AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS, EDUCACIONAIS, CULTURAIS E ARTÍSTICAS NO BRASIL DO SÉCULO XIX: Considerações Preliminares

 

 Henrique Guilherme Guimarães Viana1

RESUMO

O presente artigo tece considerações e interfaces sobre as transformações sociais, educacionais, culturais e artísticas ocorridas no Brasil, no século XIX. Para tanto, será importante abordar as relações recíprocas entre sociedade e cultura, e uma breve reflexão histórica sobre a formação da cultura brasileira na colônia e no império.

INTRODUÇÃO

O século XIX é marcado por grandes transformações sociais, políticas e econômicas; é também o século de ouro da burguesia, da nova classe trabalhadora, dos novos gostos literários e artísticos, da vida no campo e nas grandes cidades, e a nobreza, por sua vez, perdendo seus privilégios viu-se substituída pelos ricos burgueses que constituíam novas atuações sociais à imitação dos nobres.

Alguns burgueses, enriquecendo na indústria, mesmo no Brasil, tentavam alcançar prestígio, comprando títulos e ornando os dedos com anéis brasonados. Outros se afirmavam na nova sociedade, apenas pelas suas funções, ou seja: membros do Governo, diplomatas, advogados, farmacêuticos, médicos, professores, funcionários públicos.

 Por outro lado, nesse processo de transformação, a construção das primeiras estradas de ferro, da criação da fotografia, do telefone e do telégrafo permitiu o processo de racionalização das ciências atingirem seu auge; a expansão das máquinas a vapor, o desenvolvimento da eletricidade e outras inúmeras invenções que viriam a transformar a vida cotidiana fizeram do século XIX, o palco das grandes transformações tecnológicas e científicas.

Ainda mais, o universo diversificado da sociedade e da cultura brasileiras, num primeiro momento, compreende que sua formação histórica e cultural é um mosaico da influência da diversidade dos povos e etnias em que se constitui o povo brasileiro.

Portanto, o que se tem é um caleidoscópio de diferentes vertentes culturais que formam  juntas, a cultura do Brasil. Evidentemente, depois de quase  trezentos anos  de colonização portuguesa, a cultura do Brasil é, em sua maioria , de matriz  lusitana. Portanto, é  essa herança cultural lusa que compõe a unidade do Brasil: apesar da pluraridade da nação e do povo brasileiro, a língua é a matriz religiosa,  são os instrumentos identitários. Esta identidade linguística e religiosa é um fato raro para um país de enormes  proporções, especialmente comparado-o  com os países do Velho Mundo. Para o antropólogo Darcy Ribeiro:

A sociedade e a cultura brasileiras são conformadas como variantes da versão lusitana da tradição civilizatória européia ocidental, diferenciadas por coloridos herdados dos índios americanos e dos negros africanos. O Brasil emerge, assim, como um renovo mutante, remarcado de características próprias, mas atado genesicamente à matriz portuguesa, cujas potencialidades insuspeitadas de ser e de crescer só aqui se realizariam plenamente. (RIBIERO: 1991, p. 16)

A partir da citação de Darcy Ribeiro, podemos entender que embora o Brasil seja um país de colonização predominantemente portuguesa, outros grupos étnicos deixaram influências profundas na cultura nacional, destacando-se neste cenário,  os povos indígenas, os africanos, os italianos e os alemães, entre outros. Os indígenas e africanos deixaram suas influências  e marcas  no âmbito da música, da  culinária, do folclore,  do artesanato, dos caracteres emocionais e das festas populares do Brasil, assim como centenas de empréstimos à língua portuguesa. É importante evidenciar que algumas regiões receberam maior contribuição desses povos: nos estados do Norte têm forte influência das culturas indígenas, enquanto algumas regiões do Nordeste têm uma cultura bastante africanizada, sendo que, nas demais regiões, principalmente no sertão,  há uma intensa e antiga mescla de caracteres lusitanose indígenas, com menor participação da etnia africana.

Por outro lado, na região Sul do país as influências de imigrantes italianos e alemães são evidentes, seja na língua, culinária, música e outros aspectos. Outras etnias, como os árabes, espanhóis,  poloneses e japoneses contribuíram para a formação da cultura do Brasil, porém, de forma mais reduzida. Nesse sentido, entende-se a importânciao para o processo de formação da cultura e da sociedade brasileirasde através da inter e transculturação de diversos povos e etnias.

REFLEXÃO HISTÓRICA E  CONTEXTUAL

No contexto histórico, basicamente durante a segunda metade do século XIX, a vida da sociedade brasileira passou por mudanças fundamentais nos campos políticos, sociais e consequentemente na forma de ver e entender a nova realidade que estavam vivendo.

Foi nesse período que se mudou a forma de governo, foi criada a Constituição, se iniciou a substituição do trabalho escravo pelo trabalho assalariado e as fazendas de café e outras lavouras brasileiras modernizaram-se. As cidades cresceram e nelas as primeiras indústrias se instalaram.

Para termos um melhor entendimento dessas mudanças sabemos que entre 1850 e 1860 ocorreu o que podemos chamar de surto industrial no Brasil, pois foram inauguradas no país  setenta  fábricas que produziam chapéus, sabão, tecidos de algodão e cerveja, artigos que até então vinham do exterior. Além disso, foi fundado quatorze bancos, três caixas econômicas, vinte companhias de navegação a vapor, vinte e três companhias de seguro, oito estradas de ferro. Criaram-se, ainda, empresas de mineração, transporte urbano, gás, etc.

Este processo de industrialização proporcionou, através dos anos, que províncias como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais se tornassem polos de atração para que os colonos que, espremidos pelo latifúndio, se deslocassem para a cidade à procura de uma vida melhor, mais confortável financeiramente. Isto quer dizer que para os grandes fazendeiros, a vinda para a cidade significava que seus filhos poderiam frequentar escolas e faculdades, tomar contato com os jornais e revistas em circulação.

Surgiram, neste período, as primeiras grandes greves, pois o operariado, cujas condições de trabalho eram bastante precárias, tenta desenvolver uma ação política independente de oposição através das greves. A jornada de trabalho podia chegar a 16 horas e a mão de obra infantil e feminina era usada de maneira indiscriminada, não havendo nenhuma regulamentação salarial.

O SISTEMA EDUCACIONAL

Como dissemos anteriormente, as transformações ocorridas no século do ouro e   da burguesia, mesclaram diversas áreas do conhecimento humano à proporção das necessidades pedagógicas, escolares, dos “…interesses...”, da inserção de cursos profissionalizantes inclusive com acréscimos de disciplinas em diversos cursos, como medicina, o direito, a educação, a literatura, artes visuais, os cursos profissionalizantes bem como “a praga do bacharelismo e das profissões liberais”.

 Para Sérgio Buarque de Hollanda, (1995, cap.6, p.155-56) a respeito do “bacharelismo”.

Ainda hoje são raros, no Brasil, os médicos, advogados, engenheiros e jornalistas, professores, funcionários que se limitem a ser homens de sua profissão. ”.

Conforme nossos estudos e leituras, o século XIX ficou marcado, nas regiões do mundo em que a industrialização se firmou, pelo fenômeno da urbanização acelerada, que criou forte expectativa com respeito à educação, porque a complexidade do trabalho exigia melhor qualificação da mão-de-obra.
Nas regiões industrializadas, notadamente algumas regiões da Europa Ocidental e nos Estados Unidos, a idéia de Comênio, ainda no século XVII, de ensinar tudo para todos, da universalização do ensino, começou a se concretizar, com a intervenção cada vez maior do Estado para estabelecer a escola elementar universal, laica, gratuita e obrigatória.

Nesse sentido, e por  esta finalidade contribuiu o nacionalismo crescente entre os diferentes povos, que levou à formação de novas nações, bem como à consolidação e fortalecimento do sentimento nacional naquelas já formadas, que com o objetivo de aumentar sua produção industrial e seu poder dentro da nova realidade em construção do capitalismo industrial, necessitavam de trabalhadores qualificados.  Essa dinâmica estimulou a criação de escolas politécnicas.  Esse nacionalismo contribuiu para que os educadores mirassem o objetivo da formação da consciência nacional e patriótica de seus concidadãos.

Nesse contexto, a educação passou assim de um caráter mais geral e universal para uma formação civica.  O Estado assumia cada vez mais o encargo da escolarização.  Houve esforço para ampliar a rede escolar com grande atenção voltada para escola elementar, o surgimento da pré-escola, mas também com ampliação da rede secundária e superior. 

O ensino secundário manteve a dualidade de ensino pelo ensino para a burguesia que buscava estudar no ensino superior, e ensino técnico para o trabalhador da indústria.
No ensino superior, as escolas politécnicas foram criadas para atender às necessidades decorrentes do avanço tecnológico.  O interesse também se voltou para escolas de formação de professores, de preparação para o magistério.  A metodologia de ensino assume forma mais rigorosa em função da consolidação das novas ciências humanas, sobretudo da psicologia.

Portanto, é durante o decorrer do século XIX  em que o Brasil passou de colônia portuguesa a Império independente, a educação passou por transformações que as tendências da época impunham às sociedades ocidentais de então.  A transformação política porém ocorreu de acordo com os objetivos da elite local com influência nas esferas do poder, que queriam tomar para si o controle sobre os fluxos de capital e não mais cumprir com as obrigações fiscais junto à coroa portuguesa.  Estes membros da sociedade tinham algum grau de consciência do valor da educação para o indivíduo, que o torna consciente das realidades científicas, das forças que agem na sociedade e liberta dos dogmas religiosos. 

Por isso, muitos membros das camadas poderosas da sociedade encaminhavam seus filhos no processo educacional, da forma que consideravam mais adequada, em geral com investimento próprio, com professores particulares, nos níveis elementar e secundário e após, no nível superior enviavam os filhos para universidades na Europa.

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