As relações de poder que permearam a trajetória dos Cavaleiros Templários na Península Ibérica (1120 – 1320)

Flávio Rodrigues Andrade

Mestrando em História Ibérica pela Unifal – Câmpus Alfenas-MG

RESUMO

A pesquisa aqui em questão aborda os caminhos percorridos pelos Cavaleiros Templários na Península Ibérica enfatizando o reino de Portugal e focando as relações de poder hierarquicamente estabelecidas envolvendo a igreja, reis e a Ordem Templária dentro do contexto Ibérico. Falaremos sobre a formação do reino português e seu desenvolvimento ao longo do tempo e sobre a importância que teve os Cavaleiros Templários nesse processo, ampliando nossos conhecimentos no tocante à Ordem Templária desde sua origem até a sua extinção, averiguando sua importância na formação, reconquista e defesa dos territórios do reino português. Na presente pesquisa, buscaremos compreender e esclarecer as relações de poder estabelecidas entre a Ordem do Templo, Igreja e os reis da Península Ibérica visando descobrir os motivos que levaram à extinção da Ordem, que teve seus momentos decisivos entre doze de outubro de 1307 e abril de 1312 levando os Cavaleiros do Templo à fogueira, às prisões e à tortura.

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa faz uma abordagem histórica sobre a Ordem Templária que vai desde a origem até a sua extinção. É surpreendente o quanto esta Ordem religioso-militar se tornou poderosa ao longo de aproximados dois séculos de sua existência. A bravura de seus cavaleiros e a devoção a Deus, a forma de organização e administração dessa instituição foi muito eficiente, tanto que, apesar dos contratempos no Oriente Médio ela se tornou muito rica e poderosa tanto nos âmbitos militar e econômico como também no político.

Na península Ibérica, os Templários ajudaram muito na formação do reino português e no seu processo de independência frente ao reino de Leão e Castela, reconquistando territórios cristãos e apropriando-se das riquezas dos muçulmanos a cada território conquistado, contribuindo para a expansão das monarquias cristãs. Os Templários foram sem dúvida, importantes aliados dos reis ibéricos e foram muito bem recompensados por isso.

Sempre apoiada pela Igreja, sobretudo pelos Papas, a Ordem do Templo acumulou muitas conquistas militares e teve como consequência o acúmulo de riqueza em demasia. Contudo, no início do século XIV, o rei da França Felipe IV, o Belo, passando por grave crise econômica, devido aos conflitos com a Inglaterra, arma uma estratégia juntamente com o Papa Clemente V para destruir a Ordem Templária e apoderar-se dos seus bens. Felipe, o Belo, acusou os Templários de cometerem heresias e os levou ao tribunal da inquisição causando a destruição da Ordem do Templo.

  1. A ORIGEM DA ORDEM DOS “POBRES CAVALEIROS DE CRISTO E DO TEMPLO DE SALOMÃO”

A primeira cruzada foi realizada em terras orientais, dando início a várias outras, no Oriente e no Ocidente, sob um contexto de fé popular que contagiou toda Europa, a fervorosa fé cristã que aglutinava pessoas simples e também as mais intelectualizadas. Os nobres se dirigiam à Terra Santa se lançando em combate, como foram os casos de Gunter di Bamberga e Guglielmo d’Angoulême. Muitos deles abriam mão de seus bens, tendo em vista a possibilidade de que poderiam morrer; mas, em contrapartida, havia a probabilidade da graça de serem enterrados ao lado do Santo Sepulcro. Entre os dois nobres citados, estava Hugo de Payens que comandava o feudo vizinho de Troyes, um corajoso guerreiro que fez votos de fé ligando para sempre seu destino à Jerusalém.

As expedições da primeira cruzada foram comandadas pelos grandes senhores feudais com recursos próprios. Tais guerreiros chegavam à Palestina por terra ou pelo oceano. No dia 15 de julho de 1099 ocorreu a conquista da grande fortaleza de Jerusalém pelos cruzados em uma batalha sangrenta que culminou na morte de aproximadamente setenta mil pessoas e que teve duração de três dias. No entorno do ano de 1100, os reinos cristãos já se formavam.

A participação vitoriosa de Hugo de Payens na primeira cruzada em 1099, o inspirou na criação de um grupo de cavaleiros destinados à proteção dos peregrinos. Inicialmente, três homens foram essencialmente importantes para a formação de um pequeno grupo de cavaleiros que dele derivou na mais gloriosa e mais sangrenta das Ordens religioso-militares que já existiu; a Ordem Templária.

Mesmo com a conquista cristã e a formação dos reinos cristãos, as emboscadas e massacres realizados pelos muçulmanos aos peregrinos aconteciam constantemente. Por volta de 1119 ocorreu novamente um violento massacre aos cristãos perto do Jordão que repercutiu na Europa nas Crônicas de Alberto de Aix. Na cidade de Nablus em 1120 foi realizada uma assembléia que reuniu os chefes cristãos, onde assuntos referentes à defesa do reino de Jerusalém foram enfatizados.  

“Naquele ano, Balduíno II lançou um novo apelo à sociedade cristã, ressaltando que a Terra Santa necessitava de uma estrutura capaz de assegurar um efetivo serviço de polícia”. (FRALE, 2005, p. 26). O reino possuía seu exército, mas precisava dele para garantir a defesa da Terra Santa, dispersá-lo e afastá-lo do Santo-sepulcro seria enfraquecê-lo tornando Jerusalém vulnerável aos ataques dos Sarracenos.

Desde 1118, o ex-combatente da primeira cruzada Hugo de Payens e outro cavaleiro chamado Godofredo de Saint-Omer decidem, então, criar uma Ordem militar e religiosa. Surge então na Palestina, entre 1118-1119, a “Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo”.

Conforme Silva, “alguns meses depois, juntaram-se a eles outros cavaleiros: Geoffroy Bisot, Payen de Montdidier, Archambaud de Saint-Aignan, André de Montbard (tio de São Bernardo), Gondemar e Jaques de Rossal” (2001, p. 13). É bem provável que o cavalheiro que resta aqui para compor os nove seja Hugues Rigaud de acordo com Cuesta (2009), visto que Hugo de Champagne se torna um cavaleiro Templário somente em 1126 quando retorna à Terra Santa.

 O grupo de cavaleiros organizou-se como ordem religiosa jurando proteger as estradas e demais caminhos que levavam aos territórios santos, porque muitos peregrinos haviam sido atacados por mulçumanos em emboscadas e mortos. Também juraram abandonar a vida mundana fazendo votos de castidade, pobreza e obediência para que estivessem extremamente focados em seus propósitos e assim lutarem com a mente pura em nome de Deus e do legítimo rei.

Os próprios Cavaleiros Templários se denominavam e se reconheciam como os “Pobres Cavaleiros de Cristo do Templo de Salomão”. Mas, para os planos de Balduíno II, não havia como a Ordem Templária ser pobre e muito menos ter um número insignificante de cavalheiros. Para proteger os peregrinos e os reinos cristãos um minúsculo grupo de cavaleiros com certeza seria exterminado nos confrontos iniciais ou se não, no primeiro.

Para enfrentarem os ataques de muçulmanos aos cristãos nos caminhos de peregrinação e os poderosos exércitos dos reis muçulmanos na luta entre os reinos, era preciso uma organização militar que suportasse os fortes ataques e os intensos combates que foram travados na época como a história nos mostra. A manutenção desta infraestrutura militar sem dúvida não custaria pouco em termos econômicos e Balduíno II sabia disso.

Os combates eram realizados a cavalo, os cavaleiros usavam armaduras pesadas, espadas e também tinham suas despesas pessoais, precisavam de alimentação e vestimentas,  por exemplo. As nomenclaturas Ordem do Templo, Cavaleiros Templários e Ordem Templária, entre outras, derivam do fato de os nove primeiros cavaleiros terem fixado residência em uma parte do antigo Templo de Salomão mediante doação do rei de Jerusalém, Balduíno II, em 1120, concedendo-lhes parte do palácio real que estava em construção, ao reconhecer a utilidade que eles teriam ao reino e aos cristãos. Os cavaleiros iriam proteger os peregrinos que percorriam o caminho da cidade de Jafa a Jerusalém.

Posteriormente, o número de cavaleiros aumenta com a chegada de 12 monges. Desse momento em diante houve a ampliação gradativa da Ordem em número de guerreiros. O reconhecimento oficial da Ordem, solicitado anteriormente como Milícia de Cristo, ocorreu no Concílio de Troyes em 1128, como A Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão,  contendo as regras militares e religiosas elaboradas por Bernardo de Claraval. Ela foi a primeira Ordem religioso-militar medieval a existir, passando de uma organização clandestina para uma instituição reconhecida e amparada pela Igreja Católica.

Na Península Ibérica especificamente no período da reconquista (XI-XV), as ordens militares e ordens de cavalaria foram fundamentais para a recuperação dos territórios usurpados pelos muçulmanos.  Mas, é importante observar com Demurger que “devemos tomar cuidado com a confusão: ordem militar não é equivalente de ordem de cavalaria”. (2002, p.9). A expressão “ordem de cavalaria” é característica das sociedades ocidentais no século XI devido ao surgimento das cruzadas e à cavalaria ter se tornado não só um meio de transporte, mas um grande instrumento militar aos exércitos, no que se refere ao aumento do potencial de combate.

A Ordem Militar do Templo surgiu no oriente como sendo uma ordem religioso-militar; depois é que se instala no ocidente. Em se tratando da nomenclatura, assim como os hospitalários e teutônicos, é associada às ordens de cavalaria leigas criadas pelos príncipes ocidentais, por combaterem em cavalos. Se servindo da cavalaria, passou a ser vista sob uma ótica cavalheiresca, porém os costumes e os princípios entre as ordens religioso-militares e as ordens de cavalaria leigas são bem distintos.

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