças com perdas sensoriais, afasias ou mesmo agnosias,  tendem ao isolamento, por não conseguirem  perceber corretamente as informações que recebem do meio exterior.

        Fatores psicógenos , tais como inibições excessivas , além de fatores ambientais, também podem implicar na não aprendizagem dificultando  a ação docente e consequentemente,  levando o aluno ao desencanto pela escola.

        Interessa ao Psicopedagogo Institucional, especialmente, compreender estes diferentes fatores para através de uma ação mediadora – entre professor e aluno – prestar o auxílio necessário, esclarecendo, capacitando-os e propondo estratégias que possibilizem minimizar os problemas apresentados.

         Finalizando esta exposição, apresentamos o pensamento de Bossa, que clarifica o pensamento descrito:

O psicopedagogo, ainda segundo Janine Mery (1985), respeita a escola tal como é, apesar de suas imperfeições, porque é através da escola que o aluno se situará em relação aos seus semelhantes, optará por uma profissão, participará da construção coletiva da sociedade à qual pertence. Este fato não impedirá que o psicopedagogo colabore para a melhoria das condições de trabalho numa determinada escola ou na conquista de seus objetivos. Mas, em seu trabalho, ele deverá fazer com que a criança enfrente a escola de hoje e não a de amanhã. Esse enfrentamento, no entanto, não significaria impor à criança normas arbitrárias ou sufocar lhe a individualidade. Busca-se sempre desenvolver e expandir a personalidade do indivíduo, favorecendo as suas iniciativas pessoais, suscitando os seus interesses, respeitando os seus gostos, propondo e não impondo atividades, procurando sugerir pelo menos duas viaspara a escolha do rumo a ser tomado, permitindo a opção. (BOSSA, 2000; P.32)

 

           Assim é que, pensar em novos caminhos a partir de um movimento de ação-reflexão e auto reflexão sobre a práxis no  cotidiano escolar, poderá abrir novas possibilidades de compreensão de um fenômeno tão complexo e ao mesmo tempo tão devastador qual seja a evasão escolar por motivo da não aprendizagem. E é justamente nesta proposta que se insere o profissional da Psicopedagogia Institucional, imbuído  de um olhar mais amplo, que abarque a multiplicidade de fatores que envolvem o cotidiano da escola pública em todas as suas dimensões, que se poderá  acenar com a esperança de minimizar o sofrimento de  crianças e jovens estudantes que se evadem da escola e consequentemente , colocam-se , não por destino, mas por incompetência da escola e das esferas políticas “superiores” , em situação de evadidos da sociedade.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

              A partir da leitura e reflexões apresentadas neste trabalho, passamos a compreender sob uma perspectiva epistemológica que não admite a suposta neutralidade, tanto da ciência como das ações humanas, que as formas simbólicas que atravessam o fenômeno estudado, encontram-se, possivelmente, situadas em um contexto localizado   a favor de um dado segmento social, posicionado do lado oposto ao das classes menos favorecidas.

           Por se tratar de escolas públicas, deixamos aqui registrada a inexistência da função de um dos mais importantes atores na defesa do sucesso dos alunos – o Psicopedagogo Institucional, nas escolas Municipais do Rio de Janeiro e este artigo possui, também, a finalidade e a incumbência de alertar para esta tão grave ausência.

.  Em outras palavras, esta ausência faz-nos supor que as ações dos professores em sala de aula e nas relações com os alunos, desprovido de um olhar mais amplo e de conhecimento mais profundo  sobre as dificuldades do ato de aprender - já que o objeto de estudo da docência é a prática pedagógica e detalhes periféricos tornam-se inobserváveis, haja vista o número excessivo de alunos em classe na maioria dos casos -  apresentam fortes conotações ideológicas, produzindo, ou melhor, induzindo hipóteses  inapropriadas ou negativas, por parte dos docentes  sobre os alunos que não conseguem desenvolver uma aprendizagem saudável. ” Eles não querem nada”, ou “A família é desestruturada e não se importa com eles”, são expressões comuns no âmbito escolar. Estas falas revelam, de maneira geral, o desconhecimento dos fatores mais profundos que impedem a aprendizagem dos alunos, e  que poderiam ser devidamente esclarecidas , através da ação competente de um Psicopedagogo Institucional.

Temos consciência, porém, de que as interpretações aqui apresentadas são passíveis de contradições, novas interpretações e (re)significações. Acreditamos, no entanto, que a incompletude desta investigação, talvez possa suscitar o desejo de novas pesquisas neste campo e, por via de consequência, novos resultados e achados mais consistentes possam oferecer expectativas de horizontes mais otimistas para a educação em nosso país.

 

 

BATISTA, Carla Jeane Farias.A Intervenção Psicopedagógica e o Processo de Ensino e Aprendizagem. In: Revista Intertexto. Disponível em: file:///C:/Users/User/Downloads/214-1-664-1-10-20180126.pdf. Acesso em 09.02.2019

 

CASTILHOS-SARAIVA, Rosaria Maria. Representações Sociais de (IN)Justiça no cotidiano escolar e suas implicações  para o fracasso e a evasão escolar .Trabalho apresentado no VIII Seminário de Pesquisa Estácio .Universidade Estácio de Sá, RJ: 2014.

 

KESSEL, M. (APUD) PATTO, M. H. A produção do fracasso escolar.História de submissão e rebeldia. São Paulo: Casa do Psicólogo Livraria e Editora Ltda,2009.

 

BOSSA, N. A. Psicopedagogia no Brasil. Contribuições a Partir da Prática. RJ: WAK, 2011.

 

PAÍN. Sara.  Diagnóstico e Tratamento dos Problemas de Aprendizagem. RS: Artmed, 1992.*

 

PORTO O. Psicopedagogia institucional. RJ :Wak 2016.

 

SOUZA, M. T. C.C. Intervençãopsicopedagógica: como e o que planejar? In: SISTO, F.F. Atuação psicopedagógica e aprendizagem escolar.RJ: Vozes, 2000

 

WEISS M.L.L. Psicopedagogia institucional: controvérsias, possibilidades e limites. In: Sargo C.  ed. A práxis psicopedagógica brasileira. São Paulo: ABPp, 1999.