Diante de tantos fatos surpreendentes no que diz respeito a atitudes e comportamento das pessoas que responderão pelo futuro, pais, professores, cuidadores, estudiosos e pesquisadores sociais recorrem a exemplos que, no passado, serviram de lição de vida para tantas gerações. Rememorar  culturas que enraízam por gerações que, aos poucos, vão se perdendo, por meio de aculturação é registrar transformações impostas em nome da melhoria de qualidade de vida, sendo mitificadas por vertentes mais resistentes ou desvirtuadas por convulsões sociais que alimentam hábitos em nome da evolução das espécies. A cada dia são exigidos posicionamentos que provocam reflexões sobre acertos e descaminhos de lições assimiladas ou cristalizadas. Se uma lição foi positiva e qualquer tempo ou espaço, por si mesma deve ser considerada como uma conquista. Por que deixar que o tempo se encarregue jogar no esquecimento um exemplo registrado como importante?

Conta-se que em um determinado ano da década de 60 do século XX, em distantes plagas do sertão nordestino, uma família de sitiantes vivia isolada do mundo moderno onde já existia bicicleta, automóveis, roupas de etiqueta, brinquedos de material rígido, que viria a ser, com a evolução, o plástico rígido. Certa boca-de-noite, o pai trabalhador chegava em casa, depois de mais um exaustivo dia de trabalho no roçado da cana de açúcar. Como de costume, ele trazia aos ombros, um feixe de olhos de cana que, triturado ao facão, servia diariamente de ração para um velho burro, seu aliado no transporte de legumes colhidos e ferramentas de trabalho.

Seu filho mais novo, estava diante da chama de fogo do candeeiro ( lamparina mantida a querosene, para iluminar o interior da choupana onde moravam. O pequeno sitiante “queimava” sob a chama branca, um pequeno carrinho de brinquedo. Como não era de costume ver o filho com brinquedos, porque nunca os dera, por falta de recursos, ou por nem saber se tais existiam, lá fora, onde já se prenunciavam os avanços. Quanto senso de observação! Aquele sitiante, ignorante nas letras, cientista na natureza, competente como pai-educador-formador foi tocado pelo sentimento ode responsabilidade  social e se perguntou: “Se meu filho não tem brinquedos, o que ele está queimando não é dele e, sendo assim, preciso agir, por mim, por e pelo dono do brinquedo”. –Não queime o brinquedo, meu filho, falou com voz grave ao filho. Surpreso com a presença silenciosa do pai, que quando chegava não deixava dúvidas quanto a sua presença que impunha respeito e exigia atenção. O garoto de 10 anos que parecia 6, pela pequenez do seu porte, olhou de modo infantil, parou o que estava fazendo ( queimando, por curiosidade, o brinquedo que estava em sua mão), e respondeu simples e puerilmente:  “-É meu!”.

Essa resposta saiu simples, objetiva e sincera. O garoto, conhecendo a rigorosidade do seu pai quando se tratava de posse de objetos fora do seu cotidiano, ao dizer “é meu”, pretendia tranquilizar o seu pai quanto à origem e a posse do brinquedo que alguém lhe dera, não se sabe bem quando, e em que circunstâncias. Era dele. Essa era a sua versão. Na compreensão da criança, era uma resposta tranquilizadora. Na visão do pai, uma resposta cortante, arrogante e grosseira, já que ele na sua capacidade de entendimento, interpretou como sendo: “É meu, faço o que eu quiser...” O controle da situação precisava ser restabelecido, aquele pai não aceitaria aquele topete, aquela audácia. Arriou o feixe de olho de cana e, dali foi tirando vara por vara e as ia consumindo no lombo do pequeno filho que precisava entender que quem manda, é quem mantém. Enquanto houvesse pé de cana inteiro, houve surra. Quando nada restava como “vara de acoite”, o pai confirmou: “Quem decide o que deve ser feito, com você, com o brinquedo ou com qualquer coisa que se relacione à sua vida e formação, sou eu”. Na visão daquele pai, o comando era seu. Na visão daquele filho, a resposta tinha sido, a melhor possível, a mais verdadeiramente ingênua, a mais adequada para manter a linha de respeito que o seu pai tanto prezava.

As diferentes interpretações para uma mesma resposta trouxeram feridas para a criança. Feridas físicas e feridas na alma. Por que ele apanhara tanto? O que ele fizera de tão grave? Por que o seu pai, que sempre fora atencioso, carinhoso, apesar de firme, fora tão cruel a ponto de marcar todo o seu pequeno corpo? – Só o tempo explicaria. Pai não tinha que dá explicação a filhos. Filos não tinham que pedir explicações por nada. Era como se, na história daquele povo, daquele tempo, daquela criação, daquela educação, o jugo dos pais era um cabresto, impedimentos, mas na verdade, não era cabresto, nem impedimentos, eram rédeas.

Retomando o eixo que tem nos orientado quanto aos duvidosos meios que estão sendo usados para a formação de novas gerações, com tanta ênfase para modernidade que as tecnologias nos impõem como sendo o melhor resultado de estudos, pesquisas, avanços e metodologias que pouco explicam e muito precipitam.

A criança de hoje está à frente do seu tempo: pensa rápido, resposta pronta para tudo, não aceita limite, questiona privacidade, requer respeito... RESPEITO? E a criança de hoje respeita o seu tempo, seu papel de “menor incapaz”, sua condição de dependente, de carente de informação para sua formação? E os pais de hoje, têm consciência de que ao fazerem todas as vontades da sua criança, eles estão destruindo as possibilidades de formar pessoas críticas, capazes, criteriosas, responsáveis e seguras do seu papel, no seu tempo, em qualquer espaço ou sociedade.

“Os pais devem levar seus filhos a:               No lar. Assumir responsabilidade pessoal quanto ao uso do tempo, nas tarefas domésticas, no cuidado e conservação da propriedade familiar. Bem como, desenvolver bons hábitos e estabelecer uma forma correta de relacionamento com os demais membros da família...

Quando a criança percebe que os pais confiam nela a motivação para sua autonomia e independência ganha dimensões significativas para o alcance da confiança em si mesma, a caminho da sua autonomia rumo à vida adulta. Nesse viés, a criança ao se sentir orientada, cobrada, treinada, protegida e direcionada na formação da sua essência assume uma postura amadurecida, favorecendo que a sua rotina torne-se um  caminho promissor como ferramenta para o sucesso de gerações do porvir.

A criança precisa de limites. Sem prejuízo à sua liberdade de iniciativa e expressão a sua condução deve ser visivelmente presente em todos os instantes e em qualquer circunstância, sem deixar, contudo de manter a  criança como efetiva protagonista de iniciativas que virão a ser monitoradas com responsabilidade, característica própria de um adulto responsável e consciente do seu papel de  formador. Se alguém tem obrigação de discernir o que deve e o que não deve ser feito, esse alguém é o adulto. Mesmo para crianças altamente preparadas no seu mundo, para o mundo dos adultos, em futuro próximo, “..há de se cuidar do broto, para que vida nos dê frutos”.

 “Na escola. Dedicar-se aos estudos, fazendo o melhor possível para aprender controlar-se e vencer o desânimo que leva muitos a abandonar os estudos. Ter em mente que está se preparando para o futuro...”

A criança que se sente respeitada, treinada, valorizada e útil como membro de uma família segura e que sabe definir caminhos e dar rumo aos projetos dos seus membros em formação, ela sabe lidar com o “não” com o “sim” devidamente ajustado: “o que é acordado não é caro”. El vai para a escola, onde será capaz de e compreender que no se educa, na escola se aprende. Nesse clima, ela se torna capaz de realizar atividades importantes e ser reconhecida por elas, configurando seu primeiro perfil de que a gestão de sua vida perpassa pela meritocracia, sem espaço para constrangimentos, frustrações, sentimento de incapacidade ou culpa pela baixa capacidade de que a criança sai de casa pronta para saber ouvir, respeitar e ser respeitada pelo que é e pelo que faz.

Uma criança contrariada não deve ser vista como limitada, manipulada, deve ser vista como instada a refletir sobre o seu papel no contexto social, qual o tamanho de sua importância na composição de um grupo a que pertence. Antes de ser responsável pelo bem estar de seus membros o mantenedor, seja ele o pai ou a mãe, o que é mais comum, igualmente  responsável pelas suas ações enquanto for esse, inimputável de penas prescritas por sociedades devidamente estruturadas, pensando na responsabilidade social de cada um.

Não pode se conceber a existência de uma sociedade saudável, sem famílias bem estruturadas; não se concebendo igualmente, crianças promissoras, sem pais comprometidos.com sua formação plena. Na escola, a criança com auto-confiança assimila de modo salutar as regras e os conteúdos que a esta compete repassar. À escola não compete educar ouvidos, olhares, posturas e sentimentos, esses elementos fazem parte de um histórico que a criança traz em si, como fora o DNA de sua formação, fundamentada em valores que refletirão um perfil de quem aprendeu a ser, sendo; aprendeu a fazer, fazendo, aprendeu a rezar, rezando; aprendeu a aprender, aprendendo; aprendeu a trabalhar, trabalhando... não um trabalho forçado, contrariando os direitos da criança. Afinal, “A criança que estuda, já trabalha” (Caderneta Escolar da Rede pública de 1950).

“Na Igreja. Aprender a respeitar os líderes e aos demais irmãos, identificando-se claramente com eles. Participar de todos os eventos e cooperar com o avanço do Reino de Deus. E criar uma profunda relação com Deus...”

A observação, nos leva ao exemplo. A criança aprende muito quando observa. Nesse ponto, é importante retomar a forma como lidamos com os nossos desafios e limites que põem em dúvida, o melhor caminho a seguir. O adulto que segue uma linha orientadora herdada da família, repensa as fontes  de lições e ensinamentos. Quem tem família com foco, tem mais chances de acertar; quem tem uma ancora espiritual, uma linha religiosa, tem uma janela para respirar e buscar saídas para frustrações, tristezas e raiva. Essa oportunidade de reflexão influencia nas alternativas para se delinear os caminhos e atitudes a serem tomadas.

O adulto que sabe lidar com seus credos, sua espiritualidade e seu modo de professar  uma fé desenvolve hábitos que vivenciados como exemplo para as suas crianças, certamente, as leva para ambientes seguros que oferecem possibilidades de adquirir auto-confiança, auto-crítica e responsabilidade social. Quando se discute religiosidade há grande risco de se discutir religiões. A proposta ideal que os pais discutam, sem doutrinação, o lado espiritual do ser humano e o modo lidar com as mais variadas crenças, respeitando escolhas de credos é revendo exemplos que a história nos reservas por meio das igrejas, culturas, doutrinas que povoam o imaginário sócio-cultural de tantas gerações.

“No trabalho. Aprender a cuidar dos interesses do patrão e que seja diligente, esforçado e cumpridor. Bem como, a ser pontual, honesto, disposto e manter uma atitude correta para com os colegas de trabalho..”.

Mais uma vez, se discute com o avanço das tecnologias e das possiblidades de fazer das inovações, o indício de que a espécie humana avança por caminhos seguros, surgem as gestões de gestões, onde o homem continua sendo o inventor, operador e difusor de todas as máquinas criadas. Se esse homem colocar em prática, ensinamentos incorporados ao seu currículo, com certeza ele agiu dentro de padrões e critérios baseados na verdade e na honra.

A criança egressa de famílias efetivamente orientadas, saberá lidar com os desafios no trabalho, no grupo, na hierarquia, no investimento, no respeito pelo outro e na responsabilidade social, grandes desafios da atualidade. Pequenas atitudes podem incentivar  a criança a desenvolver uma imagem positiva de si mesma, incorporando no seu mundo, a capacidade para realizar atividades diversas, em ambientes adversos e em situações desafiadoras.

Na sociedade. Respeitar as autoridades e as leis, e cultivar uma boa atitude para   com elas. Escolher suas amizades com cuidado.                                    https://formacao.cancaonova.com/diversos/relacionamento-com-filhos-adolescentes/

O ponto alto da realização pessoal, passa pelo conjunto da obra criada, orientada e formada à luz de valores e normas que garantam equilíbrio, ou pelo menos, a capacidade de discernimento entre o que é correto em nome de todos. Ora, se na família tudo começa, tem segmento na escola que cristaliza conhecimentos e conteúdos sistemáticos de formação pela informação, se estende para a comunidade social, cultural com costumes e preceitos críticos e enriquecedores.

Da escola que forja a força do pensador, que reforça as bases morais que conduzem as sociedades. Daí para o trabalho é um caminho complexo já que exige conhecimento, habilidade e atitudes que nos elevam à competência que o mundo moderno requer de cada um, em particular e de todos nós. No trabalho o atual adulto constrói novas famílias, forma novas  sociedades, cria novos espaços e navega por mares “nunca dantes navegados” onde é preciso se manter ao alcance das mãos, o controle da situação.

Na sociedade, há a realização, há a concretização de ideais perseguidos por tantas sociedades em tantos mundos e tempos que vêm sendo explorados em busca da essência da vida em sociedade. A criança deve ser vista como o centro de todas as responsabilidades, sempre que preciso, como protagonista, reconhecida e elogiada pelos seus feitos e resultados, entendendo que suas ações influenciam e podem beneficiar o ambiente, as pessoas e os fatos em seu contexto.

  • Sebastião Maciel Costa