AS SANDÁLIAS DO PESCADOR

A cada novo Papa vem à minha memória  o papa de Morris West em seu romance As sandálias do Pescador. É como um mito que ressurge em momentos de crise da igreja Católica ou da necessidade de renovação da instituição para adaptar-se aos novos tempos. E tenho quase certeza de que todos os cardeais da igreja leram o livro e de certa forma tentam ressuscitar o papa da ficção que teria vindo da Cortina de Ferro, no leste europeu. Na ficção o papa resolve andar pelas ruas de Roma para conhecer de perto o seu rebanho e se envolve em uma série de situações inusitadas para o Bispo de Roma. João Paulo II pelo menos tentou, com seu perfil carismático, viajando por vários países do mundo, sempre beijando o chão dos aeroportos, num ato de reverência a cada espaço da Terra e aos seus povos.

Francisco, que assumiu a simplicidade do Santo inspirador da Ordem Franciscana, rejeitou o I, que seria um símbolo monárquico, apesar da igreja católica não ser uma monarquia. Surpreendeu, também, ao pagar sua própria conta no hotel onde se hospedara antes de ser proclamado Papa e também ao viajar no mesmo ônibus com padres e cardeais, dispensando a limusine papal.

O Papa como líder maior dos católicos vive em um ambiente de pompas num palácio como um monarca, mas no inconsciente do povo, todo religioso deveria se espelhar em Cristo, um homem simples, operário, que viveu perambulando pela Palestina pregando uma nova relação dos homens com o divino, rompendo com os padrões da época.

O Papa Francisco, um cardeal argentino, ao calçar as sandálias do pescador, representará alguma mudança na estrutura da igreja ou tentará apenas reter a sangria de fieis agarrando-se na tradição milenar da instituição? Os efeitos midiáticos iniciais não revelam se será um líder inovador e disposto a fazer reformas profundas. Tudo indica que o Papa Francisco ou o Bispo de Roma como ele prefere ser chamado, quer se aproximar do povo e para isso ele rompeu com as normas de segurança para estar onde o povo está, beijando crianças e tocando as mãos de suas ovelhas. A igreja não depende de votos populares como um país e por isso pode manter-se incólume diante das pressões por mudanças, sejam elas do seu público interno ou dos seus seguidores. Por outro lado é interessante lembrar que a igreja católica argentina tem uma tradição bem mais conservadora do que a brasileira por fatores que transcendem a questões religiosas. Elementos políticos, ideológicos, econômicos e culturais talvez expliquem as diferenças e esse contexto pode indicar que não ocorrerão mudanças significativas na estrutura da Igreja.

Assim, quem esperar pelo fim do celibato ou a ordenação de mulheres pode ficar decepcionado com o Papa Francisco. A tradição patriarcal é muito forte e dificilmente haverá mudanças neste sentido, apesar dos discursos de valorização do papel da mulher na Igreja. Quanto ao fim do celibato, existem barreiras difíceis de serem rompidas, mesmo com o grande número de sacerdotes que abandonam a profissão para se casarem e a crítica falta de novos padres para atenderem as demandas existentes.

De qualquer forma o Papa Francisco terá grandes desafios para enfrentar dentro da Cúria e possivelmente não terá mesmo tempo para cuidar de outros problemas, também, importantes. Tenho a impressão de que ele buscará, por meio de sua simpática figura, ressuscitar os ideais franciscanos de uma igreja voltada para os pobres e desamparados.