Os retratos das comunidades, que muitas vezes são utilizados par mostrar a perfeição da Igreja nascente em oposição aos pecados das nossas comunidades ou igrejas, na realidade são o que chamamos de sumários. Esses conjuntos de textos, pequenos resumos, aparentemente não são obra de Lucas e não faziam parte do texto original. São, sim uma espécie de síntese do que os redatores ou autores do texto pensavam a respeito de como estava organizada a comunidade cristã.

No Livro da coleção Cadernos Bíblicos, das edições Paulinas, "Uma leitura dos Atos dos Apóstolos", organizado por exegetas franceses (1983, p. 49), podemos ler o seguinte: "é difícil dizer até que ponto todos esses 'sumários' fazem parte integrante da obra de Lucas. Alguns exegetas tem podido notar o estilo canhestro de um outro, contrastando por isso com a elegância do grego lucano. É sempre possível que um redator posterior tenha sentido a necessidade de 'completar' a obra do mestre"

Os especialistas assinalam vários desses sumários sendo que oito deles são universalmente destacados: 2,42-47; 4,32-35; 5,12-16; 6,7; 9,31; 12,24; 16,5; 19,20.

Se perguntássemos qual a finalidade desses pequenos resumos, a resposta podia ser simplificada da seguinte forma: o texto original é uma seqüência de atos e fatos; "retrata" o cotidiano das igrejas. Entretanto não mostra o crescimento volumoso de novos adeptos à nova "seita" (At. 2,22; 3,6; 24,5) – a cristianismo original, era considerado uma seita, um pequeno grupo dentro do judaísmo. Assim um possível copista, até mesmo discípulo de Lucas, para melhorar a obra do mestre, acrescenta esses pequenos textos para reafirmar, como que num refrão, que a igreja estava no caminho certo, pois o número de fiéis "crescia e se firmava poderosamente" (At. 19,20); as "igrejas eram confirmadas na fé e cresciam em número de dia para dia" (16,5).

Esses sumários procuram mostrar que a pequena seita dos "nazareus" estava crescendo. E por isso deveria ser vista não como obra humana, mas como obra de Deus. Confirma-se o raciocínio de Gamaliel (At, 5,34-40). Esses sumários, também podem ser vistos como uma evidência do crescimento universalizante da palavra. Ou seja, com pequenas unidades literárias o autor mostra como o ensinamento de Jesus, disseminado pelos apóstolos e discípulos está ultrapassando as fronteiras do judaísmo e se firmando entre os pagãos. E isso se concretizará, definitivamente, dentro do plano literário de Lucas, com a chegada de Paulo a Roma, e de lá ensinando livremente.

O que observamos, portanto é que Lucas, o texto original, escreveu uma narrativa ordenada e lógica. Seus discípulos, pensando em melhorar a obra do mestre, inseriram – como era costume na literatura antiga – pequenos comentários – o que nós chamamos de sumários – para ir escalonando o processo de crescimento da igreja, ultrapassando o judaísmo, entrando no mundo pagão e provocando crescentes conversões.

Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.

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