AUTOR: Luís Guilherme Pires²

1 Descrição do Caso

Jorginho é um garoto de 16 anos que adorava consertar as coisas. Começou com seus brinquedos, depois começou a consertar matérias domésticos pertencente a seus pais. Logo depois se apaixonou pelas bicicletas. Jorginho desmontava as bicicletas e as montava como ele queria, ou seja, começou a customiza-las com itens que as otimizavam. Seus amigos notaram a habilidade de Jorginho e começaram a requisitar seus trabalhos. Não demorou muito para Jorginho alugar um estabelecimento em seu bairro para ali exercer atividade econômica.

Certa vez Jorginho ouviu falar de uma licitação em seu município que visava a compra de bicicletas e prestação de serviço de manutenção, bicicletas estas que serviriam para agentes de saúde borrifarem veneno contra mosquito da dengue pelos bairros da cidade. Jorginho, em meio a vários concorrentes, conseguiu ganhar a licitação, porém, um deles, descontente com a escolha e sabendo que Jorginho tinha 16 anos e era relativamente incapaz, resolveu reivindicar seus direitos afirmando que Jorginho não poderia exercer tal atividade econômica pois não foi devidamente assistido por seus pais.

2 Identificação e Análise do Caso

2.1 Identificação das Decisões Possíveis

  1. Jorginho deve perder a licitação.
  2. Jorginho não deve perder a licitação.

2.2 Argumentos Capazes de Fundamentar Cada Decisão

  1. Jorginho deve perder a licitação, pois ao contrário de uma sociedade empresarial onde o menor incapaz pode assumir seu cargo de sócio, porém este não tomará nenhuma decisão, a não ser por seus representantes legais e ele não exercerá nenhuma atividade administrativa. Neste caso o empresário é a pessoa jurídica, daí surge a diferença da capacidade de ser sócio da capacidade ser empresário, uma vez que Jorginho é um empresarial individual, ou seja, pratica a atividade empresarial em seu próprio nome e segundo o Código Civil de 2002 na parte destinada ao direito empresarial, afirma em seu artigo 972 que “podem exercer atividade de empresário os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos”. Sendo assim, Jorginho, que encontra-se com 16 anos, é um relativamente incapaz, o que significa que ainda não está no pleno gozo da sua capacidade civil. Para que ele possa exercer sua atividade empresarial de forma adequada, conforme a lei, Jorginho deve tomar decisões devidamente assistido por seus responsáveis, no caso, seus pais. Uma segunda alternativa para que Jorginho exerça sua atividade econômica legalmente é sendo emancipado, o que lhe adiantaria sua maioridade civil para determinadas atividades, como a de ter um estabelecimento empresarial e tomar decisões que diz respeite ao estabelecimento. Para abrir um estabelecimento empresarial, tem que seguir certas formalidades. Segundo Santa Cruz (2014) “É obrigação legal imposta a todo e qualquer empresário (empresário individual ou sociedade empresária) se inscrever na Junta Comercial antes de iniciar a atividade, sob pena de começar a exercer a empresa irregularmente.”. Fica claro que Jorginho também não cumpriu a este requisito para abrir o seu estabelecimento, uma vez que se tivesse feito tal formalidade, não teria a possibilidade de se inscrever na Junta Comercial, pois não goza dos seus plenos direitos civis e não é um jovem emancipado e, ainda que ele fosse emancipado, de acordo com a ressalva de Santa Cruz:

 alguns doutrinadores questionam de o menor emancipado ser empresário, uma vez que, não obstante seja civilmente capaz, somente o maior de 18 anos pode ser condenado por crimes falimentares que eventualmente venha a praticar, em razão de os menores de 18 anos serem penalmente inimputáveis.

Por esses motivos o Jorginho deve perder sua licitação.

  1. Jorginho não deve perder sua licitação, pois apesar dele ter apenas 16 anos e ser considerado um relativamente incapaz, ele tem todos os requisitos exigidos pelo artigo 966 do Código Civil que diz que “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.”. Além do que o mesmo código citado acima, traz um dispositivo em seu artigo 5º, no parágrafo único que supre a incapacidade do menor incapaz e que o permite exercer atividade econômica afirmando que sua incapacidade cessará “pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.”. Jorginho também tem seu direito de exercer tal atividade defendido pelo artigo 974, também do CC (Código Civil), afirma que “poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança.”, vale ressaltar aqui, antes que se faça uma análise do artigo, que ele faz menção a realização individual de empresa. (RAMOS, 2014). Como é dito por Santa Cruz “trata-se, pois, de casos em que o incapaz será autorizado a explorar atividade empresarial individualmente, ou seja, na qualidade de empresário individual (pessoa física).”. O mesmo autor, também chama atenção para o seguinte ponto: tanto na primeira, quanto na segunda forma de exercício atípico da atividade empresarial por incapaz, diz respeito a dar continuidade a atividade de empresa, não podendo o incapaz dar início a mesma. (RAMOS, 2014, p.60). Feita as observações, a primeira situação em que um incapaz pode exercer atividade de empresa, encontra-se na seguinte situação, como aponta Santa Cruz: “ele mesmo já exercia a atividade empresarial, sendo a incapacidade, portanto, superveniente.”, aqui se enquadra perfeitamente o caso de Jorginho, onde ele já havia constituído uma empresa individual e já exercia tal atividade há um tempo. E a segunda situação apontada pelo autor supracitado seria caso “a atividade empresarial era exercida por outrem, de quem o incapaz adquire a titularidade do seu exercício por sucessão causa mortis”. Tanto no primeiro caso, quanto no segundo, Jorginho poderia sim, exercer tal atividade, independentemente de estar sendo assistido por seus responsáveis ou não, porém, para que isso ocorra, há a necessidade de que se tenha uma autorização e esta será concedida mediante processo de jurisdição voluntária por um juiz e depois a oitava do Ministério Público. (RAMOS,2014). Apesar de o relativamente incapaz poder assumir a atividade empresarial nas duas hipóteses supracitadas, há uma pequena diferença entre a primeira hipótese e a segunda, tal diferença se verifica pelo surgimento de dois patrimônios no caso da sucessão por herança da atividade empresarial onde um é chamado de patrimônio afetado que segundo Shandor Portella Lourenço é “vinculado aos riscos da atividade empresarial e, portanto, passível de ser penhorado ou objeto de garantia do negócio” e tem também o patrimônio desafetado que é conceituado pelo autor supracitado como “patrimônio que não poderá ser atingido para pagamento das obrigações decorrentes do negócio.” e o objetivo dessa divisão de patrimônio é a proteção do patrimônio que o incapaz já tinha antes de assumir a atividade empresarial. A justificativa para o sentido diferenciado do tratamento legal nos dois casos citados acima, podem ser encontrados no parágrafo 1º do artigo 974 do CC que enuncia que:

Nos casos deste artigo, precederá autorização judicial, após exame das circunstâncias e dos riscos da empresa, bem como da conveniência em continuá-la, podendo a autorização ser revogada pelo juiz, ouvidos os pais, tutores ou representantes legais do menor ou do interdito, sem prejuízo dos direitos adquiridos por terceiros.

Portanto, analisando este parágrafo, fica clara que tal tratamento especial é dado por “conveniência” em continuar tal atividade econômica. Baseado no que foi dito acima, o Jorginho não deveria ter sua licitação pugnada.

2.3 Critérios e Valores Contidos em Cada Decisão

Os critérios e valores contidos em cada decisão foram baseados no artigo 5º, parágrafo único, inciso V do CC e também nos artigos 966, 972 e 974 do mesmo código. Foram utilizados também opiniões doutrinárias como a do autor Santa Cruz.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. Legislação Federal. Brasília, DF, Senado, 2002.

LOURENÇO, Shandor Portella. O empresário e a teoria subjetiva moderna. Disponível em: Acessado em: 1 de set. de 20014

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado/ André Luiz Santa Cruz Ramos. – 4. ed. rev., atual. e ampl. –  São Paulo: Método