Artigo escrito em coautoria com meu amigo Alfredo Franch, que assina a primeira parte e gentilmente me autorizou a publicação.

Parte I - por Alfredo Franch

Estava vendo uma dessas séries de ação com a família e, em determinado momento, notei que só os personagens psicopatas sobreviveram, com exceção de uns gatos pingados que apenas servem para confirmar a tese, como acho que o enredo é, de fato, uma alegoria, pensei com meus botões: eis um argumento a mais para a monarquia.

O argumento é o seguinte:

  1. Dado que nos regimes republicanos o poder político está permanentemente em jogo E
  2. Dado que nesses jogos políticos, pessoas inescrupulosas, em particular certos tipos de sociopatas, tendem a prevalecer E
  3. Dado que um monarca,por definição, não participa do jogo político.
  4. ENTÃO é recomendável investir do poder do estado uma pessoa que não precisa jogar o jogo mesquinho da conquista do poder e possa dedicar-se às grandes questões nacionais.

SED CONTRA:

  • Não pode haver reis psicopatas?

Claro que sim, mas é difícil que haja uma sucessão de monarcas assim, enquanto é perfeitamente possível haver uma corja de maníacos se engalfinhando pelo poder como cães raivosos – a propósito é exatamente isso que está diante de nossos olhos neste exato momento.

  • Não pode haver repúblicas virtuosas?

Em tese sim, mas recorro a Heródoto para mostrar isso é improvável.

O estopim das gueras entre gregos e persas foi a rebelião de Mileto contra o grande-rei. Naquela época, no mundo grego, caso um Pólis precisasse de auxílio militar,  o lugar natural para pedir socorro era Esparta.

Mileto mandou uma embaixada que se reuniu com um dos reis espartanos, os membros da comitiva expuseram a causa, disseram-lhe que uma falange grega era superior às tropas persas e que as possibilidades de sucessos.

Paradoxalmente, os espartanos relutavam muito em se envolver em guerras, pois temiam que houvesse rebeliões dos hilotas, escravos que cuidavam de tudo na Lacônia para os que espartanos pudessem se dedicar à arte da guerra.

Gostavam menos ainda da ideia de mandar um exército atravessar o mar, para lutar em terreno desconhecido a muitos quilômetros de casa.

Os milésios tentaram aguçar a vontade dos espartanos salientando as riquezas que poderiam ser saqueadas dos persas.

Em determinado momento, a filha do rei, interveio e disse: pai, mande esse homem sair ou ele acabará lhe corrompendo.

(Só em Esparta, algo assim era possível).

Os espartanos decidiram não dar apoio aos milésios, que recorreram, então, aos atenienses que viviam sob um regime democrático – a palavra usada pelos atenienses, de fato, enão era democracia, mas isonomia.

O resto da história é conhecido, a assembléia ateniense decidiu se aliar a Mileto, com apoio da marinha de Atenas a cidade se rebelou contra os persas, incitou a rebelião de outras cidades-estado na Ásia Menor, invadiram e saquearam Sardes a capital da província persa da Lídia.

Como resultado, o grande-rei mandou os grandes exércitos que desencadearam as grandes guerras persas, durante a qual Atenas foi destruída, levando Heródoto a concluir com uma de suas tiradas: é mais fácil enganar uma multidão do que um homem só.

Isso aconteceu em Atenas, onde os cidadãos decidiam, de fato, os rumos dos negócios de estado e lutavam pessoalmente nas guerras declaradas pela assembléia.

Hoje, temos que nos perguntar: as repúblicas zelam pelo interesse público?

Por fim, o caso da Infanta Cristina ilide minha tese?

Não. Assim que sobreveio uma rusga que poderia gerar desgaste à monarquia, de imediato o Rei Juan Carlos abdicou em favor de Felipe VI, que aliás tem grande apoio popular.

Essa é a natureza da monarquia. O monarca é educado desde pequeno a valorizar conceitos como honra, dignidade e compromisso, elementos alheios – ou pelo menos não necessários – às preocupações dos políticos ordinários.

Parte II - por Laércio Becker

Além disso, a Infanta Cristina está sendo processada e não tem a condescendência do Rei Felipe VI. Que, aliás, como demonstração disso, cassou-lhe os títulos honoríficos. Só não cassou seu direito à sucessão porque não tem poderes legais para tanto. Mas ela deveria ter a grandeza do pai e renunciar a eles. 

A propósito, recapitulemos brevemente nossa História. Que chefes de Estado, diante de uma convulsão política, tiveram a dignidade de renunciar ao cargo? Apenas um: D. Pedro I. Não por acaso, um monarca. Que o fez para salvaguardar os destinos da nação e o futuro da dinastia, ainda que com o sacrifício de seu posto. O golpista Deodoro renunciou não por dignidade, mas porque fracassou seu auto-golpe. O suicídio do caudilho Getúlio foi fruto de cálculo político, como se vê na carta-testamento. A renúncia de Jânio foi uma tentativa fracassada de auto-golpe. E a renúncia de Collor foi uma estratégia (frustrada pelo STF) de não perder os direitos políticos. Os outros não terminaram o mandato por motivos de saúde, dois impeachments e alguns golpes (que é uma característica tipicamente republicana, desde o inaugural, de 1889).

É este, na realidade, o melhor argumento em favor da monarquia: o chefe de governo (primeiro-ministro) certamente precisa ser legitimado por eleições, mas o chefe de Estado (monarca) não; porque ele precisa é:

  • estar preparado para o cargo (o que as famílias reais providenciam; quando Felipe VI foi coroado, a imprensa européia o qualificou como o mais preparado chefe de Estado do momento);
  • ter uma perspectiva de longo prazo, que leva em conta os interesses nacionais e as gerações futuras (o futuro da nação), não de curto prazo, que leva em conta apenas o futuro de seu mandato, reeleição, promessas de campanha, compromissos com financiadores etc.; essa perspectiva é, não por mera coincidência, justamente a dinástica; no caso, a Sereníssima Casa de Bragança, cuja ligação com os rumos do Brasil não são de ontem, mas desde 1640;
  • estar acima do jogo político-partidário (o que um presidente não consegue estar, nem no parlamentarismo), para:
    • não subjugar a perspectiva de longo prazo aos anseios imediatistas e egoísticos do curto prazo (acima);
    • não se contaminar pelo jogo político-partidário que, além de ser freqüentemente sujo, poderia pôr em risco essas perspectivas de longo prazo (acima);
    • não se submeter a compromissos de campanha (partidários ou com financiadores); e
    • lidar imparcialmente com os partidos, especialmente os que se revezam no cargo de primeiro-ministro.

Por todos esses motivos, concordo integralmente com meu amigo Alfredo Franch, a quem agradeço a proveitosa interlocução.